Sobre assinaturas e Taxas de Processamento de Artigos

Por Jan Velterop

Tenho visto mais e mais críticas sobre as taxas de processamento de artigos (Article Processing Charges – APCs). Embora muitas delas se refiram ao valor das taxas, também há críticas ao próprio conceito de APC. Claro, as taxas são muitas vezes altas. Muito altas, particularmente no caso dos chamados periódicos “híbridos”. Veja mais sobre isso abaixo.

A ideia de APCs, no entanto, deve ser vista no contexto de assinaturas. Não apenas as assinaturas precisam de paywalls e, assim, evitam o acesso aberto, mas também existem outros problemas. Elas também impedem a publicação científica de aproveitar ao máximo as possibilidades que a Internet oferece. Isso não é inesperado, pois a ideia de assinaturas foi desenvolvida para periódicos impressos. O modelo de assinatura em um ambiente de Internet é arcaico, tendencioso e profundamente problemático. Por causa de legado do modelo impresso, as assinaturas presumem uma quantidade certa, mais ou menos fixa, de material a ser publicado em um dado periódico em um determinado ano. Isso faz sentido em um mundo impresso, onde muita flutuação no número de artigos – ou mesmo páginas – pode abalar seriamente as finanças de um periódico. Isso levou a práticas como a publicação adiantada de fascículos de periódicos: dar-lhes uma data de publicação do ano seguinte, ou publicação tardia: dando-lhes uma data de publicação do ano anterior. Ou apenas impedir a publicação nos últimos meses do ano se houvesse muito material e aguardar até janeiro para liberá-los. Essas coisas também foram “jogadas” para tentar influenciar citações e consequentemente fatores de impacto. Tais subterfúgios não têm mais lugar na era da publicação eletrônica – se é que tiveram na era impressa – e é apenas o modelo de assinatura – e não o modelo APC – que os mantêm vivos.

Há também outra consequência da necessidade de um número fixo de páginas publicadas em um determinado período: a rejeição de artigos perfeitamente bons. E, a propósito, a aceitação de artigos “menores”. Tudo dependendo do fluxo de submissão de manuscritos. Se houver muitas submissões que justifiquem a publicação, de acordo com a recomendação dos pareceristas, os padrões são simplesmente aumentados – muitas vezes arbitrariamente – e são publicados menos artigos. Isto é apresentado – e comercializado – como “seletividade”. O contrário, quando há menos submissões, é um pouco mais complicado para um editor, considerando que “menos seletividade” não é uma boa estratégia de marketing, portanto não se fala a respeito. Especialmente no caso de periódicos de “elite”, onde isso significa que artigos perfeitamente bons às vezes são rejeitados, simplesmente porque não há espaço. Periódicos que não pertencem ao escalão de “elite” costumam trabalhar de forma um pouco diferente e mantêm um fluxo de artigos aceitos, o que causa outro problema: atrasos na publicação.

Um sistema de taxas de processamento de artigos não só evita paywalls e oferece acesso aberto, mas também evita estes problemas do modelo de assinatura, embora não necessariamente em periódicos “híbridos”. Isso posto, as APCs têm seus próprios problemas. Para começar, as taxas geralmente não pagam pelo “processamento” (providenciar a avaliação por pares, algum trabalho técnico/de apresentação e depósito em uma plataforma eletrônica) dos artigos que estão sendo publicados, mas também para (em parte) o processamento de manuscritos que são rejeitados: no sentido de prover a avaliação pelos pares. As APCs podem, portanto, ser muito altas para periódicos com altas taxas de rejeição. O que se conclui é que a APC não é um pagamento para o processamento e publicação de um artigo, mas para a aquisição de um rótulo. Um “selo de qualidade”, se você quiser. Um reconhecimento que diz “este artigo foi publicado em um periódico de boa reputação e, mais importante para a minha carreira, um alto fator de impacto”. Estes “selos” são mesmo necessários? Claro, não estou tentando impedir os autores que consideram precisar de “selos” de pagar por eles. Mas isso é problema deles, assim como o custo, e apenas deles (pelo menos deveria ser). Enquanto os resultados de suas pesquisas forem livre e abertamente compartilhados de uma maneira ou de outra, apesar de aspirar por estes “selos”, devemos concordar com isso.

Mesmo em um sistema em que os “selos” são considerados necessários (eu não penso que sejam, mas sou só eu, embora não seja o único), existem maneiras de combater estes problemas, embora a inércia geral do mundo científico não seja encorajadora em termos de mudar em direção a qualquer solução. Uma solução poderia ser cobrar “taxas de processamento de artigos” literalmente e requerer o pagamento do “processamento” de todos os manuscritos submetidos, e não apenas para aqueles aceitos para publicação. Claro, as cobranças nunca são populares e a perspectiva de pagar e, em seguida, ser rejeitado para publicação é demais para a maioria dos pesquisadores. Por outro lado, poderia levar a uma preparação mais cuidadosa dos manuscritos que são enviados, especialmente se os critérios de aceitação forem objetivos. Por exemplo, o requisito de que experimentos, análises, e estatísticas tenham sido bem executados e descritos com detalhes para tornar possível a replicação, que os dados da pesquisa sejam disponibilizados, que todos os padrões éticos tenham sido adotados e que a apresentação seja clara. A avaliação quanto à “importância” de um artigo não é necessária no momento da publicação, mesmo que este julgamento possa ser feito (o que é improvável). Esta avaliação surgirá ao longo do tempo a partir daqueles que leem e possivelmente tentam replicar a pesquisa. Ou a citam. Em tal ambiente de publicação, manuscritos bem preparados são muito menos prováveis de serem rejeitados, e o pagamento da APC é, portanto, menos propenso a ser objeto de oposição. Além disso, em tal sistema, as APCs refletirão melhor o custo do processamento atual, uma vez que todos os manuscritos contribuiriam, e os artigos publicados não estariam suportando o custo de todos os manuscritos rejeitados também. Porém… em um sistema como este, o conceito de “selos” é menos relevante, claro. Embora o conceito de qualidade não seja; só não é associado ao artigo imediatamente após sua publicação do modo que é em um periódico “selo”. Os artigos terão de provar sua qualidade e importância para toda a comunidade em uma determinada disciplina, e não apenas para alguns pareceristas.

