Equidade de sexo e gênero na pesquisa e na publicação

Por Edna Montero, Alex Mendonça e Leila Posenato Garcia

Em 8 de junho de 2021, foi realizado o webinário “Equidade de sexo e gênero na pesquisa e na publicação”. A palestrante, Dra. Shirin Heidari, é Pesquisadora Sênior do Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra. É fundadora do Comitê de Políticas de Gênero da Associação Europeia de Editores Científicos (European Association of Science Editors, EASE), autora principal das diretrizes SAGER (Sex and Gender Equity in Research) e presidenta fundadora da GENDRO, uma organização não-governamental com a missão de promover pesquisas e análises de dados com perspectiva de gênero.

O evento foi promovido pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil), em parceria com o Programa SciELO e a EASE, com participação do Fórum de Editores de Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O webinário, realizado com tradução simultânea do inglês para o português, contou com grande audiência.

Foram abordadas as seguintes questões:

  • Por que sexo e gênero importam na pesquisa e no relato dos resultados?
  • Qual é o problema das práticas atuais de relato dos estudos?
  • O que são as diretrizes SAGER e como elas podem apoiar a resolução do problema?
  • O que editores, revisores e autores podem fazer para melhorar o relato sensível ao gênero?

Inicialmente, a Dra. Shirin explanou que o sexo, como fator biológico, e o gênero, como construção social que influencia normas, relações de poder e expectativas, têm um impacto importante em todas as dimensões da vida humana. Na pesquisa científica, que tem como intuito melhorar as condições de vida e saúde e promover avanços na sociedade, os esforços que visam reduzir iniquidades são essenciais.

Contudo, muitos estudos ainda são conduzidos sem considerar as dimensões de sexo e gênero, o que pode limitar a interpretação dos resultados e mascarar diferenças importantes, que poderiam resultar em prejuízos para pessoas pertencentes a uma determinada categoria de sexo ou gênero. Ademais, tal desconsideração reduz a reprodutibilidade e o rigor das pesquisas, é custosa, desperdiça recursos, e resulta em perda de oportunidades para inovação e o alcance da equidade.

Um exemplo bastante atual apresentado foi a falta de equilíbrio nos estudos observacionais e de intervenção sobre a COVID-19, com menor participação feminina nas amostras. Também foi citado o uso exclusivo de manequins que representam homens nos testes de impacto, que tornou os automóveis mais seguros para os homens, em detrimento das mulheres. De fato, após um acidente de carro, as mulheres têm maior risco de sofrerem lesões cervicais e apresentam lesões mais graves com maior frequência que os homens. Outro exemplo mencionado foi o da ferramenta de reconhecimento de voz do Google, que é mais precisa para homens e pessoas brancas.

A constatação de que a falta do relato de características de sexo e gênero nas pesquisas é frequente e potencialmente danosa, aliada ao uso limitado de políticas sobre gênero nos periódicos e à percepção de uma certa resistência em abordar o assunto por parte dos editores, levou à elaboração das Diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa (SAGER, Sex and Gender Equity in Research). As Diretrizes SAGER, que podem ser usadas por autores, avaliadores e editores, apresentam recomendações e exemplos para garantir a incorporação das dimensões de sexo e/ou gênero nas pesquisas, e desde o delineamento do estudo até o relato de seus resultados, em todas as seções do manuscrito.

As Diretrizes SAGER também incluem um fluxograma para orientar os editores na triagem inicial dos manuscritos submetidos.1

As diretrizes SAGER se aplicam a todas as pesquisas com humanos, animais ou qualquer material originário de humanos e animais, bem como a outras disciplinas cujos resultados serão aplicados a humanos, como mecânica e engenharia. Os editores científicos, com seu reconhecido papel como agentes de mudança, podem contribuir para o maior equilíbrio de gênero na ciência e nas práticas de publicação. A equidade e a diversidade são fundamentais para promover maior qualidade e transparência, para que a ciência permaneça na vanguarda da inovação.

Alinhada a esses princípios, a Diretoria da ABEC Brasil propôs a criação de um grupo de trabalho para tratar da diversidade, equidade e inclusão. Estes temas também serão abordados no ABEC Meeting Live 2021, a ser realizado no período de 21 a 24 de setembro de 2021. Esperamos contar com grande participação da comunidade científica para o aprofundamento deste relevante debate. A programação completa do evento está disponível em: https://meeting21.abecbrasil.org.br/programacao/

Da mesma forma, o Programa SciELO deverá nos próximos meses atualizar o seu documento de Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos científicos na Coleção SciELO com recomendações que visam instaurar práticas que fomentem uma maior diversidade, equidade e inclusão nas equipes editoriais e fluxo de comunicação científica dos periódicos SciELO.

