Por Lilian Nassi-Calò
Existem sólidas evidências de que a colaboração em pesquisa, seja entre instituições, países ou regiões, aumenta a qualidade, visibilidade e impacto das publicações resultantes. Este fenômeno vem atraindo a atenção de tomadores de decisão como uma forma de fomentar a excelência em pesquisa em várias partes do mundo.
Países da Europa como o Reino Unido, Alemanha, Holanda, França, Itália e Espanha, entre outros, tem sólida tradição em pesquisa. Os programas-Marco de Trabalho (Framework Programmes, FP) para fomentar o desenvolvimento científico e inovação na União Europeia (EU) foram criados a partir de 1984, e desde então, a cooperação inter-organizacional, inter-regional e internacional tornaram-se elementos-chave para aumentar a competitividade da pesquisa gerada na região e diminuir a brecha tecnológica com os EUA, por meio do estabelecimento da Área de Pesquisa Europeia (European Research Area, ERA).
O Sétimo Programa-Marco de Trabalho (Framework Programme 7, FP7), implementado na região entre 2007 e 2013, contou com orçamento de 50 milhões de Euros e tinha como componentes principais: Capacidades, Cooperação1, Ideias, Pessoas, e Programa Nuclear. Sob o tema Cooperação estão definidas as seguintes áreas prioritárias: Saúde; Alimentos, Agricultura e Pesca; Biotecnologia; Tecnologias de Informação e Comunicação; Nanociências; Nanotecnologias; Materiais e Novas Tecnologias de Produção; Energia; Meio Ambiente e Mudanças Climáticas; Transporte e Aeronáutica; Ciências Socioeconômicas e Humanidades; Espaço; Segurança e Construção.
Entre março e 2010 e março de 2015, a empresa independente de avaliação em ciência e tecnologia sediada no Canadá Science-Metrix coletou, produziu e analisou uma ampla variedade de indicadores bibliométricos sobre o FP7 a pedido da Comissão Europeia. O estudo se concentrou na produção científica e padrões de colaboração entre países, regiões e instituições europeias por meio da análise de publicações científicas arbitradas por pares indexadas na base bibliométrica Scopus da Elsevier. O estudo tinha por objetivo produzir indicadores sobre a evolução, colaboração e impacto da pesquisa e inovação na Europa na vigência do FP7 e períodos anteriores para avaliar o programa e orientar o desenvolvimento do projeto sucessor, o Horizon2020 (H2020), que tem como finalidades reafirmar a excelência em pesquisa e inovação, atingir liderança industrial e abordar os desafios da sociedade.
Serão apresentados aqui os principais resultados deste estudo que fornece um amplo panorama do status atual da pesquisa nos países da Europa e o grau de cooperação entre autores em diferentes disciplinas e setores como forma de impulsionar o impacto e a inovação científica na região.
Estão incluídos na ERA os 28 Países-Membros da EU (EU28)2 e 13 países associados (AC)3. O estudo da Science-Metrix também incluiu para efeito comparativo os EUA, China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Brasil e Rússia.
Volume e impacto da produção científica
No período 2000-2013 a China desponta no cenário mundial como o país emergente que mais se destacou em termos de volume da produção científica, igualando os EUA em número total de publicações em 2013. A ERA ocupa a segunda posição em crescimento de publicações, enquanto o Japão praticamente não registra crescimento no período. Em 2013 a região da ERA contribui com cerca de um terço da produção científica mundial na base Scopus, enquanto os EUA contabilizam cerca de um quarto do total. Tomando como base o índice médio de crescimento da produção científica mundial, a região europeia, entretanto, teve um crescimento menor. O índice global é influenciado, em grande parte, pelo crescimento de países emergentes na Ásia (além da China), e os BRICS. Entretanto, países da ERA como Luxemburgo, Romênia, Letônia, Malta e Chipre (EU28), e Albânia, Montenegro, Sérvia e Bósnia e Herzegovina (AC) também registraram aumento considerável da produção científica no mesmo período. Os grandes produtores do ERA são Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Espanha, além da Holanda, Suíça, Islândia e Suécia.
Entre 2000 e 2013 a ERA reduziu paulatinamente a brecha com os EUA em termos de impacto de sua produção científica, bem como a China. Assim como a taxa de crescimento da produção científica, EUA e Japão mantem-se num patamar quanto ao impacto médio de suas publicações no período. Estados Unidos apresenta índice médio de citações 41% maior do que a média mundial em 2010, enquanto o Japão pontua 13% abaixo da média mundial.
O estudo a seguir, analisou o desempenho da região nos temas prioritários do FP7 no período anterior (2004-2007) e durante a vigência do projeto, incluindo uma janela de dois anos para considerar também as publicações após o termino do projeto (2010-2013). De maneira geral, a maior parte dos temas prioritários contabilizou aumento da especialização e impacto das publicações no período imediatamente posterior à vigência do FP7, notadamente Saúde; Alimentos, Agricultura e Pesca; Meio Ambiente (incluindo Mudanças Climáticas); Ciências Socioeconômicas; Construção e Tecnologias de Construção; e Tecnologias de Informação e Comunicação. Nas áreas prioritárias do FP7, a ERA pontua acima dos EUA em Aeronáutica e Espaço, Transportes, Energia, e Construção e Tecnologias de Construção, e acima da China e Japão em Humanidades e Segurança. Cabe salientar, no entanto, que a análise da produção científica de países de língua não inglesa pode ter sido subestimada, pois periódicos nos idiomas locais são indexados em menor nível em bases bibliográficas. A área de Nanotecnologia e Nanociências permanece um desafio para a ERA apesar dos esforços empreendidos na região. Ademais, países emergentes, especialmente na Ásia, têm apresentado notável desempenho nesta área.