Mesmo com APCs mais baixas – ou o que são efetivamente taxas de submissão – ainda existem alguns obstáculos para aqueles pesquisadores que não podem confiar em financiadores ou subsídios para cobrir o custo. Eu ouvi alguém propor (embora eu não saiba mais quem era, e duvido que fosse uma sugestão séria) que APCs e acesso aberto fossem usados por pesquisadores que podem pagar (cujos financiadores pagam) e periódicos por assinatura por pesquisadores sem financiamento para pagar APCs. Uma solução interessante e, possivelmente, menos problemática, como pode parecer, se os autores sem fundos publicassem preprints de qualquer manuscrito que enviassem a um periódico por assinatura, mas uma solução eticamente incorreta, uma vez que faz com que a publicação formal em acesso aberto seja um privilégio para quem pode pagar em vez de um direito para todos os cientistas. É melhor abolir a publicação “formal”, pelo menos como requisito. “Manter os memorandos da ciência” e arquivamento dos registros, também podem ser feito com preprints. O que, simplesmente, será conhecido como “publicação”, é claro, pois “postprints” não existiriam. Pensem nisso, qualquer conversa de “impressões” é arcaica na era da Internet. Qualquer impressão seria limitada aos leitores que sentirem o desejo de desperdiçar algum papel. Ou possivelmente a necessidade, que neste caso não seria um desperdício.

O que me leva à conclusão (que já cheguei anteriormente1) de que os preprints (desculpe, é como são comumente chamados) – com licenças CC-BY ou CC-zero – podem desempenhar um papel vital na mudança do sistema de comunicação científica. Os benefícios são claros: a publicação real não é rejeitada, embora a aparência em um periódico específico possa ser (e um preprint não exclui as revisões abertas potencialmente críticas); e o acesso aberto global ao seu trabalho é garantido. Certamente, os limiares de mudar o sistema publicando preprints são baixos, mesmo para as partes mais conservadoras do mundo da pesquisa científica. Ou estou sonhando? Dito isto, é promissor considerar que nem sempre o caso era a respeito de limiares baixos, especialmente não em ciências biológicas2.

Mas não se trata principalmente de superar a resistência aos preprints por publishers ou editores de periódicos. Também deve haver os incentivos certos para que os autores publiquem preprints de qualquer um dos seus documentos, de forma rotineira. E estes incentivos podem ser credivelmente fornecidos apenas por aqueles que têm que julgar o calibre de um pesquisador e, no entanto, têm, principalmente, artigos publicados à disposição para fazer isso: agências de fomento (para decisões sobre financiamento) e instituições de pesquisa (para decisões de contratação ou promoção). Eles são os únicos que poderiam decidir dar aos preprints um status igual ao dos artigos publicados em periódicos. É bom ver que o Wellcome Trust e os Institutos Nacionais de Pesquisa dos Estados Unidos (National Institutes of Health, NIH), no início de 2017, assumiram um papel de liderança a este respeito3,4, como também fizeram com o acesso aberto nos primeiros anos deste milênio. SciELO deve lançar “SciELO Preprints” no próximo ano5.

Notas

1. VELTEROP, J. O melhor de dois mundos [online]. SciELO em Perspectiva, 2016 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/06/13/o-melhor-de-dois-mundos/

2. NASSI-CALÒ, L. A (pré) história dos preprints em ciências biológicas [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/12/20/a-pre-historia-dos-preprints-em-ciencias-biologicas/

3. We now accept preprints in grant applications [online]. Wellcome Trust. 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/news/we-now-accept-preprints-grant-applications

4. NASSI-CALÒ, L. Propostas de financiamento a pesquisa enviadas ao NIH podem citar preprints [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/05/17/propostas-de-financiamento-a-pesquisa-enviadas-ao-nih-podem-citar-preprints

5. PACKER, A.L., SANTOS, S. and MENEGHINI, R. SciELO Preprints a caminho [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/02/22/scielo-preprints-a-caminho/

Referências

NASSI-CALÒ, L. A (pré) história dos preprints em ciências biológicas [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/12/20/a-pre-historia-dos-preprints-em-ciencias-biologicas/

NASSI-CALÒ, L. Propostas de financiamento a pesquisa enviadas ao NIH podem citar preprints [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/05/17/propostas-de-financiamento-a-pesquisa-enviadas-ao-nih-podem-citar-preprints

PACKER, A.L., SANTOS, S. and MENEGHINI, R. SciELO Preprints a caminho [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/02/22/scielo-preprints-a-caminho/

VELTEROP, J. O melhor de dois mundos [online]. SciELO em Perspectiva, 2016 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/06/13/o-melhor-de-dois-mundos/

We now accept preprints in grant applications [online]. Wellcome Trust. 2017 [viewed 3 January 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/news/we-now-accept-preprints-grant-applications

 

Sobre Jan Velterop

Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.

 

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

VELTEROP, J. Sobre assinaturas e Taxas de Processamento de Artigos [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2018/01/03/sobre-assinaturas-e-taxas-de-processamento-de-artigos/

 

2 Thoughts on “Sobre assinaturas e Taxas de Processamento de Artigos

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