Teses e dissertações: prós e contras dos formatos tradicional e alternativo

Por Lilian Nassi-Calò

A comunicação científica sofre alterações e evolui assim como a própria ciência. O artigo científico, seu formato e meios de publicação, disseminação e compartilhamento passou por significativas alterações desde o surgimento dos primeiros periódicos científicos no século XVII. A Internet, nos anos 1990, mudou drasticamente o paradigma da comunicação da ciência, evento comparável apenas à invenção da imprensa por Gutenberg em 1440, que possibilitou a disseminação dos artigos e periódicos para outras instancias, além da academia.

Dissertações e teses são monografias que constituem elementos da comunicação científica, embora seu papel principal seja demonstrar que o candidato a um título acadêmico é capaz de conduzir e comunicar pesquisa independente e original.

O editorial da edição da Nature de 7 de julho de 20161 traz um dado peculiar: “de acordo com estatísticas frequentemente citadas que deveriam ser verdadeiras, mas provavelmente não são, o número médio de pessoas que leem uma tese de doutorado do início ao fim é 1,6, e isso inclui o autor”. O texto prossegue questionando qual seria o número de teses que o pesquisador típico – e leitor da Nature – teria lido por inteiro. Segundo o editorial, possivelmente não chegaria à marca de 1,6. O volume de teses, entretanto, vai continuar a aumentar, uma vez que milhares de candidatos a títulos de mestre e doutor em todo o mundo enfrentarão este rito de passagem que é a porta de entrada para o mundo acadêmico ou o mercado profissional. O Banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão do Ministério da Educação, registra 901.096 documentos desde 1987 até agosto de 2016.

Tendo em vista este cenário, todos têm a ganhar se as teses e dissertações forem concisas e objetivas. Informação da maior base de dados de teses de doutorado, ProQuest, situada em Ann Arbor, Michigan, EUA, indica que o número médio de páginas de uma tese aumentou de cerca de 100 nos anos 1950 para ao redor de 200 atualmente, fato mencionado no artigo de Julie Gold na Nature2. Evidentemente, o número de páginas não é proporcional à qualidade ou originalidade do trabalho, mas, a despeito disso, é difícil conscientizar os estudantes a reduzir o volume das teses, o que as tornaria mais fáceis de escrever, ler e avaliar.

Se a tese propriamente dita tem estrutura semelhante em muitos países, há uma grande diversidade na forma como ela é avaliada e o candidato arguido. A defesa de tese, viva voce (em latim) ou defence (em inglês) tem diferentes formatos nos países. Na Holanda, a defesa conta com vários examinadores e uma breve apresentação do trabalho pelo candidato, sendo aberta ao público. Na Austrália, o volume impresso da tese é encaminhado aos examinadores, que fazem comentários por escrito e a retornam ao candidato. Ele ou ela fará uma apresentação mais tarde, mas esta não influirá no resultado final. No Brasil, há instituições que conduzem defesas de tese abertas ao público, outras que o fazem em uma sessão que inclui apenas o candidato, o orientador e a banca examinadora.

Com o intuito de agilizar a redação e avaliação da tese, instituições e programas de pós-graduação de vários países, inclusive do Brasil, estão optando por permitir que os candidatos que têm artigos publicados decorrentes da pesquisa do mestrado ou doutorado, substituam a redação dos capítulos da tese por estes artigos, encabeçados por uma introdução, conclusão e revisão da literatura científica. Os critérios para julgar quais artigos podem substituir a redação da tese ficam a cargo da coordenação dos programas de pós-graduação. A CAPES, órgão que atribui conceitos aos cursos de pós-graduação em todo o país, reconhece esta modalidade de tese, assim como a FAPESP e Fundações de Amparo à Pesquisa de outros estados, na concessão de bolsas e auxílios. O fato de o candidato ter trabalhos publicados em periódicos bem avaliados, entretanto, não o isenta da defesa da dissertação ou tese, que deve ocorrer de acordo com os critérios estabelecidos pela instituição de ensino superior.

A Tabela 1, não exaustiva, inclui programas de pós-graduação no Brasil que especificamente incluem a opção de tese em formato alternativo nas normas dos programas de pós-graduação. É interessante notar que grandes universidades deixam a critério de cada programa a adoção deste formato de tese, uma vez que há diferenças significativas entre as áreas do conhecimento no que diz respeito à publicação em periódicos científicos. A Universidade de São Paulo, por exemplo, faculta aos programas de pós-graduação a definição do formato no qual será apresentada a dissertação/tese, por meio do artigo 90 da Resolução 6875, de 6 de agosto de 2014 do Regimento Pós-Graduação3. Sabe-se que as áreas de ciências naturais geram maior número de publicações do que as ciências sociais e humanidades, onde a publicação de livros e capítulos de livros muitas vezes supera a de artigos em periódicos. As áreas de Engenharia e Ciências da Computação têm como importante canal de divulgação de resultados de pesquisa os proceedings de congressos e manuais técnicos.

