Verificação CRediT – Devemos adotar ferramentas para diferenciar as contribuições em trabalhos acadêmicos? [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em janeiro/2020]

Por Elizabeth Gadd

Incluir seu nome em um artigo de periódico é o prêmio máximo para um acadêmico aspirante. Não apenas ele inclui o artigo em seu currículo (que pode literalmente ser dinheiro no banco), mas uma vez incluído, todas as citações subsequentes são acumuladas para cada coautor igualmente, independentemente da natureza de sua contribuição.

Tweet original de Ali Chamkha, retweetado com comentário por Damien Debecker, 3 de janeiro de 2020

No entanto, como demonstra este tweet, ter seu nome incluído em um artigo de periódico não é o mesmo que ter (a) feito a maior parte da pesquisa e/ou (b) ter realmente escrito o artigo de periódico. E há muita frustração sobre falsas reivindicações de crédito. A autoria concedida, autoria fantasma, autoria comprada e discussões sobre a ordem dos autores em uma publicação são frequentes. Para resolver estes problemas, há orientações úteis de organizações como o International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), a British Sociological Association e o Committee on Publication Ethics (COPE) sobre o que constitui autoria. Talvez o mais significativo seja que, em 2014, presenciamos o lançamento da Taxonomia da Função de Contribuidor CASRAI (CASRAI’s Contributor Role Taxonomy), CRediT.

O CRediT tem por objetivo garantir que todos aqueles atribuídos em um artigo sejam reconhecidos por sua contribuição. Como tal, vai um passo além da orientação e fornece uma maneira estruturada para os autores declararem suas várias contribuições. Ele lista 14 funções de contribuidor, algumas das quais você pode antecipar (redação, análise) e outras que você pode não conhecer (como, por exemplo, prover recursos de estudo e administrador de projeto). E, embora não impeça que alguém seja nomeado quando não deveria nomeado, nem garanta que todos sejam nomeados como deveriam ser nomeados, torna as omissões um pouco mais difíceis – e por isso foi altamente elogiado.

Entretanto, ainda tenho algumas perguntas sobre o CRediT. E embora eu esteja pensando demais sobre isso (mau hábito), eu gostaria de receber opiniões da comunidade sobre o seguinte:

  1. Existem diferenças importantes entre autores e contribuidores que precisamos reter e como o CRediT apoia estas diferenças?
  2. A comunidade precisa de um foco com base na busca de créditos ou isso acabará incorporando o status quo sobre a avaliação problemática baseada em resultados?
  3. Ao final, teremos novas formas de avaliação baseadas no CRediT que podem ter efeitos sistêmicos negativos?

Autores vs contribuidores

Então, o “C” no CRediT significa Contribuidor. É uma Taxonomia de Função de Contribuidor. Mas o que não está claro é se o CRediT procura capturar contribuições para o artigo ou contribuições para a pesquisa. Pode parecer que estou sendo exigente, mas em termos legais, há uma grande diferença entre estes dois. Porque alguém que escreve o artigo é tecnicamente um autor e possui direitos como tal, e alguém que apenas contribui para a pesquisa subjacente não é. Portanto, enquanto um autor é sempre um contribuidor, porém um contribuidor nem sempre é um autor.

Por que isso é importante? Bem, porque os autores correspondentes geralmente são responsáveis pela transferência legal ou cessão de direitos ao publisher antes da publicação. E se o autor correspondente for realmente apenas um contribuidor (e o CRediT começar a tornar isso explícito, quando não era anteriormente), tecnicamente eles não poderão transferir estes direitos para o publisher porque não possuem nenhum. Isso é particularmente importante porque os autores correspondentes geralmente são pesquisadores seniores ou pesquisadores principais, com menor probabilidade de serem os escritores dos artigos.

Mas não é apenas por razões legais que estes rótulos são importantes. Como mostra o tweet, eles também são importantes para os pesquisadores. Os pesquisadores acham que o termo “autor” significa algo diferente, mais significativo, do que “contribuidor”. As normas disciplinares desempenham um papel importante aqui, é claro. Nas ciências médicas, o ICMJE realmente especificou quais funções constituem ‘autoria’ e quais constituem ‘contribuição de não-autor’. Eles ainda especificam que contribuidores não-autores devem ser “reconhecidos nos agradecimentos” e não listados na relação de autores.

