Preprints otimizam a comunicação da pesquisa [Publicado originalmente no editorial do vol. 20 no. 4 da Revista Habanera de Ciencias Médicas]

Por Abel L. Packer

Preprint é um manuscrito disponibilizado publicamente em acesso aberto em um website denominado Servidor de Preprints antes de ser publicado por um periódico científico. Trata-se de uma opção que os autores têm de obter benefícios ao comunicar rápida e formalmente suas pesquisas antes, ou paralelamente à submissão a periódicos para sua avaliação e publicação quando forem aprovadas. É também uma opção dos periódicos depositar como preprints os manuscritos já aprovados que estão em processo de edição e publicação. Esta concepção que usamos no Programa SciELO é ligeiramente mais flexível do que a definição do Committee on Publication Ethics (COPE): “Um preprint é um manuscrito acadêmico disponibilizado pelos autores em uma plataforma de acesso livre, normalmente antes, ou paralelamente ao processo de avaliação por pares.”1

Assim, um preprint é um dos possíveis objetos de comunicação de uma pesquisa com dois períodos de relevância. Primeiro, como comunicação inicial e quase sempre inédita de uma pesquisa e, segundo, como versão histórica do artigo final aprovado, editado e publicado por um periódico, também identificado por versão de registro (version of record). Ambas as versões têm validez permanente, são identificadas com um digital object identifier (DOI) e indexadas pelo Google Scholar e outros indexadores. Como boa prática, o preprint, ao ser acessado, deverá exibir o link ao artigo final, quando este existir.

Este entendimento e a prática atual dos preprints como modalidade de comunicação avançada de resultados de pesquisas em prol do avanço do conhecimento, está associada aos textos digitais e à infraestrutura de tecnologias de informação, comunicação e interoperabilidade da web. É importante destacar que a essência da concepção e funcionalidade do preprint remonta a um passado de mais de 50 anos, segundo Matthew Cobb, ao resgatar a criação revolucionária em 1961 dos Information Exchange Groups (IEG) dos National Institutes of Health (NIH) que promoveu a circulação de preprints impressos em diferentes temas e passou a operar com 3.600 pesquisadores em todo o mundo e mais de 2.500 manuscritos. Este desenvolvimento, no entanto, terminou seis anos depois, principalmente devido à forte reação de importantes periódicos de editoras comerciais e sociedades científicas, que consideraram que aceitar preprints constituiria uma ameaça ao seu prestígio e finanças.

Os preprints ressurgem renovados nos anos 90, trinta anos após a criação dos IEGs, no Los Alamos National Laboratory, sob a direção de Paul Ginsparg com o estabelecimento do serviço de e-mail e posteriormente com a plataforma ou servidor arXiv de preprints em física de altas energias. O crescente sucesso do arXiv foi evidente pela expansão progressiva de sua cobertura temática. Operado pela Universidade Cornell desde 2001, o arXiv cobre atualmente oito áreas temáticas com um acúmulo de 1,8 milhões de preprints no final de 2020 e é considerado o mais importante e reconhecido servidor de preprints. Por muitos anos, o arXiv se apresentou como uma solução isolada de preprints ao lado de tentativas frustradas em outras área.

A resistência aos preprints situou o vasto campo das Ciências Biológicas, Médicas e Biomédicas como a última fronteira de resistência à adoção sistemática dos preprints no ecossistema da comunicação científica, que finalmente começou a ser superada em 2013 com o lançamento de três importantes iniciativas: o Servidor de Ciências Biológicas, bioRxiv, no Cold Spring Harbor Laboratory (CSHL) em novembro de 2013, seguida pelo servidor de Ciências Médicas e Biomédicas medRxiv em junho de 2019, também de propriedade do CSHL, porém operado em colaboração com a Yale University e o British Medical Journal (BMJ) que se autodenomina provedor global de conhecimento em cuidados de saúde, e, a partir de 2016, da Organização sem fins lucrativos ASAPbio (Accelerating Science and Publication in Biology).

Os servidores bioRxiv e medRxiv têm sido muito bem recebidos, como mostra o crescimento do número de preprints depositados: bioRxiv passou de uma média de 800 preprints no primeiro semestre de 2017 para chegar a 3.000 en 2021; enquanto medRxiv recebe, em média, depósitos mensais de mais 1.150 manuscritos em 2020 e no primeiro semestre de 2021. Ambos os servidores vêm cumprindo um papel determinante na comunicação de pesquisas sobre o SARS-CoV-2 e a COVID-19, com um total de 17.000 preprints depositados entre janeiro de 2020 e junho de 2021 e, portanto, contribuíram para superar a resistência a sua utilização.

