Transparência: O que se pode aprender a partir de valiosas faturas? [Publicado originalmente no blog Scholarly Kitchen em novembro/2019]

Por John G. Dove, Rebecca Kennison, Ginny Steel, Lea Delos Reyes e Jo Dutilloy

Imagem: JACLOU-DL.

Transparência tem sido um tópico importante nas discussões recentes sobre acesso aberto (AA) em conferências como ALA Midwinter, ACRL (Association of College and Research Libraries), R2R (Researcher to Reader), SSP (Society for Scholarly Publishing), ALPSP (Association of Learned and Professional Society Publishers) e COASP (Conference on Open Access Scholarly Publishing). A expectativa é que um cenário mais aberto possa explicar custos e preços e até trazer pressões de mercado sobre os preços para que se alinhem de maneira mais geral aos custos e valores. Veja o Plano S, por exemplo; seu sexto princípio1 (de um total de dez) tem tudo a ver com transparência. E, no dia anterior ao COASP, um consórcio de publishers e organizações de pesquisa se reuniu para discutir como seria uma transição transparente para o AA.

Ashley Farley, Diretora Associada de Programa de Serviços de Conhecimento e Pesquisa da Fundação Bill & Melinda Gates, como participante do Fórum ACRL-SPARC, mencionou como seu papel na Fundação lhe proporcionou uma visão dos valores reais que a Fundação paga para taxas de processamento de artigos (article processing charges, APCs) em periódicos de AA total e taxas de AA híbrido em periódicos por assinatura. [Farley] esperava uma transparência muito maior nestas taxas, o que poderia ajudar a pressionar o mercado sobre as tarifas cobradas para abrir a literatura.

Portanto, perguntamos a Ashley se ela poderia nos fornecer seus dados de faturas para que pudéssemos analisá-los e publicar nossos resultados, e ela concordou.

O conjunto de dados que Ashley nos forneceu (cobrindo o período de 1º de agosto de 2016 a 31 de março de 2019) inclui:

  • 3.268 faturas de artigos em periódicos revisados pelos pares
  • 720 periódicos
  • 90 publishers

No total, a Fundação pagou US$ 9.002.225 a estes publishers para garantir que os resultados de toda a pesquisa da Fundação fossem disseminados com uma licença CC-BY sem embargo – um custo médio “aberto” de US$ 2.755 por artigo.

Achamos que descobrimos algumas tendências interessantes nestes dados, porém, nosso principal objetivo é compartilhar o conjunto de dados de pesquisa que desenvolvemos2, juntamente com os dados originais de faturamento3 da Fundação. Desta forma, qualquer pessoa pode usá-los para futuras pesquisas.

A Política de AA da Fundação Bill & Melinda Gates

A Política de Acesso Aberto da Fundação Bill & Melinda Gates4 foi estabelecida em 2015 e é apoiada por uma plataforma de serviços, Chronos, codesenvolvida pela Fundação e pela empresa dinamarquesa ISSRC ApS. Jennifer Hansen, ex-Diretora Sênior e líder de Política de Acesso Aberto da Fundação, é cofundadora da Chronos e forneceu informação para nossa análise.

Desde agosto de 2016, pesquisadores de organizações que recebem financiamento da Fundação são incentivados a processar seus artigos de pesquisa por meio do sistema Chronos, que envia os artigos em seu nome e faz pagamentos diretamente aos publishers. Isso permite que os pesquisadores se concentrem em sua pesquisa, enquanto a Fundação lida com a administração de faturas e pagamentos. Isso também significa que existe um único ponto de contato para todas essas faturas para milhares de pesquisadores em todo o mundo.

Quando a Fundação estabeleceu sua política de AA, havia um equívoco comum de que esta exigia ou incentivava fortemente os autores a publicar apenas em periódicos totalmente de AA. De fato, três quartos dos periódicos deste conjunto de dados são periódicos por assinatura com uma opção híbrida e 59% das faturas se destina a estas taxas híbridas. Na época em que os autores enviaram artigos para publicação no final do fluxo de faturas representadas neste conjunto de dados, a Fundação endossou o Plano S (5 de novembro de 2018). Um dos dez princípios do Plano S1 afirma explicitamente que “Os financiadores não apoiam o modelo ‘híbrido’ de publicação”. A exclusão completa da opção dos periódicos híbridos levará algum tempo, mas certamente será interessante ver com que rapidez isso muda o conjunto de pesquisadores e suas opções de publicação.

