Bibliodiversidade – O que é e por que é essencial para criar conhecimento situado [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em dezembro/2019]

Por Elea Giménez Toledo, Emanuel Kulczycki, Janne Pölönen e Gunnar Sivertsen

Preservar o multilinguismo e a pesquisa sobre temas locais

Os grandes publishers controlam a maioria das publicações em nível internacional. Sua posição de liderança neste mercado é refletida pelo prestígio que eles têm na academia. Muitas de suas publicações são prestigiosas e altamente qualificadas nos processos de avaliação da pesquisa. No entanto, representam apenas uma fração das publicações necessárias para a produção e uso de novos conhecimentos em pesquisa e educação, bem como na vida cultural e social.

A bibliodiversidade, a diversidade do conteúdo acadêmico, tanto em nível nacional quanto internacional, é essencial para preservar a pesquisa em uma ampla gama de tópicos globais e locais, estudados a partir de diferentes abordagens epistêmicas e metodológicas, inspiradas em várias escolas de pensamento e expressas em uma variedade de idiomas. Estas ideias estão intimamente relacionadas aos princípios da Helsinki Initiative on Multilingualism in Scholarly Communication (Iniciativa de Helsinque sobre o Multilinguismo na Comunicação Científica): precisamos apoiar a disseminação dos resultados da pesquisa para o total benefício da sociedade; proteger infraestruturas nacionais para publicar pesquisas localmente relevantes; e promover a diversidade de idiomas nos sistemas de avaliação, verificação e financiamento da pesquisa.

Estudar o cenário nacional da publicação científica é uma maneira de reconhecer e proteger a bibliodiversidade. Para isso, são necessários dados abrangentes sobre publicações e canais de disseminação. Os relatórios sobre atividades de publicação permitem que os autores conheçam a riqueza do cenário editorial de diferentes países. Eles também são importantes para o desenvolvimento de coleções de bibliotecas. As organizações de pesquisa e as agências de fomento devem levar em consideração esta diversidade: não apenas os maiores publishers acadêmicos internacionais publicam livros especializados e de alta qualidade. Em cada país, existe um ecossistema de publishers trabalhando para publicar os livros acadêmicos necessários para garantir a sobrevivência da pluralidade na pesquisa, a preservação dos idiomas nacionais na comunicação científica e a utilidade e impacto social dos novos conhecimentos. Estes ecossistemas também representam uma importante contribuição para as economias nacionais.

O valor dos publishers locais

Quando as atividades de publicação em nível nacional são analisadas em profundidade, é possível ver que cada publisher cria um projeto editorial com uma marca editorial específica, desenvolvendo diferentes tópicos e abordagens para os leitores. Na Figura 1, que representa a publicação acadêmica da Espanha, pode-se distinguir grandes áreas como Direito, Educação, Economia ou História, onde todos os tipos de publishers operam: de gigantes comerciais a editoras universitárias, bem como publishers menores. Por outro lado, em áreas menores como Arqueologia, Filologia ou Antropologia, as editoras universitárias desempenham um papel central na proteção da diversidade. Eles são publishers de regiões com idiomas diferentes (não apenas o espanhol, mas também o catalão, o basco etc.), publicam livros necessários para pequenas comunidades e distribuem o conteúdo para fora da corrente principal da pesquisa anglófona. Este é apenas um exemplo de padrão repetido de país para país. Em outras palavras, os publishers em nível nacional – geralmente pequenos e médios publishers, editoras universitárias e sociedades científicas – publicam livros e desenvolvem conhecimento que não existiria se toda publicação fosse realizada em nível internacional.

Figura 1. Publicação acadêmica espanhola. Infográfico mostrando a porcentagem de títulos de livros publicados em diferentes áreas de Ciências Sociais e Humanas (SSH).

Além disso, a publicação dos resultados da pesquisa através de monografias e capítulos de livros é um padrão de comunicação importante e distinto nas ciências humanas e sociais. A pesquisa nestas disciplinas tem quatro características que requerem bibliodiversidade para uma comunicação eficaz:

  • Frequentemente é multiparadigmático, o que significa que o mesmo tópico de pesquisa pode ser estudado sob diferentes perspectivas e com diferentes metodologias. Pode ser analisado a partir dos princípios de uma escola de pensamento específica e, é claro, pode ser influenciado por questões contextuais e culturais. Para dar apenas um exemplo, considere as diferentes visões e interpretações que os historiadores ofereceram sobre a descoberta da América.
  • Em muitas ocasiões, é localmente relevante, porque lida com questões de pesquisa que dizem respeito ao contexto geográfico, social ou cultural mais próximo. Neste sentido, a pesquisa realizada tem uma missão clara de contribuir para a solução de problemas, produzindo impacto social.
  • Deve ser comunicado em idiomas regionais ou nacionais para alcançar seus leitores naturais e contribuir para o impacto esperado da pesquisa.
  • Geralmente aborda vários públicos, já que mesmo as publicações revisadas por pares – especialmente monografias e volumes editados – podem atingir públicos-alvo profissionais e gerais, além de especialistas na área.

Um registro global e multilíngue do Academic Book Publisher

Compreender este cenário e registrar a diversidade de publishers acadêmicos é um dos objetivos da Academic Book Publishers (ABP): um registro global e multilíngue, uma iniciativa da ENRESSH COST Action. Mais de 6.000 publishers já fazem parte do registro. No entanto, há muito trabalho a ser feito no desenvolvimento do registro, bem como trabalho técnico para melhorar os padrões de qualidade da publicação de livros acadêmicos. É importante incorporar estes padrões em procedimentos adequados de avaliação de pesquisa. Além disso, ter uma imagem completa dos publishers acadêmicos em nível nacional e identificar aqueles que já possuem programas de publicação de acesso aberto (AA) pode ajudar a analisar até que ponto uma transição aberta está ocorrendo e o impacto que esta transição está tendo na bibliodiversidade. Este conhecimento é essencial para o desenvolvimento de políticas nacionais e locais que ajudem publishers e acadêmicos a sustentar as tradições locais de pesquisa e publicação.

