Aviso aos navegantes – os tempos estão mudando

Por Ernesto Spinak

A edição de junho/julho da Research Information Magazine1 traz em sua capa o atraente título “Taking on a pandemic”, que nos levou a comentar suas anotações com sentimentos mistos de esperança e prevenção, otimismo e desconfiança. A edição tem uma dúzia de notas assinadas por CEOs e gerentes de renomadas empresas internacionais na área de edição de periódicos comerciais, produção de bases de dados, interfaces inteligentes, e-books etc., além de consultores não necessariamente independentes. As notas são distribuídas entre várias páginas de publicidade puramente comercial.

No final da longa leitura, onde é apresentado muito “snake oil“, é possível resgatar alguns pontos importantes, que permitiriam (condicional) abrir um espaço de esperança que, embora não me faça pular da banheira gritando “Eureka!”, fica claro que o mundo identificado como o mainstream da publicação científica está mudando, e isso é irreversível.

Estamos testemunhando que, globalmente, as maiores instituições e empresas de comunicação científica estão começando a lutar pelo mercado de Ciência Aberta, Avaliações Abertas e Servidores de Preprints.

O que o SciELO, dentre algumas instituições do mundo, que começou como um experimento pioneiro e proativo em 1998, com dez periódicos brasileiros, agora é um tsunami. Ninguém quer ficar de fora. Os novos paradigmas estão vencendo, e poderemos vê-lo em vida.

As notas discutem principalmente as mudanças na publicação científica nos dias da pandemia da COVID-19, mas as mudanças culturais não recuam facilmente, alguns novos hábitos permanecerão.

Vejamos alguns destaques. Porém, o melhor é que você tenha a mesma experiência e agradecemos se você compartilhar suas opiniões nos comentários deste blog.

1. Enfrentar uma pandemia.

  • Vários editores científicos se unem para tornar a revisão por pares mais eficiente. Os editores acadêmicos estão trabalhando juntos para maximizar a eficiência da revisão por pares, garantindo que os principais documentos da COVID-19 sejam revisados. Inicialmente, o esforço inclui eLife, Hindawi, PeerJ, PLOS, Royal Society, F1000 Research, FAIRsharing, Outbreak Science e PREreview.
  • A diretora de publicação Sarah Greaves, da Hindawi, disse: “Muitos publishers já concordaram em apoiar as iniciativas do Wellcome Trust e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para documentos da COVID-19.”
  • Vários publishers líderes, juntamente com o ReadCube da Digital Science, fazem parte de uma iniciativa para facilitar o acesso à literatura relevante para a pesquisa sobre COVID-19. O programa COVID-19 Research Pass (CRP) fornece acesso direto a mais de 26 milhões de artigos e está disponível para qualquer pessoa.

2. Nasce uma associação entre Journal of the American Medical Association (JAMA), Springer Nature e Wiley.

  • Os organizadores estão convidando editores adicionais para o programa e pretendem expandir ainda mais a gama de artigos acessíveis aos participantes. Os principais aspectos do programa incluem:
    • Acesso instantâneo ao texto completo. Os titulares de passes gratuitos podem acessar gratuitamente qualquer artigo em texto completo (ou capítulo do livro) necessário para uso no contexto de suas pesquisas sobre a COVID-19;
    • Flexibilidade. Os usuários podem pesquisar no portal ou instalar uma extensão do navegador da web que os alertará sempre que encontrarem o conteúdo coberto pelo programa;
    • Colaboração. Os participantes podem gerar URLs compartilhadas temporárias, de acesso livre para leitura;
    • Mineração de texto e dados. Os participantes podem executar mineração automatizada de texto e dados em textos completos.
    • Mineração de texto e dados. Os participantes podem executar mineração automatizada de texto e dados em textos completos.

3. Associação da indústria editorial do Reino Unido para entregar livros eletrônicos sem custo

  • Mais de 120 universidades do Reino Unido se uniram para permitir o acesso a conteúdos críticos de livros de texto para mais de 1,4 milhão de estudantes em dezenas de milhares de módulos de estudo, de todo o Reino Unido e Irlanda, sob o Free Student eTextbook Programme (FSTP). O anúncio foi feito pela Jisc, a provedora de serviços de pesquisa e educação sem fins lucrativos do Reino Unido. O programa de livros de texto inclui milhares de títulos compilados por vários publishers comerciais e universitários.

4. Bibliotecas acadêmicas e coronavírus: uma visão da Itália, por Rossana Moriello, bibliotecária de pesquisa da Universidade Politécnica de Turim.

  • A pandemia demonstrou a importância do acesso aberto e da ciência aberta.
  • O surto de coronavírus nos mostra como a ciência poderia progredir em etapas gigantescas se estivesse sempre aberta. A iniciativa foi promovida pelo Wellcome Trust.
  • Muitos editores responderam positivamente e criaram centros de acesso aberto gratuitos para ajudar pesquisadores de todo o mundo a encontrar uma cura para essa terrível doença, e as bibliotecas os destacaram em suas páginas web. No entanto, a maioria dos publishers, na Itália ou internacionalmente, acaba de abrir uma seleção de recursos sobre a COVID, mas não em outros tópicos, e o que surge é que ainda existem muitos obstáculos para a entrega de documentos, downloads, etc.

5. As organizações editoriais devem procurar adotar infraestrutura modular e modelos de negócios modulares para que possam experimentar, escreve Brian Cody, CEO e cofundador da Scholastica.