Esta modalidade é vista com bons olhos por pesquisadores e estudantes, uma vez que estimula a publicação de artigos e é menos trabalhoso que redigir 200 páginas de uma tese. Não que publicar artigos em periódicos seja tarefa fácil, longe disso. A comunidade acadêmica, principalmente de países em desenvolvimento, faz um esforço significativo para escrever e publicar artigos – especialmente em inglês – em periódicos de qualidade. Mas se os trabalhos são publicados ao longo do mestrado ou doutorado, evita-se empregar um tempo valioso na redação da tese no estilo tradicional.

A importância de tema foi evidenciada pela realização de um workshop organizado pelo Australian Council of Learned Academies (ACOLA) em Melbourne, em janeiro de 2016. O encontro teve por objetivo a reforma do formato da tese como parte do processo de revisão do treinamento em pesquisa, que é o principal propósito dos programas de mestrado e doutorado. Shirley Tilghman, biologista molecular e ex-presidente da Universidade Princeton, em New Jersey, EUA, entretanto, não é favorável à adoção do formato alternativo de teses, pois “elas demonstram a habilidade do candidato em definir o contexto de uma questão, descrever em detalhes o propósito e a execução e chegar a uma conclusão com base nos resultados obtidos”.

No Karolinska Institute em Estocolmo, Suécia, a maior parte das teses é uma compilação dos artigos publicados pelos alunos seguidos de uma discussão, em um volume de não mais de 50 páginas no total. Na visão dos dirigentes desta instituição, a publicação deve ser uma parte relevante do treinamento acadêmico de mestrado e doutorado, uma vez que capacita os candidatos para ingressar na carreira de pesquisador. Outros, entretanto, como Jeremy Farrar, diretor de pesquisa em biomedicina do Welcome Trust em Londres, Reino Unido, temem que a ênfase dada à publicação de artigos durante a pós-graduação limite o foco do doutorado a uma mera fábrica de artigos. Ademais, os tempos para redação, submissão e avaliação por pares dos artigos podem não coincidir com os prazos para apresentação e defesa da tese. Neste sentido, é extremamente oportuno o comentário de Joy Burrough-Boenisch de Renkum, Holanda4. Ele aconselha informar editores e pareceristas, e até mesmo revisores de idioma, de que aquele artigo será avaliado como parte da obtenção de um título acadêmico, o que pode influir nos prazos e na forma como a avaliação por pares é conduzida.

De qualquer forma, defensores ou não do formato alternativo concordam que artigos são mais lidos e citados, e teses que permanecem apenas nas prateleiras das bibliotecas e não são lidas ou consultadas não tem razão de ser. Entretanto, muitos pesquisadores afirmam que suas teses de mais de 20 anos atrás ainda são lidas e consultadas por estudantes e pesquisadores recém-ingressados em seus laboratórios. O editorial do número da Nature1 que discute o tema do formato das teses parece captar o sentimento dos candidatos ao dizer que “os estudantes em processo de escrever uma tese estão em maus lençóis: perdidos em informação, oprimidos pela literatura, bloqueados para escrever a próxima frase, seduzidos pela procrastinação e se perguntando por qual motivo decidiram se submeter a esta tortura”.

Qualquer que seja o formato da tese, a avaliação por uma banca de examinadores é primordial para a outorga do título. Em Israel, por exemplo, a defesa é opcional, e poucos estudantes optam por realizá-la. Como comentamos acima, na Holanda é um processo formal e aberto, enquanto que no Reino Unido, trata-se de um evento reservado apenas ao candidato e examinadores. Na Austrália, principalmente por razões de logística e custos, não existe uma defesa propriamente dita, a tese apenas é entregue aos examinadores, que a retornam com comentários. Ademais, os adeptos deste processo afirmam que a defesa oral raramente muda o resultado do doutorado. De fato, as instituições preferem não reduzir o número de doutores e mestres, que pesam positivamente nos rankings universitários. Além disso, é realmente pouco provável que um candidato que tenha percorrido todo o processo – assumindo que haja mecanismos eficazes ao longo da trajetória – acabe reprovado na última etapa – a defesa de tese. De qualquer forma, aqui cabe a ressalva de que um único modelo não servirá para atender diferentes países, instituições, e áreas do conhecimento.

Quanto à avaliação do candidato a um título acadêmico cabe citar Tilghman, que afirma ser apenas possível avaliar realmente um estudante na reunião dos 25 anos de sua turma de universidade. “Ao final, a única forma de avaliar os egressos de um programa de pós-graduação é saber se se tornaram cientistas de sucesso. Se forem bem sucedidos, foi feito um bom trabalho, caso contrário, não”.