É necessária mais diversidade na publicação de livros em AA

À primeira vista, (Figura 2), analisar os idiomas de publicação dos livros cobertos pelo Directory of Open Access Books (DOAB), leva a duas observações preliminares: 1. Apenas alguns idiomas, principalmente o inglês, são dominantes no conteúdo em AA, e 2. Os países que desenvolvem estratégias específicas para monografias de AA (como o Brasil com o desenvolvimento do SciELO Livros) não estão apenas aumentando a visibilidade de seus idiomas, mas também contribuindo para a diversidade do espaço em AA. Além disso, o número de publishers e diferentes países cobertos pela ABP, em oposição ao Scopus e Book Citation Index (Figura 3), destaca um volume crítico de publicação de livros de alta qualidade que não é reconhecido pelos índices tradicionais.

FIGS 2 E 3

Figura 2. Idiomas de publicação em DOAB. Fonte: DOAB. Elaboração própria. 2019
Figura 3. Cobertura de publishers e países em Scopus, Book Citation Index e ABP. 2019

A diversidade do conteúdo acadêmico no ambiente de AA é crucial para garantir uma comunicação científica plural, rica e imparcial. O espaço de AA precisa ser tão diverso quanto o espaço tradicional de publicação. Ainda não estamos lá.

Referências

CALASSO, R. The Art of the Publisher. London: Penguin, 2015.

El ADN de la edición académica en España [online]. Scholarly Publishers Indicators. 2016 [viewed 24 June 2020]. Available from: http://ilia.cchs.csic.es/SPI/docs/161009-infografia%20CSIC-imprenta.pdf

KULCZYCKI, E., et al. Polyglots need protection [online]. *Research. 2019 [viewed 24 June 2020]. Available from: https://www.researchresearch.com/news/article/?articleId=1381733

KULCZYCKI, E., et al. Publication patterns in the social sciences and humanities: evidence from eight European countries. Scientometrics [online]. 2018, vol. 116, pp. 463-486 [viewed 24 June 2020]. DOI: 10.1007/s11192-018-2711-0. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s11192-018-2711-0

TAYLOR, M. Do monographs have a future? Publishers, funders and research evaluators must decide [online]. LSE Impact of Social Sciences, 2019 [viewed 24 June 2020]. Available from: https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2019/08/05/do-monographs-have-a-future-publishers-funders-and-research-evaluators-must-decide/

WISCHENBART, R. and FLEISCHHACKER, M.A. The “Global 50” Ranking of the Publishing Industry 2018. Paris: Livres Hebdo, 2018. Available from: https://www.wischenbart.com/upload/Global50-2018_overview_ToC.pdf

Links externos

Academic Book Publishers (ABP) – A global and interactive register <https://enressh.eu/working-group-3/abp/>

Directory of Open Access Books <https://www.doabooks.org/>

ENRESSH <https://enressh.eu/>

Helsinki Initiative on Multilingualism in Scholarly Communication<https://www.helsinki-initiative.org/>

SciELO Books <http://books.scielo.org/>

Sobre Elea Giménez Toledo

Elea Giménez Toledo Cientista titular no Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC). Doutora em Ciência da Informação e Biblioteconomia. Ela é chefe da equipe de pesquisa do Scholarly Book e pesquisadora principal dos Scholarly Publishers Indicators (SPI). É membro do Comitê de Gestão da COST Action European Network for Research Evaluation in the Social Sciences and the Humanities (ENRESSH).

Sobre Emanuel Kulczycki

Emanuel Kulczycki é Professor da Universidade Adam Mickiewicz em Poznań, Doutor em filosofia. É presidente da European Network for Research Evaluation in the Social Sciences, chefe do Scholarly Communication Research Group AMU e consultor de políticas do Ministério da Ciência e Ensino Superior da Polônia.

Sobre Janne Pölönen

Janne Pölönen é chefe de planejamento da Federação das Sociedades Científicas da Finlândia. Lic. Phil. em história, especializada em direito romano e pesquisa sobre a sociedade. Desde 2010, está envolvido no desenvolvimento do indicador de publicação baseado no “Fórum de Publicações” da Finlândia e na análise da produção das universidades finlandesas usando bases de dados nacionais e internacionais. No decorrer deste trabalho, ele se familiarizou com pesquisas e práticas bibliométricas.

Sobre Gunnar Sivertsen 

Gunnar Sivertsen é professor, pesquisador e chefe de pesquisa bibliométrica do Nordic Institute for Studies in Innovation, Research and Education (NIFU) em Oslo. Sua experiência está enfocada em estudos de comunicação e publicação científica e no desenvolvimento e uso de indicadores bibliométricos para estatística, avaliação, financiamento e política científica. É doutor em literatura escandinava pela Universidade de Oslo.

Artigo original em inglês

https://blogs.lse.ac.uk/impactofsocialsciences/2019/12/05/bibliodiversity-what-it-is-and-why-it-is-essential-to-creating-situated-knowledge/

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

TOLEDO, E.G., et al. Bibliodiversidade – O que é e por que é essencial para criar conhecimento situado [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em dezembro/2019] [online]. SciELO em Perspectiva, 2020 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2020/06/24/bibliodiversidade-o-que-e-e-por-que-e-essencial-para-criar-conhecimento-situado/

 

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