Nota

1. HEIDARI, S., et al. Equidade de sexo e gênero na pesquisa: fundamentação das diretrizes SAGER e uso recomendado. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2017, vol. 26, no. 3, pp. 665-676, ISSN: 1679-4974 [viewed 5 August 2021]. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300025.Available from: http://ref.scielo.org/ybkmhf. * Esta versão foi elaborada por Leila Posenato Garcia e Taís Freire Galvão, com a colaboração de David Harrad, e confirmada por Paola de Castro. Paola de Castro é copresidente do Comitê para Políticas de Gênero da EASE e coautora das Diretrizes SAGER. Versão em português do documento: HEIDARI, S., et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integrity and Peer Review [online]. 2016, vol. 1, no. 2, ISSN: 2058-8615 [viewed 5 August 2021]. https://doi.org/10.1186/s41073-016-0007-6. Available from: https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/sager-guidelines/

Referências

BAJOREK, J.P. Voice Recognition Still Has Significant Race and Gender Biases [online]. Harvard Business Review. 2019 [viewed 5 August 2021]. Available from: https://hbr.org/2019/05/voice-recognition-still-has-significant-race-and-gender-biases.

Equidade de sexo e gênero na pesquisa e na publicação. ABEC Brasil on YouTube. 2021 [viewed 5 August 2021]. Available from: https://youtu.be/3hJmiJhXvRw

HEIDARI, S., et al. Equidade de sexo e gênero na pesquisa: fundamentação das diretrizes SAGER e uso recomendado. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2017, vol. 26, no. 3, pp. 665-676, ISSN: 1679-4974 [viewed 5 August 2021]. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000300025.Available from: http://ref.scielo.org/ybkmhf

HEIDARI, S., et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integrity and Peer Review [online]. 2016, vol. 1, no. 2, ISSN: 2058-8615 [viewed 5 August 2021]. https://doi.org/10.1186/s41073-016-0007-6. Available from: https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/sager-guidelines/

PALMER-ROSS, A., OVSEIKO, P.V., and HEIDARI, S. Inadequate reporting of COVID-19 clinical studies: a renewed rationale for the Sex and Gender Equity in Research (SAGER) guidelines. BMJ Global Health [online]. 2021, vol. 6, no. 4, e004997 [viewed 5 August 2021]. http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-004997. Available from: https://gh.bmj.com/content/6/4/e004997

TANNENBAUM, C., et al. Sex and gender analysis improves science and engineering. Nature [online]. 2019, vol. 575, pp. 137–146 [viewed 5 August 2021]. https://doi.org/10.1038/s41586-019-1657-6. Available from: https://www.nature.com/articles/s41586-019-1657-6

Links externos

Associação Brasileira de Editores Científicos: https://www.abecbrasil.org.br/novo/

GENDRO | Gender in Research: https://www.gendro.org/

Programação – ABEC Meeting Live 2021: https://meeting21.abecbrasil.org.br/programacao/

 

Sobre Edna Montero

Edna Frasson de Souza Montero é Professora Livre-docente pela Universidade Federal de São Paulo, Professora Associada da Disciplina de Cirurgia Geral e Trauma da Faculdade de Medicina da USP e Técnico Administrativo Educacional da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina – Unifesp. Bolsista de Produtividade em Pesquisa – PQ2 – CNPq. É membro do Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa – CAPPesq, do Hospital das Clínicas da FMUSP. Editora Chefe da Acta Cirúrgica Brasileira desde 2015 e Editora da área cirúrgica da Revista da Associação Médica Brasileira. Membro da Diretoria da ABEC Brasil no biênio 2020-2021. Possui certificação pelo Council of Science Editors.

 

Sobre Alex Mendonça

Alex Mendonça é graduado em Mídias Digitais com habilitação em Design de Interfaces pela Universidade Católica de São Paulo. Desde 2014 é Coordenador da Unidade de Comunicação do SciELO Brasil, sob a qual compreendem o servidor SciELO Preprints, os sistemas de gestão online de manuscritos, as interfaces dos sites SciELO e as mídias sociais do SciELO.

 

Sobre Leila Posenato Garcia

Leila Posenato Garcia é Doutora em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas. É Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em exercício na Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho. É membro suplente da área da saúde na Coleção SciELO Brasil, do Comitê de Políticas de Gênero da Associação Europeia de Editores Científicos (EASE) e Coordenadora do Fórum de Editores da Saúde Coletiva (ABRASCO), além de Editora Associada da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) e da Gaceta Sanitaria (Espanha).

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MONTERO, E., MENDONÇA, A. and GARCIA, L.P. Equidade de sexo e gênero na pesquisa e na publicação [online]. SciELO em Perspectiva, 2021 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2021/08/05/equidade-de-sexo-e-genero-na-pesquisa-e-na-publicacao/

 

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