Nas Artes e Humanidades, nomear um único autor como “contribuidor” parece totalmente inapropriado, pois sugere que outros interferiram no seu trabalho. No entanto, me pergunto se os autores únicos forem obrigados a aderir estritamente ao CRediT, se veriam obrigados a listar outros como “contribuidores” (bibliotecários talvez?), quando historicamente em suas disciplinas poderiam não o fazer.

Supondo que o CRediT não esteja tentando abolir completamente o papel de autor e assumindo que eles não acreditam que os contribuidores não-autores devam ser relegados aos agradecimentos, onde presumivelmente eles não receberiam nenhum crédito formal, não tenho certeza onde isso nos deixa. Eles estão criando uma terceira categoria de participante da pesquisa, um pouco mais que “reconhecido”, mas menos que autor? E supondo que este status possa ser facilmente incorporado às bibliografias do mundo, a contribuição de alguém poderia ser avaliada apenas no nome da função (por exemplo, “Software”) ou precisaria ser avaliada ao nível de sua contribuição nesta função?

Minha pergunta final é se todas as disciplinas estão felizes pelo fato de que as 14 funções identificadas pelo CRediT sejam corretas. Agora, estou ciente de que o CRediT não foi projetado inicialmente tendo em mente temas de Artes e Humanidades, portanto, essa pode não ser uma pergunta totalmente honesta. No entanto, devo dizer que me surpreendeu recentemente, quando um cientista de materiais, o Dr. Ben Britton, falou sobre sua frustração por ter que aderir ao CRediT, pois considerava que as 14 funções disponíveis não eram pertinentes à sua disciplina. Fiquei me perguntando se era ambicioso demais acreditar que as muitas e variadas contribuições para as muitas e variadas subdisciplinas acadêmicas poderiam ser destiladas em 14 categorias. E se é irreal pensar que as mesmas 14 categorias permanecerão as mesmas para sempre.

Em busca de crédito

Minha segunda preocupação com CRediT é o seu nome. Sou a favor de um acrônimo arrojado e posso imaginar a alegria que seu criador deve ter sentido quando inventaram este. Afinal, quem não deseja crédito por sua contribuição?! Mas a pesquisa acadêmica não é apenas sobre obter crédito, acredite ou não. Também é sobre assumir responsabilidades. E, como vimos acima, envolve a propriedade dos direitos autorais sobre o seu trabalho.

Existem muitos problemas no espaço da comunicação científica causado por comportamentos em busca de crédito. Por exemplo, publicar apenas resultados de destaque, não publicar resultados nulos, publicar com pressa demasiada, com subsequentes retratações e a ciência irreprodutível. Sabemos que se mais pesquisadores tivessem um senso mais forte da propriedade dos direitos autorais conferida pela autoria e se sentissem menos motivados a renunciar aos seus direitos aos publishers em troca do crédito de reputação oferecido pela publicação, não nos encontraríamos em uma situação em que a maioria da nossa produção científica é de propriedade de entidades comerciais.

De fato, um dos problemas que o próprio CRediT está tentando resolver é a busca injustificada de crédito. Ironicamente, me pergunto se o CRediT está inconscientemente contribuindo para agravar o problema que procura resolver.

Avaliação pelo CRediT

É claro que nossa obsessão interminável com crédito baseado em publicações inevitavelmente levará alguns a fazer uso do CRediT para avaliações de pesquisa ostensivamente mais justas. Sabemos que fazer uma citação em um artigo no qual você foi o 1.000º autor não pode significar a mesma coisa que fazer uma citação em um artigo no qual você foi o único autor. A Clarivate argumentou recentemente que, com o aumento de artigos de hiperautoria, o fracionamento de citações deve se tornar a norma. Faz sentido. Como é natural, então, começar a ponderar citações com base na função real que você desempenhou em um artigo?

