Quanto custa um artigo? Serviços de publicação acadêmica e seus valores de mercado

Por Lilian Nassi-Calò

Imagem: NeONBRAND.

A crise das publicações seriadas no final dos anos 1990 que impulsionou o Movimento do Acesso Aberto tinha como epicentro o aumento muito acima da inflação dos preços para assinatura de periódicos científicos praticados pelos principais publishers multinacionais, que não era acompanhado pelos orçamentos das bibliotecas acadêmicas.

As taxas de processamento de artigos (article processing charges, APC), criadas para subsidiar os periódicos de acesso aberto (AA), ao longo dos quase últimos trinta anos desde a Declaração de Budapeste (BOAI, 2002), também foram reajustadas acima da inflação e os valores cobrados são influenciados por inúmeras características dos periódicos e de seus publishers. As APCs cobradas, no entanto, incluem modelos de negócio e estratégias de preços que não refletem o custo real necessário para publicar um artigo científico em acesso aberto utilizando modernas tecnologias, levando na maioria das vezes à preços excessivamente altos.

Com o intuito de calcular precisamente o custo associado à publicação de artigos de pesquisa, desde a submissão, passando pela avaliação por pares, publicação, indexação e arquivamento, Alexander Grossmann e Björn Brembs coletaram dados detalhados1 sobre cada etapa da publicação científica e publicaram o artigo Current market rates for scholarly publishing services.2 Os autores compararam, então, os custos levantados com os preços praticados no mercado de publicação científica. Grossmann atualmente é professor e pesquisador de Gestão da Publicação na Universidade de Leipzig, Alemanha, e exerceu cargos de gerência em alguns dos principais publishers acadêmicos multinacionais.

Os resultados apresentados por Grossmann e Brembs em prol do acesso aberto e tecendo críticas aos preços abusivos de assinaturas de periódicos cobrados das bibliotecas acadêmicas estão alinhados com as práticas de Ciência Aberta adotadas e recomendadas pelo Programa SciELO para os periódicos que indexa, que tem como pilares o acesso aberto, a avaliação por pares aberta e a disponibilização dos dados de pesquisa. A Conferência SciELO 20 Anos foi o evento que marcou formalmente a adoção da Ciência Aberta por todas as coleções de periódicos da Rede SciELO, que segue um cronograma progressivo para o total alinhamento.3

Composição dos custos de publicação

Os custos de publicação são formados por dois componentes, os custos diretos (ou variáveis), que compreendem as três principais etapas da publicação (abaixo) e os custos indiretos (ou fixos) como despesas de pessoal, imóvel, energia, seguro etc.

  1. Aquisição de conteúdo: Sistema de submissão on-line; busca e atribuição de pareceristas; comunicação com pareceristas; comunicação com autores; gestão do processo de ressubmissão; detecção de plagio; detecção de similaridade (Crossref); atribuição de DOI ao artigo (Crossref); atribuição de DOI para 2 ou mais pareceres (Crossref); cobrança de APC.
  2. Preparação de conteúdo: sistema de rastreamento de manuscrito; check-in do sistema de produção; verificação técnica do manuscrito; edição de texto; editoração; formatação de figuras e gráficos; selo do Altmetric; marcação XML e metadados; processar correções do autor.
  3. Disseminação de conteúdo: plataforma e hospedagem em AA; preservação de longo prazo (CLOCKSS/Portico); distribuição para serviços de indexação (Scopus, PMC, DOAJ etc.).

Os preços foram pesquisados em empresas especializadas em prover serviços editoriais, tanto as que informam seus custos em listas de preços on-line, como sob consulta. Os autores consultaram empresas com as quais já haviam trabalhado anteriormente ou tinham referências dos serviços prestados. Salientam, ainda, que não foi seu objetivo fazer uma pesquisa exaustiva de preços, mas oferecer uma perspectiva abrangente dos valores cobrados por serviços de publicação no mercado editorial acadêmico.

