Um dos grandes dilemas para editores de revistas científicas: cobrar ou não cobrar, eis a questão!

Por Alexander W.A. Kellner, Laboratório de Sistemática e Tafonomia de Vertebrados Fósseis, Departamento de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil1

Logo do periódico Anais da Academia Brasileira de Ciências

Ano após ano, a questão da cobrança de publicações (e há várias formas de fazê-lo) continua assombrando a indústria editorial científica. A maior parte das revistas científicas de acesso aberto (OAJ) adotaram um modelo de negócio no qual autores são taxados após o aceito do artigo e pode ser registrado uma inclinação dos pesquisadores em optar por esses periódicos (e.g., Alencar & Barbosa, 20212). Também pode ser registrado um aumento de apoio por parte das agências financiadores para o pagamento dessas taxas em periódicos de acesso aberto.

Por outro lado, é cada vez mais comum o registro de dificuldades para fazer frente as despesas de publicação, sobretudo em países onde a pesquisa científica não tem um grande apoio por parte das agências governamentais. Como é de se esperar, essa situação tende a contribuir negativamente para o desnível entre o desenvolvimento da ciência nos países de economias mais frágeis. Há algum tempo, as críticas às editoras que cobram demais pelo acesso aberto a seus periódicos estão aumentando (e.g., Öchsner, 20133), assim como a discussão sobre ter artigos cuja pesquisa recebeu recursos governamentais livremente acessíveis a todos, o que tem provoca protestos contra os principais editores científicos já há algum tempo (e.g., Spiegel, 20124). A recente proposta da Nature de que os autores paguem uma taxa fixa de € 9.500 para ter seu artigo em acesso aberto indignou vários pesquisadores.

Nessa mesma linha pode-se perceber que os valores cobrados como taxas de publicação podem variar bastante, dependendo do impacto ou da forma com que o periódico se percebe no mercado editorial. Em poucos casos existem as isenções do pagamento dessas taxas (os waivers) mas, honestamente, quem os recebe e quantas vezes por ano? Essa situação faz com que tenha havido um aumento de ações dos ditos periódicos predatórios. Acho que todo mundo já recebeu algumas mensagens indesejadas, “oferecendo” a possibilidade de publicação do “seu trabalho espetacular” que você ou já publicou ou apresentou como resumo em algum congresso…

Há uma grande variedade de áreas na ciência em que os pesquisadores estão envolvidos: a cura de uma doença (são centenas de artigos para se chegar a algum avanço significativo), os efeitos de uma pandemia (abordando aspectos como economia e psicologia), a caracterização de uma nova espécie (de dinossauros a moscas), as formas de aumentar a produtividade sem perder a segurança na produção de alimentos (plantações e gado), o efeito das mudanças climáticas (que até mesmo os céticos começam a reconhecer), a interpretação de fenômenos físicos (ciência de partículas ou a informação que está sendo disponibilizada por telescópios avançados enviados do espaço), as etapas para resolver problemas matemáticos (por exemplo, geometrias euclidianas), a variedade de questões práticas que ocupam as mentes dos engenheiros (para produzir melhores pontes e edifícios em áreas sujeitas a riscos naturais) e muito mais!

Fotografia de uma nota de um dólar em uma mesa branca com sete moedas sobre a nota.

Imagem: Kenny Eliason.

Para fazer isso, precisamos estar empregados e obter subsídios para possamos perseguir os nossos sonhos científicos. E para isso, depois de ter que passar por uma educação formal que dura pelo menos uma década na qual somos mal remunerados (estágio, graduação, mestrado, doutorado e vários pós-doutorados), é preciso ser cientificamente produtivo o que tende a ser medido em publicações. Sim, não apenas a quantidade (embora essa ainda seja uma variável que todos ficam de olho na hora de avaliar um currículo), mas onde você publica e quantas citações seu trabalho recebe ao longo do tempo (de preferência, nos dois primeiros anos após o ano de publicação).