A consolidação do uso de preprints nas Ciências Biológicas, Médicas e Biomédicas, considerando o sucesso do bioRxiv e medRxiv, tem sido enriquecida com a ação do ASAPbio em conceituações, políticas, metodologias, ética e indicadores sobre preprints.

A presença progressiva de preprints no ecossistema global da comunicação científica é revelada no diretório de 56 servidores de preprint de ASAPbio2 e na lista de 63 repositórios ativos de preprints da Wikipédia3 em junho de 2021. Com maior ou menor volume de documentos, estão presentes servidores de preprints em todas as regiões com produção científica: África, Asia, Europa, América Latina e América do Norte.

Os servidores se caracterizam por uma ampla cobertura temática, seja ela multidisciplinar ou de disciplinas das Ciências Físicas e Tecnológicas, e das Ciências Sociais e Humanas. Eles são operados sem fins lucrativos: instituições acadêmicas e comunidades de pesquisa (arXiv, AfricArXiv, bioRxiv, ChinaXiv, medRxiv, etc.) ou por agências de fomento à pesquisa (Gates Open Research, SciELO Preprints, Wellcome Open Research, etc.), sociedades científicas (ChemRxiv, PsyArXiv, etc.), publishers comerciais relevantes (Authorea, Willey; F1000 Research, Taylor & Francis; PeerJ Preprints, O’Reilly Media & SAGE Publishing; Preprints.org, MDPI, Research Square, Springer Nature, SSRN-First Look, Elsevier, etc.), assim como por periódicos individuais ou plataforma de artigos.

A maioria dos servidores é relativamente jovem e tem um baixo número de preprints: 50% dos servidores listados tem três anos ou menos de operação e cada um deles acumula menos de 500 preprints. O servidor SciELO Preprints, de referência na América Latina, foi criado em abril de 2020; está na lista dos servidores mais jovens e, em junho de 2021, acumulou pouco mais de 1.000 preprints depositados.

Os servidores de preprint cumprem funções essenciais na gestão dos manuscritos que foram progressivamente especificadas pelo servidor arXiv e por quem o seguiu nos últimos 30 anos. Os servidores estão equipados com capacidades tecnológicas específicas, porém típicas de um sistema de informação bibliográfica: controle de qualidade, gestão de textos completos e seus metadados, divulgação e disponibilização de métricas de desempenho. O controle de qualidade é aplicado por editores especializados, os quais se organizam em conselhos e redes, na verificação da estrutura dos textos, de acordo com as seções exigidas nos manuscritos enviados a periódicos científicos, na relevância da pesquisa e nos resultados obtidos.

A gestão dos textos inclui a atribuição de DOI, possibilidade de criação de novas versões para aperfeiçoamento dos preprints, indexação a partir dos metadados extraídos dos textos completos e preservação digital. A disseminação opera a indexação, baseada em metadados extraídos de textos completos, exposição para indexação pelo Google Scholar e outros indexadores e conexão de preprints com a versão final do artigo quando este é publicado em um periódico. A provisão da métrica inclui o número de downloads, presença nas redes sociais e citações recebidas.

Os servidores operam gratuitamente para os autores dos preprints e em acesso aberto para usuários sob licenças Creative Commons, definidas pelos autores ou exigidas pelo servidor. As plataformas de software da maioria dos servidores de preprints são proprietárias e poucas estão disponíveis publicamente, como é o caso do Open Preprints Systems (OPS/PKP) que opera o SciELO Preprints.

Os preprints dotam autores, especialmente jovens pesquisadores, com novos recursos e benefícios. Em primeiro lugar, os autores adquirem maior controle e responsabilidade na comunicação de suas pesquisas, com os benefícios de compartilhar rapidamente os resultados, assegurar a autoria de descobertas, promover sua visibilidade e aperfeiçoar os manuscritos com novas versões antes de enviá-los a um periódico. Em segundo lugar, permite que eles participem do processo de avaliação por pares com identidades e produção científica conhecidas e indicadores de desempenho dos preprints. Estes recursos e benefícios tendem a superar os temores quanto à aceitação pelos periódicos.

