Aos 20 Anos, a Rede SciELO atualiza prioridades e avança para a ciência aberta

Por Abel L. Packer, Rogerio Meneghini, Solange Santos, Alex Mendonça, Amanda Ramalho, Denise Peres, Ednilson Gesseff, Gustavo Fonseca e Rondineli Saad

Aos 20 anos, o Programa SciELO está renovando as linhas prioritárias de ação para os próximos cinco anos (2019-2023)1, com implantação formal em todas as coleções da rede a partir de janeiro de 2019. A atualização visa reforçar a sintonia dos periódicos de qualidade com os avanços e inovações nos processos de publicação e de disseminação dos artigos de pesquisa. Trata-se de um esforço conjunto das coordenações nacionais da Rede SciELO e principalmente dos periódicos na adoção progressiva das boas práticas de comunicação da ciência aberta, que privilegiam rapidez e transparência nos processos e a abertura dos conteúdos subjacentes aos artigos em prol do seu reuso e da reprodutibilidade dos resultados.

Escopo das linhas de ação

As linhas de ação atualizam e ampliam as que foram lançadas por ocasião dos 15 Anos do SciELO2 então centradas no avanço da profissionalização, internacionalização e sustentabilidade financeira. Há cinco anos as prioridades do SciELO estavam orientadas ao aperfeiçoamento da gestão e operação dos periódicos, prioridades que permanecem vigentes, fortalecidas e complementadas com as orientações para a transição para a ciência aberta. A atualização das linhas de ação afeta três dimensões de governança e operação do SciELO. A primeira e mais desafiadora das dimensões afeta os periódicos e se refere à atualização das políticas e procedimentos editoriais em relação aos requisitos que os manuscritos deverão atender quanto às boas práticas de edição na transição para a ciência aberta. A segunda afeta as coleções nacionais e se refere à atualização dos critérios de indexação da Rede SciELO que condicionará progressivamente o ingresso e permanência dos periódicos à obediência dos padrões atuais de comunicação científica e implantação das linhas prioritárias de ação, e, a terceira afeta toda a rede com a adoção da estrutura atualizada do fluxo de publicação do Modelo SciELO.

Atualização dos periódicos

No processo de comunicação dos resultados de pesquisas, os periódicos cumprem a função chave de validação dos manuscritos e portanto das pesquisas que comunicam. Essa função será realçada com a adoção das novas linhas de ação. Para tanto, os periódicos enfrentarão três desafios principais. O primeiro é como acelerar o processo que se inicia com a recepção dos manuscritos e finaliza com a publicação online da versão final do artigo, processo que atualmente demora uma média de 12 meses considerando o conjunto dos periódicos da Rede SciELO. O segundo é como enriquecer a avaliação e a publicação dos textos dos artigos com a disponibilidade e referenciamento dos dados, métodos e outros materiais subjacentes de modo a potencializar as condições de reprodutibilidade dos resultados e reuso dos dados, códigos de programas e outros materiais. O terceiro desafio abrange a adoção de medidas de abertura e transparência nos processos de avaliação dos manuscritos.

Atualização do Modelo SciELO de Publicação

O Modelo SciELO de Publicação será ampliado com novas opções de publicação e de tipos de artigos. A principal inovação na publicação está orientada a acelerar radicalmente a comunicação das pesquisas com a disponibilização dos manuscritos ainda não revisados por pares em servidores de preprints confiáveis, com atribuição de DOI. Os preprints são de acesso aberto por definição e cabe aos autores a responsabilidade sobre o rigor científico e ético com que a pesquisa foi realizada e é comunicada. Depois de submetido a um periódico para avaliação por editores e pareceristas ad-hoc com vistas à publicação formal, o modelo SciELO passa a aceitar a publicação do manuscrito tão logo seja aprovado e ainda em processo de edição, versão que chamamos de provisória, mas que já é identificada com o DOI definitivo. Além dessas opções, o SciELO recomenda fortemente, àqueles periódicos que ainda não o fizeram, a adoção, a partir de 2019, da publicação contínua dos artigos como versão final, ou seja, tão logo finalizada a edição dos textos. Para os periódicos que resistem à modalidade de publicação contínua, existe sempre a opção da publicação ahead of print e a recomendação de publicação dos números antes ou já no início do período de cada nova edição. Em qualquer das opções, o propósito é evitar ou minimizar o tempo de retenção da publicação de artigos já aprovados.

O modelo SciELO será também enriquecido com um novo tipo de documento: o artigo de dados, que tem por objetivo descrever um arquivo ou conjunto de arquivos de dados disponíveis em repositórios de dados. O artigo de dados descreve a procedência (provenance), curadoria, cobertura, limitações, formato e uso dos dados. Com o artigo de dados, os autores passam a contar com três conjuntos de meios para comunicar uma pesquisa: os dados e programas de computador depositados em repositórios reconhecidos (acompanhados dos respectivos metadados que identificam a autoria, as datas e a localização), os artigos de dados e os artigos textuais clássicos.