Colaboração científica na ERA
Para avaliar a extensão e impacto da colaboração científica dentro da ERA a nível nacional, regional e institucional foram coletados indicadores bibliométricos nas áreas prioritárias do FP7.
Entre as 25 instituições com maior volume de produção científica na região (notadamente de Países-Membros da EU28), a totalidade apresenta alto nível (acima de 70%) de publicações com ao menos um autor externo dentro da ERA. Considerando a colaboração nestas instituições com parceiros de outros países, os níveis situam-se entre 31 e 82%. De maneira geral, instituições dedicadas a pesquisa aplicada apresentam os maiores níveis de colaboração nacional e internacional, também com o setor privado. Este último mostra elevado grau de colaboração com outras companhias em nove das 17 áreas prioritárias do FP7, notadamente em Saúde, Ciência dos Materiais e Produção de Alimentos.
A colaboração científica promovida por iniciativas como os FP na Europa tem como principal objetivo aumentar a competitividade da região e diminuir a brecha tecnológica com os EUA e países emergentes, principalmente na Ásia. O trabalho em rede facilita o compartilhamento de conhecimento e recursos, evita duplicação de esforços e permite abordar questões complexas por meio da complementação de competências. A criação da ERA e sua eficiência neste sentido depende em grande parte da integração entre países-membros (EU28) e países associados (AC). Os estudos bibliométricos conduzidos pela Science-Metrix permitem concluir que a colaboração internacional promovida pelo FP7 contribuiu de fato para aumentar a integração na região, evidenciada pelo número de publicações conjuntas durante e após a vigência do projeto. Os analistas, entretanto, ressaltam que co-publicações com múltiplos autores não constituem uma garantia de maior impacto, porem artigos resultantes de colaboração tem maior probabilidade de ser mais citados.
O estudo conclui ranqueando os tipos de colaboração dentro da ERA que produziram maior média de citações por artigo: autor de países EU28 e não-EU28; autores de países diferentes dentro da ERA; autor de um país ERA e autor internacional não ERA; autor de um país ERA e autor não-EU28; autores de diferentes países EU28; autores de apenas um país ERA; e publicação de um autor ERA apenas. Os resultados, portanto, permitem concluir que a cooperação fomentada pelos FP beneficia a influência da pesquisa realizada por países da ERA. É importante notar, todavia, que o impacto resultante de cooperação intersetorial (por exemplo, academia-setor privado) não é tão pronunciado como a cooperação entre instituições acadêmicas. Uma inferência desta conclusão é que nem sempre o aumento do impacto indica maior qualidade ou nível de inovação da descoberta, porém simplesmente o efeito aditivo da disseminação da pesquisa em um maior número de redes de citação (dos autores individuais).
Colaboração interdisciplinar
Mais que a colaboração institucional, internacional ou regional, é amplamente aceito atualmente que a colaboração interdisciplinar tem maior potencial em fomentar a pesquisa de natureza inovadora e realmente transformadora. Desta forma, gestores e tomadores de decisão vem priorizando programas e redes de cooperação interdisciplinar. Este componente se encontra contemplado no programa H2020, onde a Comissão Europeia introduziu um tema específico sobre pesquisa interdisciplinar de alto risco com o propósito de desenvolver tecnologias inovadoras, a exemplo do que ocorre em instituições líderes em outros países.
Notas
1. Cabe destacar a participação da América Latina e Caribe (AL&C) no projeto integrante do FP7 no componente Capacidades, na área Ciência e Sociedade denominado NECOBELAC (http://www.necobelac.eu/) entre 2009 e 2012. O projeto envolveu instituições-chave na EU (Itália, Espanha, Reino Unido e Portugal) e AL&C (Brasil e Colômbia) com a finalidade de disseminar conhecimento, métodos e técnicas sobre comunicação e escrita científica e acesso aberto à informação em saúde pública.
2. Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Checa, Romênia, Suécia e Reino Unido.
3. Albânia, Bósnia e Herzegovina, Ilhas Faro, Islândia, Israel, Liechtenstein, Macedônia, Montenegro, Noruega, Rep. da Moldávia, Sérvia, Suíça e Turquia.
Referência
European Comission. Analysis of Bibliometric Indicators for European Policies 2000-2013. ISBN 978-92-79-47690-7. Available from: http://www.science-metrix.com/en/publications/reports#/en/publications/reports/analysis-of-bibliometric-indicators-for-european-policies-2000-2013. DOI: http://dx.doi.org/10.2777/194026
Links externos
European Research Area – http://ec.europa.eu/research/era/
Horizon2020 – http://ec.europa.eu/programmes/horizon2020/
Science Metrix – http://www.science-metrix.com/
Scopus – http://www.scopus.com/
Sétimo Programa-Marco de Trabalho – http://ec.europa.eu/research/fp7/
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
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Leia o comentário em espanhol, por Marta:
http://blog.scielo.org/es/2015/11/05/indicadores-bibliometricos-de-la-produccion-cientifica-europea/#comment-37923