  • A incerteza em nosso setor deve-se especificamente à questão de quais modelos de negócios seriam viáveis para os editores de periódicos acadêmicos, devido ao esforço contínuo em direção ao acesso aberto (AA). Durante anos, não ficou claro como será a transição para a AA, com muitos experimentos e novas iniciativas surgindo o tempo todo.
  • A solução proposta são modelos de negócios modulares. O design modular subdivide um sistema em partes menores chamadas módulos, que podem ser criados, modificados, substituídos ou trocados independentemente entre sistemas diferentes.
  • No setor editorial, muitos já estão familiarizados com a experiência da modularidade ou com a falta dela. Por exemplo, se uma organização editorial quisesse lançar um novo periódico com um fluxo de trabalho diferente (por exemplo, avaliação por pares aberta ou publicação de artigos individuais), seria necessário coordenação em toda a organização? O novo projeto precisaria usar o mesmo software, pessoas e processos ou poderia ser implementado com software diferente ou com um fluxo de trabalho diferente sem criar confusão e adicionar complexidade aos já existentes?
  • O autor acaba se perguntando: qual desses modelos de negócios de AA manterá os editores em funcionamento em 5 ou 10 anos?

6. 5ª Conferência Researcher to Reader, na BMA House em Londres.

  • Com 160 participantes, Heather Staines, do Knowledge Future Groups, relata a experiência na Universidade de Nairobi e detalha o impacto da Research4Life no acesso a recursos digitais na África. Explicou o incrível impacto que o acesso a milhares de periódicos teve sobre os pesquisadores africanos, incluindo um aumento geral no resultado da pesquisa, dobrando a participação da África na publicação global entre 2005 e 2016.

7. Do lado do otimismo, há uma nova promessa em torno de dados justos e reprodutibilidade.

  • Rebecca Grant, da Springer Nature, observou o crescimento constante de pesquisadores que compartilham seus dados. Atualmente, 119 organizações apoiam os princípios de dados FAIR (localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis).
  • Catriona Fennell, da Elsevier, apresentou um Manifesto para a Ciência Reprodutível, defendendo investimentos em periódicos diversos e inovadores, novos tipos de artigos que recompensam o compartilhamento de dados e software, convidando estudos de replicação em periódicos convencionais e usando CRediT (Contributor Roles Taxonomy).

8. A Cambridge University Press (CUP) lançou oficialmente a Cambridge Open Engage, uma plataforma aberta de conteúdo e colaboração, que agora está oficialmente disponível para apresentações diretas de pesquisadores.

  • Desenvolvida internamente e em consulta com os pesquisadores, a plataforma é baseada na tecnologia por trás do Cambridge Core, a casa on-line dos livros e periódicos acadêmicos da CUP, para a publicação de resultados de pesquisa abertos.
  • Isso inclui preprints, apresentações, documentos de trabalho, pôsteres de conferências e literatura não convencional. Todo o conteúdo é aberto e gratuito para o leitor e gratuito para o autor fazer o upload.
  • O CUP também oferece serviços abertos de pesquisa através do Cambridge Open Engage para organizações como sociedades científicas.

9. A Springer Nature se compromete a fazer a transição da grande maioria de seus periódicos que ainda não têm acesso aberto, incluindo a Nature e Nature Research, a se tornar periódicos transformativos(transformative journal, TJ).

  • Um periódico TJ é um periódico por assinatura/híbrido que está comprometido ativamente em fazer a transição para um periódico de acesso aberto total.
  • A abordagem significa que os autores financiados pelo Plano S poderão continuar enviando resultados de pesquisa para estes periódicos, sujeitos à aceitação dos requisitos de transparência.
  • A Springer Nature tem defendido os TJs como um complemento necessário aos acordos de transformação para ajudar:
    • Editores menores para os quais os acordos nacionais são desafiadores,
    • Países e financiadores para os quais acordos transformadores são um desafio,
    • Periódicos seletivos para as quais ainda estão sendo explorados rotas para inclusão em acordos nacionais,
    • Periódicos contendo outros tipos de conteúdo, bem como pesquisa primária, permitindo a transição da pesquisa primária para o AA com outro conteúdo financiado por meios alternativos.
  • Steven Inchcoombe, O diretor de publicação e soluções da Springer Nature disse: “Há muito tempo defendemos os TJs como uma maneira de acelerar a transição para o AA, garantindo que nossos autores, independentemente da situação financeira, possam continuar publicando.”

Minha reflexão

Algo está acontecendo no mundo editorial; o acesso aberto não é mais uma iniciativa de piratas que violam acordos de direitos autorais. As empresas internalizaram a mensagem e estão se posicionando para um novo mercado. De fato, o paradigma de acesso aberto os atingiu como um tsunami. Não há caminho de volta.

Como disse Bob Dylan, os tempos estão mudando.

Genial!!!… por isso lhe deram o Prêmio Nobel.

The order is rapidly fadin’
And the first one now
Will later be last
For the times they are a-changin’
El orden se está desvaneciendo rápidamente
Y el primero ahora
Luego será el último
Porque los tiempos están cambiando

Nota

1. Putting the context into metrics: why single-point evaluation is missing critical details [online]. Research Information. 2020 [viewed in 01 July 2020]. Available from: http://email.europascience.com/c/124pggRG8rOLi5HPFAprMSFq

Referência

Putting the context into metrics: why single-point evaluation is missing critical details [online]. Research Information. 2020 [viewed in 01 July 2020]. Available from: http://email.europascience.com/c/124pggRG8rOLi5HPFAprMSFq

Sobre Ernesto Spinak

Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado em Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

Traduzido do original em espanhol por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SPINAK, E. Aviso aos navegantes – os tempos estão mudando [online]. SciELO em Perspectiva, 2020 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2020/07/01/aviso-aos-navegantes-os-tempos-estao-mudando/

 

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