O referenciamento dos conteúdos subjacentes aos artigos

O referenciamento dos conteúdos subjacentes aos textos dos artigos representa uma inovação importante para os autores e para periódicos, de modo que sua implantação deverá ocorrer modular e progressivamente. O ponto de partida do processo é a decisão dos corpos editoriais dos periódicos de passar a adotar inicialmente a orientação e, posteriormente, a exigência de que os manuscritos venham acompanhados da citação no texto e do referenciamento na seção de referências bibliográficas de todos os dados, códigos de programas e outros materiais que subsidiam o artigo e são essenciais para o reuso e a replicação dos resultados da pesquisa. Como política editorial, esta exigência deverá ser documentada nas instruções aos autores, que deve ser atualizada pelo menos anualmente.

O ritmo de implantação das inovações se dará de acordo com a decisão de cada periódico, entretanto, a perspectiva é que o processo se complete plenamente para a maioria dos periódicos nos próximos dois a três anos. Para tanto, o SciELO adotou como sistema de promoção e controle do referenciamento as Diretrizes para Promoção da Transparência e Abertura3 nas políticas e práticas dos periódicos (Diretrizes TOP, do inglês Transperency and Openess Promotion4). Segundo essas diretrizes, o primeiro passo é documentar nas instruções aos autores as normas de citações de dados, códigos e outros materiais adotadas pelo periódico, de modo similar ao que se faz com os diferentes tipos de literatura científica, e recomendar aos autores o seu uso. O segundo passo será exigir que os manuscritos citem e referenciem corretamente todos os conteúdos externos, e o terceiro é fazer com que os conteúdos referenciados sejam informados juntamente com a submissão dos manuscritos. Outra contribuição esperada de parte dos periódicos ou de alguns periódicos representando disciplinas ou áreas temáticas será a aceitação e avaliação de manuscritos de artigos de dados.

Transparência da avaliação por pares dos manuscritos

Quanto à promoção da transparência no processo de avaliação de manuscritos, a forma mais avançada se dá com a avaliação por pares aberta (open peer review) cuja adoção representa um enorme desafio para  os periódicos em geral e para os da Rede SciELO em particular, devido à resistência dos autores, pareceristas e editores somado ao fato que o peer review fechado é praticado historicamente por todos os periódicos. Entretanto, internacionalmente está em curso um avanço progressivo na adoção de ações que promovem mais transparência e abertura nos processos de peer review. O SciELO recomenda que os periódicos avancem com a abertura da avaliação por pares com políticas e medidas práticas que envolvam os autores, editores e pareceristas.

Em primeiro lugar, os periódicos devem documentar exaustivamente as políticas e procedimentos que seguem na avaliação inicial de verificação de integridade e aderência dos manuscritos aos requisitos do periódico e na avaliação por pares, de modo a promover a uniformidade de entendimento e prática. Um dos aspectos chave desta documentação é a adoção de procedimentos de verificação da integridade dos manuscritos como a detecção de similaridade com textos já publicados para evitar plágio, assim como da aplicação de boas práticas de ética na comunicação das pesquisas adotando as diretrizes do SciELO5. Em segundo lugar, devem experimentar progressivamente opções de abertura, como por exemplo, publicar nos artigos aprovados o nome do editor ou editores responsáveis pela avaliação, oferecer aos editores a opção de dar a conhecer a sua identidade aos autores, oferecer aos autores e pareceristas a possibilidade de publicar o parecer de aprovação do artigo e oferecer a opção de peer review aberto, ou seja, com a identidade dos pareceristas e dos autores revelada. Essa sequência crescente de abertura contribuirá para um aprendizado sobre formas de abertura aceitáveis. Os periódicos podem também abrir os artigos já publicados a comentários de usuários por meio de plataformas especializadas.

Boas práticas editoriais

Além da adoção de preprints, do referenciamento dos conteúdos subjacentes aos artigos e de avanços na abertura dos processos de avaliação por pares, os critérios de indexação das coleções nacionais passam a exigir dos periódicos a adoção de várias outras políticas, atributos e processos que aportam rigor e transparência ao fluxo de publicação que devem ser implantados no futuro próximo, entre eles:

  1. Os periódicos devem ter a sua institucionalidade explicitada, incluindo a identificação da instituição responsável, histórico da evolução do periódico, a composição e forma de escolha do corpo editorial;
  2. As instruções aos autores devem ser atualizadas ao menos anualmente;
  3. A identificação formal da atribuição de acesso Creative Commons dos artigos, prioritariamente CC-BY;
  4. Os periódicos devem estar indexados no Directory of Open Access Journals (DOAJ), que reforça o seguimento de boas práticas editoriais;
  5. Todos os artigos devem estar estruturados em XML segundo a norma internacional Journal Article Tag Suite (JATS) de acordo com o SciELO Publishing Schema (SPS);
  6. Todos os artigos devem ter o respectivo registro DOI;
  7. A autoria dos artigos deve ter identificação precisa que, além da afiliação institucional completa, compreende também a exigência do número ORCID dos autores;
  8. No final dos artigos deve conter nota com a descrição da contribuição de cada autor;
  9. Todos os periódicos devem ter os artigos preservados segundo padrão internacional que assegure o acesso e leitura futura; e
  10. Os periódicos devem operar planos e procedimentos de promoção do compartilhamento dos artigos nas redes sociais.