Para calcular o custo médio de publicação de um artigo em acesso aberto, foi necessário assumir algumas premissas:

  • Um artigo STM (Science, Technology, Medicine – ciência, tecnologia e medicina) tem em média 18.000 palavras e 10 ilustrações;
  • Uma taxa de rejeição média de 50% após avaliação por pares, pré-publicação com ao menos dois pareceres e dez tentativas de contato a pareceristas para obter um parecerista disposto a avaliar o manuscrito;
  • Taxa de rejeição de desk review de 10% após avaliação do Editor-Chefe/Conselho Editorial;
  • Carga horária da equipe editorial de 7,5 pessoas-hora por manuscrito submetido; e
  • Avaliação por pares realizada por acadêmicos voluntários.

Desta forma, os custos são calculados por artigo publicado e não por artigo submetido. Os autores ainda calcularam 33% a mais referente a gastos gerais de operação (reparos de equipamentos, despesas de viagem, suprimentos, impostos, taxas etc.).

Os custos dos serviços plataforma web de acesso aberto para hospedagem, CLOCKSS/Portico, DOAJ, Altmetric e Crossref são assinaturas anuais e independem do número de artigos publicados. No cálculo do custo, os valores considerados foram do teto de gastos, de forma que muitos publishers teriam como reduzi-los simplesmente considerando o número de periódicos e artigos que poderiam publicar.

Outra variável excluída do cálculo é a despesa com marketing e publicidade dos periódicos, o que incluiria participação em eventos científicos, impressão de material gráfico de publicidade, presença em redes sociais e investimento na otimização de motor de busca na plataforma web.

A publicação acadêmica pode ocorrer de várias formas, do ponto de vista econômico. Desde um publisher multinacional com pessoal especializado para cada função e Editor-Chefe pago para exercer a função em tempo integral até um periódico de uma instituição de pesquisa que conta com Editor voluntário, servidores institucionais e serviços providos por fornecedores genéricos e sistema de submissão online e gestão de peer review gratuitos.

Para estabelecer um intervalo de preços por artigo, os autores idealizaram três cenários possíveis para a publicação de periódicos de acesso aberto, cada qual com uma subcategoria.

Os cenários A e B se referem à periódicos administrados profissionalmente por pessoal assalariado fazendo a gestão dos manuscritos e trabalho voluntário apenas na etapa de avaliação por pares. O cenário A difere do B pelo fato de que a maior parte dos serviços editoriais em A são providos por um mesmo serviço especializado em publicação científica, desde o recebimento do manuscrito por meio do sistema de submissão online até a publicação na plataforma de acesso aberto, disseminação, indexação e preservação. Em B, cada etapa da aquisição, preparação e disseminação de conteúdo são orçadas em provedores de serviços genéricos e executados segundo a melhor oferta.

O cenário A é mais conveniente e requer menos experiência, mas geralmente é mais caro que o cenário B, e corresponde, por exemplo, a periódicos de universidades ou sociedades científicas com editores assalariados em tempo integral, enquanto o cenário B ocorre, por exemplo com publishers corporativos.

Finalmente, o cenário C considera os periódicos científicos que operam com orçamentos restritos, editores voluntários, utilizam servidores institucionais e optam por sistemas de submissão online gratuitos como o Open Journal Systems (OJS) para administrar submissões e avaliação por pares. Poucos contam com qualquer sistema de preservação ou indexação. Desta forma, os custos de operação são bastante reduzidos. Em suma, temos uma situação em que os custos são decrescentes de A > B > C.

Para simular o custo da avaliação por pares na equação, uma subcategoria foi adicionada a cada cenário. Para A e B, foram consideradas as situações em que os custos seriam reduzidos ao introduzir avaliação por pares pós-publicação (como a que é praticada no periódico F1000Research). Nestes cenários, os manuscritos submetidos são publicados e a avaliação por pares apenas acrescenta novas versões, porém não há rejeições. No cenário C, a subcategoria considera um provedor especializado substituindo os serviços genéricos.