Levando tudo isso em consideração, parece estranho que um pesquisador precise pagar para publicar o resultado dos estudos que, na maioria dos casos, ele tem o maior prazer em distribuir gratuitamente. Disponibilizá-lo sem custos para outros cientistas não é o problema, mas ter que pagar para isso é! Existem variações nos pagamentos: para tornar sua descoberta totalmente gratuita desde o primeiro dia de publicação ou para disponibilizá-la após um certo período de tempo. Ou, para ter acesso a “aquele” trabalho que acabou de sair e que pode ajudar no seu estudo. Quantas vezes não enfrentamos o dilema ético de resistir para não baixar a publicação em sites onde por “ter sorte” esse trabalho pode ser obtido de graça!

Por outro lado, estão os custos de publicação dos periódicos. E precisamos deles – de que outra forma vamos deixar nossos colegas saber da grande e importante (pelo menos para nós) descoberta que acabamos de fazer? Sim, existem mídias sociais, mas, honestamente, nenhum cientista pode usar essas informações sem pensar duas vezes. Ter o resultado de um estudo publicado em periódicos credenciados (excluindo as publicações predatórias) é a única maneira confiável que um cientista tem em usar os dados em seu próprio trabalho. Sim, existem retratações de estudos mesmo em revistas de repercussão, o que tem gerado grande preocupação, mas o fato é que precisamos de um sistema que nos deixe confortáveis de que as informações que estamos obtendo tenham um mínimo de chance de serem confiáveis. E há custos para isso.

Recentemente, tive minha cota de “realpolitik” quando se trata de publicações! Em uma revista que cobra pela publicação, um de meus alunos enviou sua pesquisa pedindo uma dispensa. A revista não respondeu ao seu pedido, enviou o artigo para o processo tradicional de revisão e, após a aceitação, quando o artigo já tinha até data de publicação, começou a nos enviar uma cobrança (bem salgada!). Tentamos explicar a situação e, antes que percebêssemos, a revista simplesmente publicou o trabalho, sem nos avisar! Nem mesmo tivemos a oportunidade (ou seria cortesia?) de receber uma prova de prelo para revisão, o que em todos os meus anos (e olha que tenho muitos!) nunca havia acontecido. E a cereja do bolo: sem qualquer informação ou aviso, houve a exclusão de todos os agradecimentos a respeito de financiamentos, inclusive o da bolsa de mestrado que meu aluno recebeu! Agora a conta, esta continuou a ser enviada por algum tempo… É um periódico famoso, que, ironicamente, surgiu “por contra as altas taxas cobradas por outros”. Quanto custaria em nos enviar uma prova de prelo? E o fato de não podermos pagar taxas de publicação autoriza aos editores dessa revista a excluir o reconhecimento de uma bolsa de mestrado? Definitivamente, em nenhum ângulo consigo ver que esse é o caminho certo a seguir.

Embora o sentimento geral seja de que revistas totalmente gratuitas estão à beira da extinção (aliás, eu estudo dinossauros), seria de se imaginar que esses periódicos seriam os preferidos e apreciadas pelos cientistas para submeter o resultado de suas pesquisas de melhor qualidade. Porém, não tenho certeza se isso está acontecendo. Considerando os Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC), único periódico multidisciplinar de natureza ampla editado no Brasil, uma pesquisa5 mostrou que um grande percentual (~20%) dos artigos publicados não recebeu nenhuma citação nos dois anos seguintes ao ano de publicação, que é o principal índice bibliométrico para periódicos. Evidentemente que não haver custos de publicação não é apenas a única – talvez nem o mais determinante – consideração que é feita pelos autores na tomada de decisão para onde eles submetem os melhores resultados de suas pesquisas.