Uma coisa fica imediatamente clara quando você examina os periódicos por assinatura e AA separadamente e procura diferenças ano após ano: em 2016, apenas 22% dos autores optaram por publicar em periódicos totalmente AA; em 2019, 50% o fizeram.

Tanto Jennifer quanto Ashley dizem que o escritório de política de AA da Fundação e o próprio sistema Chronos deixaram a escolha do periódico inteiramente a critério do autor, desde que o periódico cumpra os requisitos da Fundação de que o artigo esteja disponível sob uma licença CC-BY sem embargo. Isso é confirmado pelo fato de, em 17 de agosto de 2019, a Chronos ter uma base de dados com 26.099 periódicos, tanto por assinatura quanto totalmente AA, em comparação com a Sherpa/Romeo, que relacionou 31.122 periódicos em sua base de dados5 naquela data.

Convite à pesquisa adicional

  • Que evidência há de inflação por periódicos ou publishers em taxas híbridas?
  • Existe uma diferença nas taxas híbridas entre publishers com e sem fins lucrativos?
  • A comparação de preços e volume de pagamentos de taxas híbridas com preços de varejo do custo de assinatura de um periódico revela evidências de “dupla cobrança”?

Conjunto de dados da Fundação: <https://doi.org/10.25346/S6/EEFYIP>.

Nosso conjunto de dados de pesquisa: <https://doi.org/10.25346/S6/VODY5G>.

Periódicos de acesso aberto e suas APCs, como evidenciado pelas faturas

Decidimos enfocar nossa análise nos periódicos totalmente AA. É importante reconhecer antecipadamente que qualquer conjunto de faturas é uma visão distorcida de todo o cenário. As disciplinas cobertas pelos periódicos deste conjunto de dados refletem a agenda de pesquisa da Fundação Bill & Melinda Gates, que é principalmente (embora não exclusivamente) focada no financiamento das ciências biológicas e médicas. As faturas representam pagamentos reais em vez de preços de tabela, o que significa que incluem descontos e isenções aplicados pelo publisher. Artigos individuais que não exigem pagamento de APC (como artigos convidados) ou periódicos cuja APC atualmente é subsidiada pelo publisher ou por outras fontes não geram uma fatura. Todas essas exceções distorcem alguns cálculos de preços médios para periódicos e publishers. Há também uma categoria de periódicos AA “diamante” ou “platina” que não cobram APC; novamente, eles não estão incluídos neste conjunto de dados. Portanto, o conjunto de faturas não representa artigos publicados em todo o cenário de periódicos revisados por pares, totalmente AA.

Nos concentramos sobre as seguintes questões que este conjunto de dados pode nos ensinar sobre periódicos totalmente AA:

  1. Como as APCs para periódicos totalmente AA dos publishers tradicionais por assinatura se comparam com as APCs cobradas por periódicos totalmente AA de publishers exclusivamente AA?
  2. Ao escolher um periódico totalmente AA, os autores mostram alguma preferência por periódicos totalmente AA de publishers tradicionais em relação àquelas publicadas por publishers exclusivamente AA?
  3. Como as APCs cobradas por publishers com fins lucrativos se comparam com aquelas cobradas por publishers sem fins lucrativos?

Aqui estão nossas conclusões.

1. Os publishers tradicionais cobram significativamente mais pelas APCs do que os publishers exclusivamente de AA

Para categorizar definitivamente os periódicos como AA e, em seguida, os publishers como “Modelo Misto” (com periódicos de assinatura e AA) ou exclusivamente AA, consultamos o Directory of Open Access Journals (DOAJ). Todos os periódicos incluídos no DOAJ foram identificados como definitivamente AA, mas também reconhecemos que alguns periódicos AA não estão no DOAJ, incluindo alguns títulos de publishers reconhecidos. Portanto, verificamos duas vezes o site de cada publisher e o site de cada revista.

Em dois casos, grandes publishers tradicionais adquiriram um publisher exclusivamente AA (a Springer Nature Verlag é proprietária do BioMed Central, BMC, uma dos publishers originais “nascidos AA”, e o Informa Group [Taylor & Francis] que agora é proprietário da Dove Medical Press). Para os fins de nossa análise, decidimos que atualmente estes publishers operam de maneira suficientemente independente para que seus preços ainda reflitam suas raízes “nascidos AA”. Porém, com o tempo, se elas forem integrados aos ramos de publicação de suas empresas-mãe, pode haver um bom motivo para incluí-los com seus pais como publishers de modelos mistos.

Em 2016, a APC média cobrada pelos publishers tradicionais por seus periódicos AA foi de US$ 2.508 — US$ 877 maior que a APC média cobrada por publishers exclusivamente AA.