A promoção e aplicação das linhas prioritárias de ação na Rede SciELO devem estar refletidas nos critérios de indexação das coleções nacionais.

Avaliação de desempenho das coleções e dos periódicos

O seguimento da aplicação das linhas prioritárias de ação é uma das atividades chave que os periódicos e, principalmente, as coordenações das redes nacionais devem realizar periodicamente como parte das avaliações de desempenho dos periódicos e das coleções. Nesse sentido, o SciELO recomenda como mínimo os seguintes tipos de avaliação, sempre contextualizados por áreas temáticas:

  1. Obediência aos critérios de indexação atualizados;
  2. O número de acessos recebidos por artigo nos anos seguintes à publicação;
  3. A presença na web e nas rede sociais, medida pelas altmetrias;
  4. A variação anual do índice H5 do Google Scholar; e

Os indicadores do número de citações recebidas nos índices bibliométricos Dimensions, Scopus e Web of Science. Boa parte dos indicadores estará disponível no portal SciELO Analytics, que também deverá disponibilizar progressivamente interfaces para acesso aos dados-fonte, de modo a promover o uso desses dados por comunidades de desenvolvimento e aprimoramento de metodologias e métricas de avaliação.

Notas

1. SciELO – Linhas prioritárias de ação 2019-2023 [online]. SciELO 20 Anos. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: https://www.scielo20.org/redescielo/wp-content/uploads/sites/2/2018/09/L%C3%ADneas-prioritaris-de-acci%C3%B3n-2019-2023_pt.pdf

2. MUÑOZ, P.& et al. Linhas de ação para os anos 2014 a 2016 para aumentar a visibilidade dos periódicos e coleções da Rede SciELO [online]. SciELO 15 Anos. 2013 [viewed 17 September 2018]. Available from: http://www.scielo15.org/wp-content/uploads/2013/10/SciELO-Lineas-de-accion-2014-2016_20131018_PT.pdf

3. Guia para promoção da abertura, transparência e reprodutibilidade das pesquisas publicadas pelos periódicos SciELO [online]. SciELO 20 Anos. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: https://www.scielo20.org/redescielo/wp-content/uploads/sites/2/2018/09/Guia-TOP-SciELO_pt.pdf

4. Guidelines for Transparency and Openness Promotion (TOP) in Journal Policies and Practices “The TOP Guidelines” [online]. OSF. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: https://osf.io/9f6gx/wiki/Guidelines/?_ga=2.17123135.70451827.1537189802-1695568370.1537189802

5. Guia de boas práticas para o fortalecimento da ética na publicação científica [online]. SciELO. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: http://www.scielo.org/local/File/Guia%20de%20Boas%20Praticas%20para%20o%20Fortalecimento
%20da%20Etica%20na%20Publicacao%20Cientifica.pdf

Referências

Guia de boas práticas para o fortalecimento da ética na publicação científica [online]. SciELO. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: http://www.scielo.org/local/File/Guia%20de%20Boas%20Praticas%20para%20o%20Fortalecimento%20da
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Guia para promoção da abertura, transparência e reprodutibilidade das pesquisas publicadas pelos periódicos SciELO [online]. SciELO 20 Anos. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: https://www.scielo20.org/redescielo/wp-content/uploads/sites/2/2018/09/Guia-TOP-SciELO_pt.pdf

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MUÑOZ, P.& et al. Linhas de ação para os anos 2014 a 2016 para aumentar a visibilidade dos periódicos e coleções da Rede SciELO [online]. SciELO 15 Anos. 2013 [viewed 17 September 2018]. Available from: http://www.scielo15.org/wp-content/uploads/2013/10/SciELO-Lineas-de-accion-2014-2016_20131018_PT.pdf

SciELO – Linhas prioritárias de ação 2019-2023 [online]. SciELO 20 Anos. 2018 [viewed 17 September 2018]. Available from: https://www.scielo20.org/redescielo/wp-content/uploads/sites/2/2018/09/L%C3%ADneas-prioritaris-de-acci%C3%B3n-2019-2023_pt.pdf

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PACKER, A.L., et al. Aos 20 Anos, a Rede SciELO atualiza prioridades e avança para a ciência aberta [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2018/09/17/aos-20-anos-a-rede-scielo-atualiza-prioridades-e-avanca-para-a-ciencia-aberta/

 

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