Os preprints contribuem para o alinhamento dos periódicos com as práticas da ciência aberta. A grande maioria dos periódicos de publishers comerciais e sociedades científicas já aceita manuscritos previamente depositados como preprints, conforme indicado na lista de publishers científicos, de acordo com as políticas de aceitação de preprints da Wikipédia.4

Na Rede SciELO, os critérios de indexação indicam o final de 2022 como data limite para que os periódicos alinhem suas políticas com o modus operandi de ciência aberta, que inclui a aceitação de preprints para avaliação e publicação, o que implica abandonar as políticas de publicar apenas pesquisas inéditas e utilizar unicamente a avaliação por pares duplo-cego. A expectativa é que os periódicos contribuam decisivamente para viabilizar os benefícios que os preprints, como prática de ciência aberta, aportam aos pesquisadores e ao progresso da ciência

O uso crescente de preprints, como prática consagrada de comunicação científica, tem coexistido nos últimos anos com o avanço do movimento da ciência aberta e tem sido identificado como uma de suas práticas, ao lado da disponibilização em repositórios na web de dados, códigos de programas de computador e outros materiais dos textos de preprint, artigos publicados, e a abertura do processo de avaliação de manuscritos. Assim, o uso de preprints é uma das dimensões do construto ciência aberta em favor da transparência em todo o processo de realizar e comunicar a pesquisa, ampliando a cooperação entre pesquisadores, facilitando a replicabilidade da pesquisa e fortalecendo a função social da pesquisa e do conhecimento científico, que se espera que seja formalizado nas políticas nacionais e institucionais de fomento e avaliação da pesquisa, conforme indicado no documento de recomendação de ciência aberta da UNESCO.5

Notas

1. COPE Council. COPE Discussion document: Preprints. March 2018 [Internet]. United Kingdom: COPE Council; 2018 [Citado 25/05/2021]. Disponible en: https://publicationethics.org/files/u7140/COPE_Preprints_Mar18.pdf

2. List of preprint servers: policies and practices across platforms: https://asapbio.org/preprint-servers

3. List of preprint repositories: https://en.wikipedia.org/wiki/ List_of_preprint_repositories

4. List of academic publishers by preprint policy: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_ academic_publishers_by_preprint_policy

5. UNESCO. Draft text of the UNESCO Recommendation on Open Science [Internet]. Paris: UNESCO; 2021 [Citado 25/05/2021]. Disponible en: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376893_spa.locale=en

Referências

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COBB, M. The prehistory of biology preprints: A forgotten experiment from the 1960s. PLoS Biol [online]. 2017, vol. 15, no. 11, e2003995 [viewed 11 August 2021]. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.2003995. Available from: https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.2003995

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SARABIPOUR, S., et al. On the value of preprints: An early career researcher perspective. PLoS biology [online]. 2019, vol. 17, no. 2, e3000151 [viewed 11 August 2021]. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3000151. Available from: https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3000151

VALE, R.D. Accelerating scientific publication in biology. PNAS [online]. 2015, vol. 112, no. 44, pp. 13439-13446 [viewed 11 August 2021]. https://doi.org/10.1073/pnas.1511912112. Available from: https://www.pnas.org/content/112/44/13439

Links externos

AfricArXiv: https://info.africarxiv.org/

arXiv: https://arxiv.org/

ASAPbio: https://asapbio.org/

Authorea: https://www.authorea.com/inst/20386-wiley-open-research

bioRxiv: https://www.biorxiv.org/

ChemRxiv: https://chemrxiv.org/

ChinaXiv: http://www.chinaxiv.org/

F1000 Research: https://f1000research.com/

Gates Open Research: https://gatesopenresearch.org/

List of academic publishers by preprint policy: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_ academic_publishers_by_preprint_policy

List of preprint repositories: https://en.wikipedia.org/wiki/ List_of_preprint_repositories

List of preprint servers: policies and practices across platforms: https://asapbio.org/preprint-servers

medRxiv: https://www.medrxiv.org/

Open Preprints Systems | Public Knowledge Project: https://pkp.sfu.ca/ops/

PeerJ Preprints: https://peerj.com/preprints/

Preprints.org: https://www.preprints.org/

PsyArXiv: https://psyarxiv.com/

Research Square: https://www.researchsquare.com/

SciELO Preprints: http://preprints.scielo.org/

SSRN-First Look: https://www.ssrn.com/index.cfm/en/first-look/

Wellcome Open Research: https://wellcomeopenresearch.org/

 

Traduzido do orignal em espanhol por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PACKER, A.L. Preprints otimizam a comunicação da pesquisa [Publicado originalmente no editorial do vol. 20 no. 4 da Revista Habanera de Ciencias Médicas] [online]. SciELO em Perspectiva, 2021 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2021/08/11/preprints-otimizam-a-comunicacao-da-pesquisa/

 

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