Em 2019, as APCs dos publishers tradicionais haviam aumentado para uma média de US$ 3.285 — US$ 1.510 a mais que publishers exclusivamente AA. Nestes quatro anos, a Fundação está observando um aumento anual nos preços de APCs dos publishers tradicionais de 9,7% ao ano, em comparação com um aumento médio anual de apenas 2,9% nos publishers exclusivamente AA.

Convite à pesquisa adicional

  • Quais publishers individuais são os maiores contribuidores para esta diferença?
  • Existe inflação maior ou menor dependendo da disciplina? Ou talvez Fator de Impacto?
  • Os pesquisadores fazem suas escolhas com base no preço?
  • A junção do BMC com a Springer-Nature Verlag e a Dove Medical com o Grupo Informa alteraria significativamente este quadro?

Conjunto de dados da Fundação: <https://doi.org/10.25346/S6/EEFYIP>

Nosso conjunto de dados de pesquisa: <https://doi.org/10.25346/S6/VODY5G>.

2. Pesquisadores que optam por publicar em um periódico totalmente AA mostram uma forte preferência por títulos de publishers exclusivamente AA

Uma grande maioria (cerca de 70%) dos pesquisadores que publicam artigos em periódicos totalmente AA escolheu publishers exclusivamente AA em cada um dos quatro anos civis deste conjunto de dados. Existe algum defeito na marca dos publishers tradicionais por assinatura? Ou algum brilho de autenticidade de AA apreciado pelas marcas dos publishers exclusivamente AA? Ou estariam eles mostrando sensibilidade aos preços diante da grande diferença de preços das APCs? Seria necessária mais pesquisa para explicar as escolhas destes periódicos e publishers por estes pesquisadores.

Convite à pesquisa adicional

  • Haveria uma dependência geográfica ou disciplinar destes 70%?
  • Estaria o diferencial significativo de preços determinando a escolha?
  • Ao escolher uma revista totalmente AA, os autores estariam prestando atenção ao Fator de Impacto e como isso afeta estes resultados?

Conjunto de dados da Fundação: https://doi.org/10.25346/S6/EEFYIP.

Nosso conjunto de dados de pesquisa: https://doi.org/10.25346/S6/VODY5G.

3. Não há diferenças significativas entre as APCs dos publishers com e sem fins lucrativos para os periódicos exclusivamente AA

Este gráfico dos principais publishers (definido como aqueles com pelo menos 15 artigos no conjunto de dados) mostra que os publishers sem fins lucrativos e com fins lucrativos têm entre ambos as APCs mais baixas e as mais altas.

Observe que a APC média geral de cada publisher individual pode muito bem diferir da amostra representada por estas faturas para a Fundação. Somente os próprios publishers conhecem suas médias gerais e, em um mundo transparente, eles deveriam divulgar esta informação.

TABELA

Publisher Número de artigos APC média  [US$] Com ou sem fins lucrativos
Elsevier 123 3,492 Com fins lucrativos
BMJ Publishing Group 91 2,972 Sem fins lucrativos
Springer Nature Verlag 81 2,757 Com fins lucrativos
Oxford University Press 18 2,681 Sem fins lucrativos
Wiley 41 2,588 Com fins lucrativos
Frontiers Media 64 2,447 Com fins lucrativos
BioMed Central 322 2,070 Com fins lucrativos
PLOS 318 1,928 Sem fins lucrativos
MDPI 32 1,520 Com fins lucrativos
F1000 Research 107 918 Com fins lucrativos
Edinburgh University Global Health Society 42 827 Sem fins lucrativos

Convite à pesquisa adicional

  • Categorizar todos os 90 publishers nas categorias com ou sem fins lucrativos pode provocar algumas diferenças que não notamos.
  • Mais pesquisas podem descobrir as razões para a diferença substancial entre os periódicos no extremo inferior da escala de preços e aqueles no topo. Seria o preço baseado no que o mercado suportará, metas de margem de lucro bruto, valor percebido do serviço e qualidade, subsídio de alguns dos custos? — uma combinação destes? Algo mais? Muitas das respostas a estas perguntas terão de vir dos próprios publishers.

Conjunto de dados da Fundação: <https://doi.org/10.25346/S6/EEFYIP>.

Nosso conjunto de dados de pesquisa: <https://doi.org/10.25346/S6/VODY5G>.

Em suma, nossa pesquisa está apenas arranhando a superfície da informação valiosa que pode ser obtida com a análise deste conjunto de dados. O conjunto de dados está disponível publicamente e esperamos ansiosamente as ideias que outras pessoas encontrarão e os futuros relatórios que estão por vir.

