Por Naomi Penfold
A relevância do rápido compartilhamento dos mais recentes resultados de pesquisa foi ressaltada durante a pandemia de COVID-19, durante a qual houve um grande fluxo de novos manuscritos em biologia e medicina, dos quais uma proporção excepcionalmente grande (∼um terço) foram postados como preprints. Apesar deste sucesso, nossa pesquisa (The Case For Supporting Open Infrastructure for Preprints: A Preliminary Investigation1) mostrou que a infraestrutura que apoia a publicação de preprints não é financiada de forma sustentável.
Preprints são manuscritos científicos que são compartilhados on-line (em servidores ou repositórios de preprints) antes de terem sido formalmente avaliados pelos pares. Uma importante característica dos servidores de preprints é que oferecem uma forma gratuita de postagem e leitura, mais rápida de compartilhar e permitir a descoberta dos últimos resultados de pesquisa. Isto aborda diretamente duas questões principais da publicação científica: a impossibilidade de arcar com as taxas de publicação por muitos pesquisadores, bem como o atraso no compartilhamento dos resultados, que pode levar a longos ou repetidos processos de submissão e avaliação por parte dos periódicos. Contudo, sem avaliação pelos pares, existem preocupações sobre a validade e acurácia da pesquisa compartilhada por meio de preprints.
Em tempos tão precários, os pesquisadores poderiam ter optado por favorecer o processo mais estabelecido e confiável de publicação em periódicos para compartilhar a pesquisa sobre COVID-19, e esperar alguns meses enquanto os resultados passavam por avaliação por pares (acelerada). O fato de que muitos pesquisadores optaram por compartilhar o seu trabalho na forma de preprints e/ou se empenharam em esforços para triar e avaliar rapidamente preprints sugere que os acadêmicos consideraram que o valor da celeridade do compartilhamento era superior ao risco da desinformação. Com poucos casos de desinformação grave que foram divulgados através de preprints, a resposta tem sido a defesa de políticas e orientação para apoiar a utilização adequada de preprints pelo público em geral, meios de comunicação e tomadores de decisão.
Além da pesquisa sobre COVID-19, o uso de preprints para compartilhar muitos tipos de pesquisa mostrou o que é necessário para a infraestrutura de comunicação científica: compartilhamento rápido e gratuito dos trabalhos mais recentes com triagem, revisão e serviços de curadoria apropriados que reduzam a desinformação e a pseudociência.
A experimentação com preprints continua, com um foco crescente em melhorar os esforços de avaliação por pares e curadoria após a publicação do preprint, incluindo esforços para treinar pesquisadores em avaliação por pares, encorajar os pesquisadores a postar revisões sobre preprints e assegurar que os detalhes necessários do processo de avaliação por pares sejam capturados nos metadados (e, portanto, detectáveis e transparentes para leitores e avaliadores). Ainda levará alguns anos para entender o real valor que os preprints e a revisão de preprints agregam ao ecossistema da comunicação científica.
Enquanto isso, é importante que continuemos dispondo deste espaço para experimentar formas de avaliar e compartilhar a pesquisa. Na maioria das vezes, a disposição dos acadêmicos em participar deste experimento com preprints decorre do fato de que não precisam pôr em risco suas carreiras para fazê-lo: os preprints operam consistentemente com a publicação científica tradicional devido às políticas permissivas dos periódicos e à inclusão de preprints nos serviços de indexação e descoberta acadêmica. Ao mesmo tempo, o espaço de experimentação fornecido pelos preprints à comunidade acadêmica é possível apenas porque a maioria dos principais servidores e serviços de preprints até o momento são independentes da publicação tradicional de periódicos, permitindo inovação e disrupção externa.
Para apoiar um sistema de pesquisa mais aberto e a experimentação necessária para projetá-lo e construí-lo, precisamos de um ecossistema competitivo que inclua infraestrutura aberta, não mais aquisições ou agrupamento de plataformas e serviços em alguma grande corporação, com todos os problemas que decorrem desta monopolização. No entanto, se os serviços de preprints abertos e independentes se desenvolverem para operar em uma escala equivalente à da literatura acadêmica em geral e, ao fazê-lo, fornecerem uma maneira mais rápida, transparente e econômica de compartilhar resultados de pesquisa, eles estarão em direta concorrência com publishers comerciais
Entretanto, os publishers comerciais estão respondendo à demanda por uma comunicação científica mais rápida, adquirindo plataformas e serviços de preprints que foram inicialmente criados pela comunidade científica para resolver problemas com a indústria de publicação científica. Os cinco maiores publishers comerciais já adquiriram, investiram ou estabeleceram parceria com plataformas e serviços de preprints. Recentemente, a Springer Nature confirmou a aquisição do Research Square, um serviço vinculado a periódicos que já acumulou mais preprints do que o bioRxiv, apesar de ter estado operacional apenas a metade do tempo.
