Por Jan Velterop
Porque sim!
Ao longo dos anos, a maioria das pesquisas científicas se tornou mais rápida. No entanto, em áreas como pesquisa médica e farmacêutica, há sempre um desejo de acelerar ainda mais o processo e obter resultados que ajudem a tratar e curar doenças, além de prevenir a incapacidade e a morte. A maioria dos pesquisadores, principalmente os médicos, está trabalhando o mais rápido possível, mas precisam trabalhar com cuidado e garantir que não se precipitem nas conclusões. Conclusões prematuras podem levar a falsas promessas, mas também causar grandes problemas, caso medicamentos e procedimentos que pareciam promissores apresentarem efeitos colaterais perigosos ou não funcionarem conforme o esperado a longo prazo. O risco de uma cura ser pior que a doença é real. No caso da atual pandemia de COVID-19 que estamos enfrentando, é enorme a pressão para encontrar medicamentos para tratar a doença e uma vacina para impedir sua propagação.
A pesquisa em si precisa de tempo necessário para que seja feita de forma responsável e completa, mas uma vez que haja resultados sólidos, a comunicação deles com outros cientistas pode e deve ser mais rápida. A velocidade é essencial para tirar o máximo proveito dos esforços coletivos da comunidade científica. Qualquer atraso na comunicação dos resultados da pesquisa é um atraso na busca de soluções. Atrasos desnecessários são devastadores em casos de vida ou morte.
Os benefícios do acesso aberto, principalmente para pesquisas em que a urgência e a rapidez são tão importantes, são óbvias. Infelizmente, porém, a proporção de novas pesquisas científicas que estão sendo publicadas em acesso aberto é decepcionantemente, muito longe de 100%, ainda. À luz da urgência apresentada pela pandemia da COVID-19, existem algumas iniciativas interessantes para aumentar a abertura da pesquisas, dados e publicações.
Mas há um problema subjacente que impede a comunicação científica rápida, eficiente e aberta necessária para fazer o progresso necessário. Em inglês se usa a expressão “ficar com o bolo e comê-lo”. Não é possível. Depois de comer o bolo, você não o terá mais. Em outras palavras, “você não pode ter tudo”. A crença teimosa de que você pode é conhecida como “bolismo”. Há um sabor diferente de “bolismo” no sistema. Vários atores na área da comunicação científica têm desejos difíceis de conciliar, ou apenas incompatíveis entre si. Quais são estes desejos? Por parte dos pesquisadores, geralmente temos: o desejo de publicar rapidamente; ter seus artigos revisados pelos pares; ser publicado em um periódico de prestígio; ser citado amplamente e com frequência; ter acesso ilimitado a trabalhos de outros pesquisadores; enfrentar pouco ou nenhum custo para publicar em acesso aberto; obter reconhecimento pelo trabalho publicado quando avaliados para promoção, estabilidade, convites para conferências e similares. Pesquisadores individuais podem até mesmo ter mais desejos.
Muitos destes desejos também são compartilhados por financiadores de pesquisas científicas. Eles querem que seus beneficiários se saiam bem e que trabalhem para ter impacto na ciência e na sociedade e, assim, aprimorem a reputação do órgão financiador e a satisfação que isso traz.