Notas

1. Principles and Implementation [online]. Plan S and cOAlition S. 2019 [viewed 18 November 2019]. Available from: https://www.coalition-s.org/principles-and-implementation/

2. DOVE, J.G. Paloma and Associates Open Access Cost Transparency Project Replication Data v.2 [online], UCLA Dataverse. 2019 [viewed 18 November 2019]. DOI: 10.25346/S6/VODY5G. Available from: https://dataverse.ucla.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25346/S6/VODY5G

3. BILL AND MELINDA GATES FOUNDATION. Gates Open Access Publishing Charges Project v.1 [online], UCLA Dataverse. 2019 [viewed 18 November 2019]. DOI: 10.25346/S6/EEFYIP. Available from: https://dataverse.ucla.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25346/S6/EEFYIP

4. Bill & Melinda Gates Foundation Open Access Policy [online]. Gates Foundation [viewed 18 November 2019]. Available from: https://www.gatesfoundation.org/How-We-Work/General-Information/Open-Access-Policy

5. Browse RoMEO Journals < http://sherpa.ac.uk/romeo/journalbrowse.php?la=en&fIDnum=%7C&mode=simple>

Referências

Bill & Melinda Gates Foundation Open Access Policy [online]. Gates Foundation [viewed 18 November 2019]. Available from: https://www.gatesfoundation.org/How-We-Work/General-Information/Open-Access-Policy

BILL AND MELINDA GATES FOUNDATION. Gates Open Access Publishing Charges Project v.1 [online], UCLA Dataverse. 2019 [viewed 18 November 2019]. DOI: 10.25346/S6/EEFYIP. Available from: https://dataverse.ucla.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25346/S6/EEFYIP

Browse RoMEO Journals < http://sherpa.ac.uk/romeo/journalbrowse.php?la=en&fIDnum=%7C&mode=simple>

DOVE, J.G. Paloma and Associates Open Access Cost Transparency Project Replication Data v.2 [online], UCLA Dataverse. 2019 [viewed 18 November 2019]. DOI: 10.25346/S6/VODY5G. Available from: https://dataverse.ucla.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25346/S6/VODY5G

Principles and Implementation [online]. Plan S and cOAlition S. 2019 [viewed 18 November 2019]. Available from: https://www.coalition-s.org/principles-and-implementation/

SHEARS, S. Wellcome and the Bill & Melinda Gates Foundation join the Open Access coalition [online]. Wellcome. 2018 [viewed 18 November 2019]. Available from: https://wellcome.ac.uk/press-release/wellcome-and-bill-melinda-gates-foundation-join-open-access-coalition

The Fair Open Access Principles [online]. Fair Open Access [viewed 18 November 2019]. Available from: https://www.fairopenaccess.org/the-fair-open-access-principles/

Links externos

ACRL-SPARC Forum: Community Alignment & Equity for Emerging Scholarly Infrastructure <https://www.eventscribe.com/2019/ALA-Midwinter/fsPopup.asp?Mode=presInfo&PresentationID=477271>

Bill & Melinda Gates Foundation <https://www.gatesfoundation.org/>

Browse RoMEO Journals < http://sherpa.ac.uk/romeo/journalbrowse.php?la=en&fIDnum=%7C&mode=simple>

Chronos <https://chronos-oa.com/>

Directory of Open Access Journals <https://doaj.org/>

Sobre os autores

O post de hoje é de John G. Dove, com Rebecca Kennison, Ginny Steel, Lea Delos Reyes e Jo Dutilloy. John Dove é o fundador da consultoria de publicação Paloma & Associates. Rebecca Kennison é Diretora Executiva da K|N Consultores. Ginny Steel é Bibliotecária da Universidade Norman e Armena Powell na UCLA. Lea Delos Reyes é Bibliotecária Especialista no International Rice Research Institute, em Laguna, Filipinas. Jo Dutilloy é estudante de Mestrado em Ciências da Informação e Biblioteconomia no Simmons College. Este post é publicado sob licença de atribuição CC BY 4.0.

Artigo original em inglês

https://scholarlykitchen.sspnet.org/2019/11/07/guest-post-transparency-what-can-one-learn-from-a-trove-of-invoices/

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

DOVE, J.G., et al. Transparência: O que se pode aprender a partir de valiosas faturas? [Publicado originalmente no blog Scholarly Kitchen em novembro/2019] [online]. SciELO em Perspectiva, 2019 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2019/11/18/o-que-se-pode-aprender-a-partir-de-valiosas-faturas/

 

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