Tabela 1

Tabela 1. Programas de pós-graduação que facultam aos candidatos a títulos de mestre e doutor a compilação de artigos publicados em substituição à tese tradicional

Notas

1. The past, present and future of the PhD thesis. Nature. 2016, vol. 535, nº 7610, pp. 7-7. DOI: 10.1038/535007a

2. GOLD, J. What’s the point of the PhD thesis? Nature. 2016, vol. 535, nº 7610, pp. 26-28. DOI: 10.1038/535026a

3. Resolução CoPGr 6875, de 06 de Agosto de 2014. Universidade de São Paulo. 2014. Available from: http://www.leginf.usp.br/?resolucao=resolucao-copgr-6875-de-06-de-agosto-de-2014

4. BURROUGH-BOENISCH, J. PhD thesis: Being more open about PhD papers. Nature. 2016, vol. 536, nº 7616, pp. 274-274. DOI: 10.1038/536274b

Referências

BURROUGH-BOENISCH, J. PhD thesis: Being more open about PhD papers. Nature. 2016, vol. 536, nº 7616, pp. 274-274. DOI: 10.1038/536274b

GOLD, J. What’s the point of the PhD thesis? Nature. 2016, vol. 535, nº 7610, pp. 26-28. DOI: 10.1038/535026a

Resolução CoPGr 6875, de 06 de Agosto de 2014. Universidade de São Paulo. 2014. Available from: http://www.leginf.usp.br/?resolucao=resolucao-copgr-6875-de-06-de-agosto-de-2014

The past, present and future of the PhD thesis. Nature. 2016, vol. 535, nº 7610, pp. 7-7. DOI: 10.1038/535007a

Links externos

ACOLA – <http://www.acola.org.au/>

Banco de Testes – <http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses>

CAPES – <http://www.capes.gov.br/>

FAPESP – <http://www.fapesp.br/>

ProQuest database – <http://www.proquest.com/libraries/academic/databases/>

 

lilianSobre Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NASSI-CALÒ, L. Teses e dissertações: prós e contras dos formatos tradicional e alternativo [online]. SciELO em Perspectiva, 2016 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/08/24/teses-e-dissertacoes-pros-e-contras-dos-formatos-tradicional-e-alternativo/

 

7 Thoughts on “Teses e dissertações: prós e contras dos formatos tradicional e alternativo

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  4. Milena Polsinelli Rubi on September 16, 2016 at 08:30 said:

    Trabalhando em universidade e convivendo no meio acadêmico, observo que o objetivo em adotar o formato alternativo não seja puramente o “intuito de agilizar a redação e avaliação da tese” e sim agilizar a redação e publicação da tese (em formato de artigo), visando garantir pontuação em publicação (exigência em várias instâncias/órgãos).
    O texto deixa claro que o “papel principal [da tese/dissertação] seja demonstrar que o candidato a um título acadêmico é capaz de conduzir e comunicar pesquisa independente e original”.
    Assim, é preciso ponderar os objetivos de cada um dos tipos de publicação para que a finalidade de cada um não se perca. Além disso, acredito ser necessário que as instituições/programas de pós-graduação orientem com subsídios e clareza (conforme a tabela apresentada) as normativas sobre as formas de apresentação dos tipos convencional e alternativo. Em termos normativos, o modelo convencional é o mais reconhecido, inclusive com uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para isso. O que não ocorre ainda com os formatos alternativos.

  5. Dois comentários:
    1. A publicação de uma dissertação ou tese no formato mais tradicional não implica que o mestre/doutor (mesmo antes de ter o título) publique em formato de artigo o seu estudo. E não acho que seja perda de tempo colocar os detalhes de uma tese e saber reduzir para comunicar em um artigo. Como a autora do post analisa isto?

    2. Quando um autor submete um artigo dizendo que será parte de sua dissertação/tese e que tem prazos para isto, eu o aconselho a buscar outro periódico (talvez um desses predadores que publicam em dias). As avaliações devem ser totalmente blind, ou perdemos ainda mais a concepção da boa prática da ciência.

    Suzana

  6. Moysés Kuhlmann Jr. on September 26, 2016 at 08:27 said:

    A proposta de transformar uma tese em uma junção de artigos representa a submissão acrítica ao modelo de avaliação que privilegia a contagem de artigos no processo de formação para a pesquisa e subverte o ciclo da produção de pesquisa, que põe a publicação como a etapa posterior à obtenção dos resultados de pesquisa, conforme podemos ler em textos de Meneghini, em posts da Scielo e em outros autores na bibliografia internacional.
    Quando no artigo se afirma que “de fato, as instituições preferem não reduzir o número de doutores e mestres, que pesam positivamente nos rankings universitários”, mais uma vez pode ser verificado o afrouxamento de critérios de avaliação, em nome de se manter em determinada posição no ranking.
    As teses, por hipótese, são lidas ao menos por 5 pessoas, além do autor, que são os membros da banca de avaliação. O seu objetivo principal não é que sejam lidas massivamente, mas que representem o investimento do pesquisador em formação na composição de diferentes elementos constitutivos da sua pesquisa. Muito disso não terá ineditismo, o que não significa ser desnecessário o trânsito por revisões no plano teórico e metodológico.
    Indico os artigos que publicamos em Cadernos de Pesquisa, nos números 151 e 158, em torno das questões da publicação em periódicos, da ética, do produtivismo e da qualidade das pesquisas:

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0100-157420140001&lng=pt&nrm=iso

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0100-157420150004&lng=pt&nrm=iso

    Moysés Kuhlmann Jr.
    Editor de Cadernos de Pesquisa

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