Os publishers têm desejos diferentes. Eles querem gerar renda a partir da função que desempenham no sistema. Isso é verdade para os publishers “com fins lucrativos”, mas na maioria dos casos também para os publishers de sociedades “sem fins lucrativos”, que gastam os excedentes – geralmente generosos – de suas atividades de publicação em outras atividades que suas sociedades consideram apropriadas para sua missão. Alguns publishers obtêm lucros muito generosos e gostariam de mantê-los. Outros obtêm lucros relativamente modestos e precisam mantê-los para sobreviver. A impressão geral é de uma lucratividade incrivelmente alta na indústria da publicação científica, mas, para ser justo, esta impressão é baseada principalmente em um número relativamente pequeno de grandes publishers. Estes publishers publicam a maioria dos artigos científicos, no entanto. Uma citação do artigo do The Guardian a que me referi acima: “Em 1988, Maxwell previu que no futuro haveria apenas um punhado de publishers imensamente poderosos e que eles iriam exercer seu comércio na era eletrônica sem custos de impressão, levando a quase ‘lucro puro’. Parece muito com o mundo em que vivemos agora. ”
Iniciativas ambiciosas para tornar o acesso aberto a resultados de pesquisas científicas uma norma ainda tentam conciliar os desejos conflitantes dos diferentes atores no campo da comunicação científica. Eles tentam poupar a cabra e o repolho, para usar outro ditado que ilustra a dificuldade de tal esforço. Considere por exemplo, o “Plano S”. Apesar dos objetivos admiráveis do Plano e sua insistência na transparência dos custos e taxas dos publishers, ele aceita fundamentalmente que os publishers existentes, incluindo aqueles grandes com fins lucrativos, sejam engrenagens essenciais na máquina. A competição pelo preço não parece ter um papel importante e o foco na seletividade e no prestígio dos periódicos (muitas vezes em conflito com a qualidade) – em vez da qualidade dos artigos individuais ou dos processos de revisão por pares – permanece intacto. Os serviços necessários dos publishers (por exemplo, triagem, avaliação por pares, trabalho editorial, edição de cópias) serão definidos “em parceria com representantes dos publishers” e os publishers serão solicitados a informar o preço destes serviços. O resultado provavelmente é uma afirmação da ideia de que o atual ônus financeiro da publicação na comunidade científica é razoável. E, como foi destacado por Björn Brembs, “se os APCs [Taxas de processamento de artigos, Article Processing Charges] se tornarem preditores de seletividade porque a seletividade é cara, ninguém desejará publicar em um periódico sem ou com baixas APCs, pois isso carregará o estigma de não conseguir ser publicado nos periódicos caros/seletivos”.
O repolho – custo mínimo da comunicação científica – é sacrificado.
Assegurar a função e a posição financeira confortável dos grandes publishers também pode ser visto no “Project DEAL” alemão, um modelo de “publicar e ler”, no qual as instituições pagam a um determinado publisher uma única taxa anual para cobrir o acesso a seus periódicos e taxas de APC para artigos de acesso aberto publicados por pesquisadores da instituição em questão.
No contexto do programa Horizon 2020 da União Europeia, a UE lançou um concurso para uma “Plataforma de Publicação de Pesquisa Aberta da Comissão Europeia”. Em 20 de março de 2020, o contrato foi concedido à F1000 Research Ltd., que foi adquirida pelo grande publisher Taylor & Francis (parte da Informa plc) no início deste ano. Isso é visto como uma oportunidade perdida, como tuitou Peter Suber, o defensor pioneiro do acesso aberto, assim como muitos outros. Jean-Sebastien Caux, fundador do scipost.org, apontou no Twitter a falha nos critérios da licitação: “Critério F1 para primeira chamada (2018): a necessidade de ter um faturamento acima de 1 milhão de Euros para se candidatar. Critério F1 para segunda chamada: reduzido para 500 mil Euros. Não temos este tipo de rotatividade em scipost.com; este é praticamente o *propósito* do nosso modelo de negócios”.
O problema é que os poderes que poderiam reformar drasticamente a comunicação científica são muito tímidos. Eles não se atrevem a perturbar o sistema tradicional de publicação. Eles aderem a um estado de espírito de bolo-ismo. Considerando que reformas drásticas não são irrealistas. Os preprints, por exemplo, podem desempenhar um papel crucial na separação da comunicação dos resultados da pesquisa (velocidade, eficiência, abertura) e avaliação (revisão por pares). Não será fácil reformar o sistema, certamente, mas será preciso fazer escolhas difíceis. Modificar levemente o status quo, como parece estar acontecendo agora, não é o suficiente.
Emergências globais como a COVID-19 e as mudanças climáticas servirão de alerta?
Referências
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Sobre Jan Velterop
Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
O que é um “publisher”?.