Por Lilian Nassi-Calò
Um estudo pormenorizado de autoria de Madhan Muthu e colaboradores1 sobre o efeito das taxas de publicação (Article Processing Charges – APC) na publicação de artigos em Acesso Aberto (AA) na Índia foi recentemente publicado. Os autores avaliam a carga financeira provocada pelas taxas de publicação na disseminação da ciência naquele país e propõem a criação de uma plataforma a nível nacional descentralizada de periódicos AA a exemplo do SciELO para reduzir custos, aumentar a eficiência e facilitar o compartilhamento de metadados entre repositórios.
O estudo levantou artigos com ao menos um autor da Índia publicados em periódicos AA no Web of Science – Science Citation Index Expanded (SCIE) entre 2010 e 2014. A busca resultou em 37.122 artigos, dos quais 44 artigos foram eliminados por incluir centenas de autores, resultado de colaborações internacionais. Os autores consideraram, portanto, 37.078 artigos dos quais determinaram dados bibliométricos e os valores das APCs cobradas por cada periódico. Para comparação, o número total de artigos e aqueles publicados em AA na mesma base SCIE por outros doze países foi computado.
No intervalo de cinco anos entre 2010 e 2014, o SCIE registra mais de seis milhões de artigos, dos quais 11,58% são de AA. Na Índia, esta proporção é de 14,44%, colocando o país no segundo lugar no mundo, após o Brasil, que detém o maior percentual de 32,72%. No ano 2010, autores da Índia publicaram seus resultados em 479 periódicos AA de 61 países, dos quais praticamente a metade, 237, não cobrava APC. O uso de periódicos AA por pesquisadores Indianos aumentou, em 2014, para 611, e mais da metade destes cobravam APC. O valor das APCs, entretanto, não é fixo. Entre os 881 periódicos AA escolhidos pelos pesquisadores deste país para publicar seus artigos entre 2010 e 2014, 437 cobravam um valor fixo por artigo, 49 cobravam por página e apenas dois deles cobravam uma taxa de submissão.
Os pesquisadores da Índia contam com uma larga escolha de periódicos editados nacionalmente, muitos dos quais não cobram APC. De fato, mais da metade – 18.781 artigos – entre 2010-2014, foi publicado em 48 periódicos Indianos. O periódico AA com APC mais frequentemente escolhido pelos autores foi o PLoS One, que publicou 2.404 artigos que atraíram em média 7,32 citações por artigo (CPA). Como era esperado, os autores da Índia escolheram preferencialmente, entre periódicos de outros países, aqueles dos EUA e do Reino Unido. Porém, eles também publicaram em 54 periódicos do Brasil (dos quais nove cobram APC), 14 periódicos da China (dos quais cinco cobram APC) e nove periódicos do Chile (dos quais dois cobram APC).
Colaborações internacionais, principalmente com os Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha produziram quase 7 mil artigos com média de CPA 5,63. Para comparação, artigos de autores Indianos apenas atraíram em média 2,61 citações. Considerando apenas periódicos AA que cobram APC, a média de citações é maior, porém a proporção aproximada de 2:1 se mantém entre as CPA de artigos resultantes de colaboração – acima de 22 – e de autores Indianos apenas – menos de 10. De maneira geral, os artigos de autores Indianos em periódicos AA que cobram APC atraem menos citações do que a média dos artigos naqueles periódicos.
Do total de 37.078 artigos considerados no estudo, 14.293 artigos foram publicados em periódicos que praticam taxas fixas de publicação em média de US$ 1.173 por artigo. Este valor está próximo da média encontrada nos periódicos DOAJ, de US$ 964, porém está bem abaixo dos valores médios encontrados por instituições de fomento dos EUA e Europa, que praticam taxas mais altas do que periódicos de países em desenvolvimento.
O investimento da Índia em APC neste cenário, portanto, é da ordem de US$ 16,75 milhões em cinco anos, considerando apenas periódicos AA via dourada, excetuando aqueles híbridos (que são consideravelmente mais elevados) e cobrança por número de páginas publicadas (page charge). Porém, se levarmos em conta que os autores da Índia possam ter sido beneficiados por taxas reduzidas ou se as taxas, em caso de artigos de colaboração, tenham sido pagas pelas contrapartes, os autores do estudo estimam que o gasto médio pode ser reduzido para US$ 12 milhões entre 2010-2014, ou US$ 2,4 milhões por ano.
O cenário da publicação em AA hoje, de certa forma é diferente daquele projetado no início do movimento. A perspectiva era financiar as taxas de publicação iniciais para fortalecer o modelo de negócios, que “deveria cair continuamente, aproximando-se assintoticamente de zero” na concepção do cofundador da PLoS, Michael Eisen2. Não foi o que ocorreu, tendo em vista que a APC da PLoS Medicine e PLoS Biology praticamente dobrou entre 2009 e 2012. Estaríamos testemunhando uma nova ‘crise das publicações seriadas’, porém desta vez, em AA? Cameron Neylon, ex-colaborador da PLoS afirmou que “não há um mercado funcional emergindo e o (modelo de APC) pode ser o modelo econômico errado”. De fato, há grandes publishers comerciais dominando o mercado de acesso aberto, e o número deles cresce a razão de 5% ao ano. Neste cenário, o investimento da Índia em APC de US$2,4 milhões parece não tender a diminuir, pelo contrário.