Portanto, é fundamental que exploremos como sustentar um ecossistema viável e vibrante de infraestrutura de preprints que seja independente de publishers comerciais – isso ainda não está assegurado. Esta infraestrutura inclui servidores por meio dos quais os preprints são compartilhados on-line, bem como ferramentas e serviços que apoiam o uso de preprints. arXiv é um servidor de preprints considerado essencial em várias comunidades de física, ciências da computação e outras disciplinas quantitativas.
Apesar de construir com sucesso um modelo de receita que divide o ônus entre a Universidade Cornell, a Simons Foundation e vários membros e apoiadores, o “financiamento do arXiv ainda é superado por [seu] crescimento”2 – o servidor já hospeda mais de 2 milhões de preprints e está crescendo 10% a cada ano. E embora o arXiv tenha apoiado cada vez mais pesquisadores a compartilhar e descobrir preprints, a equipe subjacente passou por mudanças significativas na liderança e enfrenta a necessidade urgente de modernizar sua tecnologia de 30 anos.
Como observou um ex-diretor executivo do arXiv, “[o sucesso do arXiv] pode não durar para sempre“.3 Da mesma forma, a recente notícia de que a Iniciativa Chan Zuckerberg renovou seu apoio financeiro aos principais servidores de preprint em biologia e medicina, bioRxiv e medRxiv, é um alívio bem-vindo, porém este apoio é temporário e a equipe deve encontrar uma maneira de continuar no longo prazo. Infelizmente, sem maior transparência na governança do bioRxiv e medRxiv, não sabemos se há algo que impeça que sejam adquiridos por um publisher comercial.
Um grande desafio é a necessidade de mantê-lo gratuito (custo zero) para os acadêmicos postarem e lerem os preprints. Quando o Center for Open Science forneceu uma plataforma para as comunidades executarem seus próprios servidores de preprints, muitos defensores de preprints aceitaram a oferta, convidando colegas em sua disciplina ou região geográfica para compartilhar seu trabalho como preprints em seu próprio “xiv” (leia-se: arquivo). Infelizmente, após a introdução de uma taxa para usar a plataforma, 13 dos 27 servidores de preprints da comunidade descontinuaram seus serviços ou mudaram para uma plataforma diferente porque não podem pagar ou não concordam com este modelo de financiamento.
Um sistema de comunicação científica inclusivo não pode colocar o ônus de pagar pela infraestrutura nos pesquisadores individuais ou em suas comunidades, especialmente não de uma forma que seja excludente para acadêmicos do Sul Global. O que sabemos é que um caminho a seguir pode ser incentivar instituições acadêmicas, filantropos e financiadores de pesquisa nacionais e internacionais a se unirem para apoiar serviços liderados por acadêmicos – o que está sendo um sucesso para o SciELO, que introduziu um serviço de preprints juntamente com sua oferta de periódicos multinacionais de acesso aberto.
De maneira geral, os preprints demonstraram que uma via rápida e de baixo custo para compartilhar os resultados da pesquisa é altamente valiosa para a ciência e a sociedade, e os esforços para romper ou aprimorar a publicação científica continuam hoje, tanto com a publicação de preprints quanto com sua revisão e uso, uma vez on-line. A questão é: como podemos apoiar a infraestrutura de preprints para ser financeiramente estável o suficiente para permanecer aberta para a comunidade continuar a experimentar como a pesquisa é compartilhada, curada e utilizada?
Notas
1. PENFOLD, N. The Case For Supporting Open Infrastructure for Preprints: A Preliminary Investigation. Zenodo [online]. 2022 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.5281/zenodo.7152735. Available from: https://zenodo.org/record/7152735
2. arXiv Annual Report 2021 [online]. arXiv. 2021 [viewed 9 March 2023]. Available from: https://static.arxiv.org/static/arxiv.marxdown/0.1/about/reports/2021_arXiv_annual_report.pdf
3. SPARC EUROPE. An interview with Eleonora Presani, Executive Director, arXiv, USA. Zenodo [online]. 2020 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.5281/zenodo.4090083. Available from: https://zenodo.org/record/4090083
Referências
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Link externo
Monthly Submissions – arXiv: https://arxiv.org/stats/monthly_submissions
Sobre Naomi Penfold
Naomi Penfold é Analista de Dados de Pesquisa na Invest in Open Infrastructure, uma iniciativa sem fins lucrativos que trabalha para aprofundar o investimento em infraestrutura acadêmica aberta. Seus interesses de pesquisa incluem inovação na comunicação e processo da ciência e, em particular, ciência aberta na busca por uma economia de conhecimento mais equitativa. Ela é Doutora em Bioquímica Clínica pela Universidade de Cambridge e já contribuiu para várias iniciativas de ciência aberta, incluindo eLife, ASAPbio, Dryad e PREreview.
Artigo original em inglês
Lack of sustainability plans for preprint services risks their potential to improve science
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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