A ética na experimentação e na comunicação científica é essencial para a comunidade científica e a sociedade. Códigos de conduta ética têm por objetivo resguardar pacientes, animais de experimentação, e todos aqueles envolvidos na pesquisa científica, bem como assegurar a propriedade intelectual dos autores e suas instituições, garantindo o uso racional dos recursos empregados na pesquisa, sejam estes públicos ou privados.
Sociedades científicas, associações de editores e outras entidades ao redor do mundo vêm continuamente redigindo e atualizando códigos de conduta ética, os quais são referenciados pelos periódicos científicos nas instruções dirigidas aos autores e devem ser seguidas pelos manuscritos submetidos à publicação.
Este blog vem publicando temas relativos à ética em publicação científica como “plagiarismo” em seus vários aspectos, bem como instrumentos que podem auxiliar na sua detecção, destinados a autores, editores, peer-reviewers e a comunidade acadêmica em geral.
O tema da reprodutibilidade de resultados de pesquisa vem ganhando espaço crescente na literatura científica na última década. Por ser menos facilmente detectável do que o “plagiarismo”, por exemplo, tende a ser subavaliado e subestimado, pois requer que um experimento seja refeito por outros pesquisadores nas condições descritas na publicação, e resulte dados diferentes daqueles apresentados. Entretanto, o percentual de artigos retratados devido à fraude aumentou dez vezes desde 1975.
O termo má conduta científica (scientific misconduct¹), de acordo com a National Science Foundation² inclui as seguintes ações:
- Fabricação – é a invenção e publicação de resultados como se fossem verdadeiros, muitas vezes amparados por referências para dar a impressão de consenso, mas que são falsas ou não reforçam o argumento;
- Falsificação – é a manipulação de materiais de pesquisa, equipamentos, processos, alteração ou omissão de resultados que não estão de acordo com a tese do autor;
- Plagiarismo – é a apropriação de ideias, processos, resultados ou texto de outros sem o devido crédito. As variáveis desta categoria incluem o autoplágio, e o ghostwriting;
- A violação de princípios éticos referentes à pacientes e animais de experimentação;
- A inclusão de autores que não contribuíram efetivamente para a elaboração do trabalho e/ou sua redação.
Em virtude da má conduta científica, como os casos descritos acima, trabalhos publicados podem ser retratados por seus autores. Também pode ocorrer que um artigo seja retratado quando seus autores constatam um erro experimental ou de interpretação dos resultados após a publicação, mas que não se trata de fraude.
Uma revisão detalhada de 2047 artigos retratados indexados em PubMed conduzida em maio de 2012 por Fang, Streen e Casadevall constatou que apenas 21,3% eram devido à erros. Por outro lado, 67,4% foram atribuídos à má conduta científica, incluindo fraude ou suspeita de fraude (43,4%), publicação duplicada (14,2%) e “plagiarismo” (9,8%).
De acordo com John P.A. Ioannidis,da Universidade de Stanford, EUA, inúmeros fatores podem contribuir para esta crescente onda de descrédito nos resultados de pesquisa. É papel natural dos cientistas descobrir algo inovador, porém, muitas hipóteses já nascem com uma grande possibilidade de serem incorretas. A pressão sofrida e a competitividade entre os pares para publicar e, consequentemente, progredir em suas carreiras une-se à tendência natural do ser humano de ver o que ele deseja ver, explicando assim o viés, muitas vezes inconsciente, na interpretação dos resultados. Segundo o autor, que propõe um modelo matemático para provar que a maioria dos resultados de pesquisa é, na verdade, falso, quanto menor a amostra e menos rigorosos forem os padrões que atestam o que é estatisticamente significativo, maior é a probabilidade de erro.
Além da questão da comunidade científica e dos meios acadêmicos, a reprodutibilidade em resultados de pesquisa vem também ganhando a atenção da sociedade. Em recente nota no jornal norte-americano The New York Times, o jornalista G. Johnson cita The Journal of Irreproducible Results³, uma paródia de periódico científico que publica desde 1955 artigos absurdos e jocosos sobre temas de pesquisa. A sátira está fundamentada no princípio que os resultados “verdadeiros” de pesquisa são, de fato, reprodutíveis, fato que vem sendo questionado em muitas áreas do conhecimento.
É possível, pondera Johnson, que os pesquisadores realmente acreditavam que seus resultados sejam verdadeiros, porém é aí que reside o problema, pois “quanto mais apaixonados os cientistas são por seu trabalho, mais susceptíveis de viés” (2014).
Tendo em vista o aumento exponencial de publicações científicas (o número dobra a cada 10 a 15 anos desde o século XVII), tem-se uma noção do tamanho do problema. Se um resultado é obtido apenas em circunstâncias muito específicas o que impossibilita sua reprodução no mesmo ou em outro laboratório, “o que realmente representa um avanço no conhecimento humano?” (Johnson 2014).
Notas
¹ Wikipedia. Scientific Misconduct . Available from: <http://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_misconduct#Forms_of_scientific_misconduct>.
² National Science Foundation. Available from: <www.nsf.org/>.
³ The Journal of Irreproducible Results – http://www.jir.com/
Referências
Ética editorial – como detectar o plágio por meios automatizados. SciELO em Perspectiva. [viewed 18 February 2014]. Available from: <https://blog.scielo.org/blog/2014/02/12/etica-editorial-como-detectar-o-plagio-por-meios-automatizados/>.
FANG, F.C., STREEN, R. G., and CASADEVALL, A. Misconduct accounts for the majority of retracted scientific publications. PNAS. 2012. Available from: <http://www.pnas.org/content/early/2012/09/27/1212247109>.
IOANNIDIS, J. P. Why most published research findings are false. PLoS Med. 2005. Available from: <http://www.plosmedicine.org/article/info:doi/10.1371/journal.pmed.0020124>.
JOHNSON, G. New Truth That Only One Can See. The New York Times. January 20, 2014. Available from: <http://mobile.nytimes.com/2014/01/21/science/new-truths-that-only-one-can-see.html?referrer=>.
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
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