Os autores calcularam os custos para dois extremos de número de artigos por ano, 100 e 1.000, pois em cada caso, os custos fixos são diluídos em poucos (100) ou muitos (1.000) artigos e o custo é alterado.

Encontram-se relacionados na Tabela 1 os totais (somatória dos componentes de custo direto e indireto) reportados pelos autores na publicação do F1000Research.2

Cenários

Custo publicação/artigo – US$

1.000 artigos/ano 100 artigos/ano
Cenário A

669,90

723,16

Cenário A pós-publicação*

519,00

597,74

Cenário B

565,15

643,61

Cenário B pós-publicação*

390,86

469,32

Cenário C

194,89

237,35

Cenário C com serviços especializados

412,16

454,63

* avaliação por pares pós-publicação

Tabela 1. Custos de publicação por artigo em função do número de artigos publicados por ano e do cenário de gestão da publicação.

Os resultados apresentados na Tabela 1 foram calculados para um periódico genérico com 50% de taxa de rejeição de manuscritos submetidos, porém os custos devem aumentar na medida em que a taxa de rejeição for maior, e diminuir quando houver menos rejeição, como é o caso dos cenários com avaliação por pares pós-publicação. Por outro lado, periódicos prestigiosos cuja taxa de rejeição atinge 90% verão o custo de publicação por artigo subir para US$ 1.053,87 (100 artigos/ano) e US$ 770,53 (1.000 artigos/ano e serviços genéricos).

Discrepância entre custo e preço da publicação científica

Considerando o valor médio de US$ 600 (Tabela 1) para publicar um artigo em acesso aberto com todos os serviços editoriais incluídos, e comparando com o custo mais baixo de assinatura de um artigo sob paywall de US$ 4.000, a conclusão é de que os custos de publicação cobrem apenas 15% do preço da assinatura. Acrescido de margem de lucro de 30% (US$ 1.200 por artigo), ainda resta US$ 2.200 de custos não atribuídos à publicação, 55% do valor.

Periódicos e publishers que operam com modelos por assinatura, aparentemente, têm categorias de despesas que não são encontradas em suas contrapartes de acesso aberto, e não podem ser considerados custos de publicação. Porém, são inerentes a seu modelo de negócios. Os custos associados a paywall, por exemplo, não apenas a tecnologia, mas também os custos de ações legais decorrentes de sua operação baseada em assinaturas. Além disso, ainda existem custos de publicidade, marketing, relações públicas, participação em eventos científicos, aquisição de novas tecnologias, atividades de lobby com instituições governamentais etc.

Parece um contrassenso que ainda prosperem periódicos por assinatura cobrando de bibliotecas valores desta magnitude, em contraponto a publishers e periódicos de acesso aberto e servidores de preprint, estes, que operam com custo quase zero e disponibilizam resultados de pesquisa tão logo são postados pelos autores e aceleram o avanço da pesquisa.

Notas

1. GROSSMANN, A. and BREMBS, B. Journal publication cost tables and scenarios [online]. Figshare. 2019 [viewed 10 November 2021]. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.8118197.v2 . Available from: https://figshare.com/articles/dataset/Journal_Production_Cost_010519_xlsx/8118197/2

2. GROSSMANN, A. and BREMBS, B. Journal publication cost tables and scenarios [online]. Figshare. 2019 [viewed 10 November 2021]. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.8118197.v2 . Available from: https://figshare.com/articles/dataset/Journal_Production_Cost_010519_xlsx/8118197/2

3. PACKER, A.L., et al. SciELO pós 20 Anos: o futuro continua aberto [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [viewed 10 November 2021]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2018/12/19/scielo-pos-20-anos-o-futuro-continua-aberto/

Referências

DOVE, J.G., et al. Transparência: O que se pode aprender a partir de valiosas faturas? [Publicado originalmente no blog Scholarly Kitchen em novembro/2019] [online]. SciELO em Perspectiva, 2019 [viewed 10 November 2021]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2019/11/18/o-que-se-pode-aprender-a-partir-de-valiosas-faturas/