Entretanto, para que alternativas ao pagamento de APC sejam bem-sucedidas é necessário o reconhecimento dos periódicos AA pelos sistemas de avaliação da ciência e recompensa. Em um universo ainda dominado por métricas baseadas em citações, os pesquisadores anseiam não apenas por publicações acessíveis, mas por aquelas que lhes conferem prestígio e reconhecimento dos pares. Muitos dos periódicos AA que incluem APCs satisfazem estes anseios, porém se a taxa de publicação da PLos Biology equivale à metade do salário de um professor assistente nos EUA, na Índia ela equivale a dois meses de salário deste profissional. Soma-se a este fato a restrição de verbas para pesquisa a nível mundial, e o pagamento das APCs por agências de fomento já não é uma solução, mas a continuidade do problema. Preocupados com a escalada dos valores de APC, editores de periódicos AA da Europa e EUA abandonaram seus postos para criar contrapartes alternativas de seus periódicos com APCs mais acessíveis. A este movimento deu-se o nome de Journal Declaration of Independence3. Associações de universidades e sociedades científicas financiaram inicialmente os novos periódicos para que pudessem publicar em AA com baixas ou nenhuma APC.
Então, quais seriam as alternativas sustentáveis para assegurar o acesso aberto aos resultados de pesquisa? Os repositórios institucionais e temática de postprint são, sem dúvida uma saída, apesar do embargo imposto pelos publishers. O PubMed Central é um bom exemplo na área biomédica. Alternativas para a publicação em AA também incluem repositórios de preprints inspirados no tradicional arXiv na área de física e matemática, como bioRxiv para ciências da vida e iniciativas similares em química, ciências sociais e psicologia inauguradas no segundo semestre de 2016.
A China, por outro lado, tem feito consideráveis avanços no campo do AA recentemente. Em 2014, a Academia de Ciências da China e a Fundação de Ciências Naturais do país elaboraram políticas de acesso aberto aos resultados de pesquisa. Dois anos depois, o repositório da Fundação incluía 135.000 artigos publicados entre 1998 e 2015 por autores de 1305 instituições. Considerando que em 2008 pouquíssimos periódicos da China eram de AA, e que hoje o país conta com centenas de repositórios integrados, trata-se de um salto considerável.
No caso da Índia especificamente, faltam, na visão dos autores do estudo, mandatos de AA por parte das agências de fomento para estimular as instituições a depositar os artigos em repositórios, bem como estimular os pesquisadores a compartilhar seus artigos publicados em periódicos por assinatura. Porém, o estudo menciona que embora com um número significativo de periódicos AA na Índia, – 337 deles inscritos no DOAJ – falta ao país uma plataforma integrada como o SciELO, capaz de imprimir visibilidade, acessibilidade e governança integrada. Segundo os autores, “com estes esforços, a América Latina se tornou um modelo acessível de publicação de periódicos em AA […] Se a Índia e a China seguirem o modelo Latino-Americano de abrigar seus periódicos em uma plataforma descentralizada e adotar o AA no máximo de periódicos possível, e promoverem a cultura dos repositórios, haverá um grande impacto em tornar a ciência aberta, não apenas nestas regiões, mas em todo o mundo”.
Notas
1. MADHAN, M., et al. Should Indian researchers pay to get their work published? ePrints@IISc. 2016. No prelo. Available from: http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Post-print_APC_paper.pdf
2. POYNDER, R. The OA Interviews: Michael Eisen, co-founder of the Public Library of Science. Open and Shut? [viewed 30 October 2016]. Available from: http://poynder.blogspot.in/2012/02/oa-interviews-michael-eisen-co-founder.html
3. Journal declarations of independence. Open Access Directory. Available from: http://oad.simmons.edu/oadwiki/Journal_declarations_of_independence
Referências
Journal declarations of independence. Open Access Directory. Available from: http://oad.simmons.edu/oadwiki/Journal_declarations_of_independence
MADHAN, M., et al. Should Indian researchers pay to get their work published? ePrints@IISc. 2016. No prelo. Available from: http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Post-print_APC_paper.pdf
MORRISON, H., et al. Open Access Article Processing Charges: DOAJ Survey May 2014. Publications. 2015, vol. 3, nº 1, pp. 1-16. DOI: 10.3390/publications3010001
POYNDER, R. The OA Interviews: Michael Eisen, co-founder of the Public Library of Science. Open and Shut? [viewed 30 October 2016]. Available from: http://poynder.blogspot.in/2012/02/oa-interviews-michael-eisen-co-founder.html
ROORYCK, J. Introducing Glossa. Glossa: a journal of general linguistics. 2016, vol. 1, nº 1, pp. 1. DOI: 10.5334/gjgl.91
SPINAK, E. O que é este tema dos preprints?. SciELO em Perspectiva. [viewed 27 November 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/11/22/o-que-e-este-tema-dos-preprints/
WANG, L.L., LIU, X.Z. and FANG, H. Investigation of the degree to which articles supported by research grants are published in open access health and life sciences journals. Scientometrics. 2015, vol. 104, nº 2, pp 511-528. DOI: 10.1007/s11192-015-1624-4
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
O que significa a sigla AA que aparece ao longo de todo o texto? “Periódicos AA”.
Prezado Marco, a sigla significa Acesso Aberto. Um abraço.
Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia:
http://blog.scielo.org/es/2016/11/29/las-tasas-de-publicacion-en-acceso-abierto-una-nueva-crisis-de-las-publicaciones-periodicas/#comment-40585
Pingback: Se não é o leitor … Parte 3: a via dourada | Linguística-UFRJ M.Carlota Rosa