Mas fica a pergunta: o fato de uma revista não cobrar para publicar não incentivaria alguns autores a submeterem trabalhos, digamos, menos importantes, principalmente no atual cenário científico em um volume maior de publicações pode ser vantajoso para progredir na carreira? Não conheço estudos sobre a influência de periódicos pagos ou não pagos em relação à qualidade da pesquisa que publicam, mas seria interessante aprofundar essa discussão. Certamente, uma análise mais criteriosa dos editores e revisores poderia eliminar aqueles artigos com menor potencial de impacto, o que reconhecidamente é algo bastante problemático, mas que precisa ser enfrentado. É importante dar algumas reflexões a essas perguntas.

Notas

1. Este post foi baseado no editorial publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciência. KELLNER, A.W.A. To charge or not to charge, that is the question! Anais da Academia Brasileira de Ciências [online]. 2023, vol. 95, no. 2, e2023952 [viewed 31 Oct 2023]. https://doi.org/10.1590/0001-37652023952. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/gbbdkh7XFbW83fQ9p8h5QSP

2. ALENCAR, B.N. and BARBOSA, M.C. Open Access Publications with Article Processing Charge (APC) Payment: a Brazilian Scenario Analysis. Anais da Academia Brasileira de Ciências [online]. 2021, vol. 93, no. 4, e20201984 [viewed 31 Oct 2023]. https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201984. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/C8YsPHnVCpWK8VKqH3mgJSR/

3. ÖCHSNER A. 2013. Publishing Companies, Publishing Fees, and Open Access Journals. In: ÖCHSNER A (ed.) Introduction to Scientific Publishing [viewed 31 Oct 2023]. Springer: Berlin; Heidelberg, 2013. https://doi.org/10.1007/978-3-642-38646-6_4. Available from: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-642-38646-6_4

4. EU will Forschungserbenisse frei zugänglich machen [online]. Spiegel Wissenschaft. 2012 [viewed 31 Oct 2023]. Available from: https://www.spiegel.de/wissenschaft/mensch/open-access-eu-will-forschungsergebnisse-fuer-jeden-zugaenglich-machen-a-844973.html

5. KELLNER, A.W.A. Brief comments on the 2020 Impact Factor of the AABC released by Journal Citation Reports. Anais da Academia Brasileira de Ciências [online]. 2021, vol. 93, no. 4, e2021934, ISSN: 0001-3765. https://doi.org/10.1590/0001-376520212021934. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/nQYjLhNW9bGCV8hxKMMqdjj/

Referências

ALENCAR, B.N. and BARBOSA, M.C. Open Access Publications with Article Processing Charge (APC) Payment: a Brazilian Scenario Analysis. Anais da Academia Brasileira de Ciências [online]. 2021, vol. 93, no. 4, e20201984 [viewed 31 Oct 2023]. https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201984. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/C8YsPHnVCpWK8VKqH3mgJSR/

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Para ler o artigo, acesse

KELLNER, A.W.A. To charge or not to charge, that is the question! Anais da Academia Brasileira de Ciências [online]. 2023, vol. 95, no. 2, e2023952 [viewed 31 Oct 2023]. https://doi.org/10.1590/0001-37652023952. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/gbbdkh7XFbW83fQ9p8h5QSP

 

Sobre Alexander W.A. Kellner

Alexander W.A. Kellner

Professor Titular e membro da Academia Brasileira de Ciências, é editor chefe dos AABC. Realizou doutorado na Columbia University (Nova York) e atua no Museu Nacional/UFRJ, para qual foi eleito diretor (2018-2022). Desenvolve pesquisas na área de paleontologia, em especial a evolução e diversificação de répteis fósseis, sobretudo dinossauros e pterossauros (vertebrados alados). Além de diferentes regiões brasileiras, realizou atividades de campo em países como Antártica, Irã, China, Argentina e Chile.

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Alexander W.A. Kellner

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

KELLNER, A.W.A. Um dos grandes dilemas para editores de revistas científicas: cobrar ou não cobrar, eis a questão! [online]. SciELO em Perspectiva, 2023 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2023/10/31/um-dos-grandes-dilemas-para-editores-de-revistas-cientificas-cobrar-ou-nao-cobrar-eis-a-questao/

 

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