GROSSMANN, A. and BREMBS, B. Current market rates for scholarly publishing services. F1000Research [online]. 2021, vol. 10, pp. 20 [viewed 10 November 2021]. https://doi.org/10.12688/f1000research.27468.2. Available from: https://f1000research.com/articles/10-20/v2

GROSSMANN, A. and BREMBS, B. Journal publication cost tables and scenarios [online]. Figshare. 2019 [viewed 10 November 2021]. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.8118197.v2 . Available from: https://figshare.com/articles/dataset/Journal_Production_Cost_010519_xlsx/8118197/2

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SPINAK, E. Periódicos que aumentaram o valor da APC receberam mais artigos [online]. SciELO em Perspectiva, 2019 [viewed 10 November 2021]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2019/05/22/periodicos-que-aumentaram-o-valor-da-apc-receberam-mais-artigos/

VELTEROP, J. Plano S — e Taxas de Processamento de Artigo (APCs) [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [viewed 10 November 2021]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2018/11/27/plano-s-e-taxas-de-processamento-de-artigo-apcs/

Links externos

Alexander Grossmann: https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Grossmann

Budapest Open Access Initiative (BOAI): http://www.budapestopenaccessinitiative.org/read

Conferência SciELO 20 Anos: https://www.scielo20.org/

F1000Research – For Reviewers – Reviewers’ guidelines: https://f1000research.com/for-referees/guidelines

 

Sobre Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NASSI-CALÒ, L. Quanto custa um artigo? Serviços de publicação acadêmica e seus valores de mercado [online]. SciELO em Perspectiva, 2021 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2021/11/10/quanto-custa-um-artigo/

 

2 Thoughts on “Quanto custa um artigo? Serviços de publicação acadêmica e seus valores de mercado

  1. Patrícia Bianca Clissa on November 14, 2021 at 08:30 said:

    No artigo foi abordado quanto cobram da bibliotecas, mas e quanto cobram dos autores? Com relação a conclusão: “Parece um contrassenso que ainda prosperem periódicos por assinatura cobrando de bibliotecas valores desta magnitude, em contraponto a publishers e periódicos de acesso aberto e servidores de preprint, estes, que operam com custo quase zero e disponibilizam resultados de pesquisa tão logo são postados pelos autores e aceleram o avanço da pesquisa.” Gostaria de fazer um comentário: para mim o contrassenso continua, pois estas revistas que disponibilizam seu conteudo em acesso aberto e aceleram o avanço das pesquisas, cobram valores extremamente altos dos autores (12.000,00 a 15.000,00 Reais). Esta questão não foi abordada no artigo acima e também gera muitas discussões. Afinal, quando recebemos uma solicitação de parecer científico sobre algum artigo, o máximo que recebemos em troca varia entre NADA e um desconto de 10% se publicarmos nesta revista com validade de 1 ano. Ou seja, trabalhamos de graça!. Isto tb é um contrassenso.

    • Lilian Nassi-Calò on November 17, 2021 at 11:36 said:

      Prezada leitora,

      É verdade que existem periódicos que cobram taxas de publicação (article processing charge, APC) muito altas da ordem de US$ 3.000 ou mais, mas também existem inúmeros periódicos editados no Brasil de excelente qualidade, muitos deles indexados no SciELO, que cobram taxas muito menores, com o objetivo apenas de manter os custos da publicação e não visam lucro.

      Esta taxa se tornou ainda mais necessária em virtude do abandono da subvenção de periódicos e das instituições de pesquisa por órgãos de fomento federais. Os editores de quase totalidade dos periódicos brasileiros não recebem um centavo por seu trabalho, são pesquisadores e professores universitários que exercem a função de editor gratuitamente. E ainda a grande maioria (cerca de 70%) dos periódicos do SciELO Brasil não cobra taxas de publicação e operam em acesso aberto.

      Assim, é possível publicar em excelentes periódicos de acesso aberto sem pagar taxas de publicação em nosso país.

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