Já estamos vendo análises bibliométricas baseadas em funções de contribuidores. Embora seja interessante ao nível da “ciência da ciência” (por exemplo, seriam as funções baseadas em gênero?), isso me preocupa em um nível de avaliação individual do pesquisador. Vamos ver algumas funções valorizadas acima de outras? Algumas funções literalmente “contam” e outras não? E que impacto isso terá sobre os pesquisadores em início de carreira na administração de projetos e na pesquisa de literatura, para os quais o CRediT procura dar crédito anteriormente não reconhecido? Serão eles, em outro terrível golpe de ironia, totalmente excluídos de algumas formas de crédito?

Não tenho certeza de que haja alguma maneira de mitigar os piores efeitos disso. E estou particularmente preocupada porque, é claro, os dados subjacentes do CRediT necessários para executar estas análises serão coletados e pertencerão aos publishers. Observo no site do CASRAI que eles procuram “garantir que o CRediT esteja vinculado ao ORCID e incluído na captura de metadados do Crossref“. Mas nem todos os metadados ingeridos pelo Crossref estão disponíveis abertamente. E o maior publisher de periódicos do mundo, que recentemente anunciou a adoção do CRediT por 1.200 de seus periódicos, de maneira infame, não coopera com serviços de citação abertos.

Para mim, isso é uma preocupação. Não tenho certeza se o CASRAI tem o poder de garantir que os publishers de periódicos que adotam o CRediT se comprometam a disponibilizar seus dados CRediT resultantes abertamente via Crossref, porém, se assim for, incito-os a fazer isso. Pelo menos desta maneira, os publishers não terão controle exclusivo sobre os dados CRediT da comunidade acadêmica.

Em suma

Não quero “cortar o barato” do CRediT pois o problema que eles procuram resolver é real. E os esforços que eles fizeram tiveram um impacto considerável. No entanto, temo que haja alguns desafios na trajetória atual do CRediT, o que pode significar que aqueles para os quais eles esperam dar maior visibilidade, na verdade, recebam menos crédito ao invés de mais. Claro que não há respostas fáceis aqui, mas me preocupo que, sem uma conversa aberta sobre alguns desses problemas, o CRediT possa perder parte de seu muito considerável potencial. O que você acha?

Agradecimentos

Muito obrigada ao Professor Charles Oppenheim e ao Dr. Simon Kerridge pela revisão do rascunho inicial deste post. Nos termos do CRediT: “Redação – revisão e edição”. Definitivamente contribuidores, não autores, eu acho…

Referências

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Links externos

CASRAI <https://casrai.org/>

CRediT <https://casrai.org/credit/>

Elizabeth Gadd <https://about.me/elizabeth.gadd>

Sobre Elizabeth Gadd

Elizabeth Gadd é gerente de políticas de pesquisa (Publicações) da Universidade de Loughborough. Ela tem experiência em bibliotecas e pesquisa-ação com doutorado em direitos autorais e comunicação científica. Foi cofundadora do Fórum Lis-Copyseek e Lis-Bibliometrics e cocampeã do Grupo de Interesse Especial de Avaliação de Pesquisa (Research Evaluation Special Interest Group ARMA). Ela também preside o Grupo de Trabalho para Avaliação de Pesquisa da Rede Internacional de Sociedades de Gerenciamento de Pesquisa (International Network of Research Management Societies – INORMS) e recebeu o Prêmio INORMS 2020 de Excelência em Liderança de Gerenciamento de Pesquisa.

Artigo original em inglês

https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2020/01/20/credit-check-should-we-welcome-tools-to-differentiate-the-contributions-made-to-academic-papers/

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GADD, E. Verificação CRediT – Devemos adotar ferramentas para diferenciar as contribuições em trabalhos acadêmicos? [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em janeiro/2020] [online]. SciELO em Perspectiva, 2020 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2020/01/23/devemos-adotar-ferramentas-para-diferenciar-as-contribuicoes-em-trabalhos-academicos/

 

One Thought on “Verificação CRediT – Devemos adotar ferramentas para diferenciar as contribuições em trabalhos acadêmicos? [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em janeiro/2020]

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