Ética editorial – boas e más práticas científicas

"Mad scientist". Licenciado sob CC BY-SA 3.0 via Wikimedia Commons.

Mad scientist“. Licenciado sob CC BY-SA 3.0 via Wikimedia Commons.

Nos dias 14 e 15 de agosto, com patrocínio da FAPESP, ocorreu a III BRISPE: Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publicacion Ethics¹, com o objetivo de promover a integridade científica e a conduta responsável por parte dos pesquisadores no Brasil. Durante os dois dias do evento foram apresentadas 10 palestras sobre os temas de má conduta científica, políticas institucionais e esforços que globalmente estão sendo feitos para reduzir um problema que vem crescendo nos últimos anos. Participaram do evento vários especialistas de universidades estrangeiras de prestígio, da American Association for the Advancement of Science (AAAS), assim como do Committee on Publication Ethics(COPE).

A FAPESP apresentou no evento o Código de Boas Práticas Científicas², cujo princípio fundamental é definir que todo pesquisador deve exercer sua profissão da maneira mais apropriada para que resulte na melhor contribuição para o avanço da ciência. O manual consolida o consenso de que a comunidade científica e suas instituições devem se autorregular e estabelecer seus próprios códigos de conduta, baseados em uma estratégia de três pilares: (a) educação; (b) prevenção; (c) investigação e sanção justas e rigorosas. Para alcançar esses objetivos, as instituições devem promover regularmente atividades educativas sobre os valores e competências pertinentes à integridade ética de pesquisa.

O manual da FAPESP define (p.15) que se considera atividade científica toda atividade que vise diretamente à concepção e realização de pesquisas científicas originais, à comunicação de seus resultados, à interação científica entre pesquisadores e à orientação ou supervisão de processos de formação de pesquisadores. Essa definição se aplica às ciências exatas, naturais e humanas, assim como às disciplinas tecnológicas associadas.

A má conduta científica pode adotar muitas formas. Dentre as que se destacaram no evento podemos citar: falsificação de dados, manipulação de resultados, plágio (de texto, de ideias, de resultados), ghostwriting, publicações duplicadas (salami), conflito de interesses, manipulação de autores, etc.

Como base para o Código de Boas Práticas Científicas foram tomados como modelos os códigos de conduta e manuais de procedimentos adotados por agências internacionais de financiamento, mencionando entre outras a National Science Foundation, os National Institutes of Health dos Estados Unidos, o código de conduta dos Research Council UK, do Reino Unido, e o código de conduta da European Science Foundation.

O Código da FAPESP não trata de questões relativas à honestidade pessoal, nem à gestão de recursos financeiros, nem às ações relacionadas com a bioética como a preservação da biodiversidade, a preservação do meio ambiente e a saúde pública. O objetivo principal do Código de Boas Práticas Científicas é estabelecer diretrizes para as atividades científicas como se detalha nos capítulos 3 a 6.

O capítulo 3 do código da FAPESP analisa em detalhe a aplicação de valores fundamentais a diferentes dimensões da atividade científica, dando atenção a temas como:

– A concepção, a proposição e a realização da pesquisa (originalidade e relevância);

– A comunicação dos resultados (plágio, autoria, salami);

– Registro, conservação e acessibilidade dos dados;

– Avaliação pelos pares;

– Conflito potencial de interesses;

– Responsabilidade das tutorias.

Finalmente, os temas de responsabilidades institucionais e os procedimentos formais para a investigação de denúncias por más condutas são tratados nos capítulos que encerram o manual.

Mas o evento foi além dos temas incluídos no manual da FAPESP, pois aprofundou os temas que atualmente são motivos de reflexão em nível mundial nos países mais avançados.

Alguns desses temas, discutidos de forma aberta entre os panelistas e os mais de 80 participantes, foram:

– O que estão fazendo as universidades dos países mais avançados em pesquisa para educar os novos cientistas em valores éticos? Que estratégias estão sendo adotadas para os cursos que são dados? Eles são obrigatórios? Presenciais ou Web? E que extensão tem esses cursos? A pergunta mais importante é se esses cursos funcionam, já que os resultados ainda estão em avaliação.

– Se a educação formal em valores éticos dará os resultados esperados em diminuir a má conduta científica.

– O que fazer se se descobre que um pesquisador importante ou o reitor de uma universidade é culpado de má conduta, por exemplo, plágio, seu título de doutor é revogado? Ele pode continuar fazendo pesquisas? Pode receber prêmios? Qual é o seu futuro como pesquisador?

– Os mesmos códigos de ética serão aceitos por unanimidade em todos os países? Este é um caso interessante porque, segundo contou o Dr. Nick Steneck da Universidade de Michigan, EUA, quando se adotou o Singapore Statement on Research Integrity³ houve um item que se referia a se os cientistas deveriam decidir sobre a importância ou não de um tema para o avanço da ciência. Então a assembleia se dividiu em 2 grupos irreconciliáveis, entre os que consideraram que os cientistas devem adotar decisões comprometidas com a sociedade (concerned scientist) e os que consideraram que nada pode antecipar qual importância pode ter uma pesquisa básica realizada no presente com eventuais desenvolvimentos futuros de novos conhecimentos e tecnologias. Finalmente esse ponto não foi incluído na declaração por não conseguir obter consenso.

– Também se discutiu no evento da FAPESP sobre a conveniência da autorregulação dos códigos de ética pelas sociedades científicas, ou se deveria haver um marco básico estabelecido pelas agências governamentais que financiam a pesquisa e então adaptado por cada comunidade científica.

A reunião III BRISPE: Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publicacion Ethics, também foi oportunidade para que os comitês locais de pesquisa no Brasil coordenassem iniciativas visando a próxima reunião mundial sobre Integridade na Pesquisa, que acontecerá no próximo ano no Rio de Janeiro – 4th WCRI (World Conference on Research Integrity).

Notas

¹ III BRISPE: Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publicacion Ethics – http://www.fapesp.br/8788

² Código de Boas Práticas Científicas. Sao Paulo: FAPESP, 2014. 47p. – http://www.fapesp.br/boaspraticas/FAPESP-Codigo_de_Boas_Praticas_Cientificas_2014.pdf

³ Singapore Statement on Research Integrity, 2010 – http://www.singaporestatement.org/index.html

Referência

Código de Boas Práticas Científicas. Sao Paulo: FAPESP, 2014. 47p. Available from: http://www.fapesp.br/boaspraticas/FAPESP-Codigo_de_Boas_Praticas_Cientificas_2014.pdf

Links externos

National Science Foundation – http://www.nsf.gov/oig/resmisreg.pdf

National Institutes of Health – http://ori.hhs.gov/sites/default/files/42_cfr_parts_50_and_93_2005.pdf

Research Council, UK – http://www.rcuk.ac.uk/RCUK-prod/assets/documents/reviews/grc/goodresearchconductcode.pdf

European Science Foundation – http://www.esf.org/fileadmin/Public_documents/Publications/Code_Conduct_ResearchIntegrity.pdf

 

spinakSobre Ernesto Spinak

Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado en Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SPINAK, E. Ética editorial – boas e más práticas científicas [online]. SciELO em Perspectiva, 2014 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/09/10/etica-editorial-boas-e-mas-praticas-cientificas/

 

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