Alguns comentários sobre avaliação por pares e preprints [Publicado originalmente no editorial do vol. 118 nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz]

Por Adeilton Brandão, Editor-Chefe das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz

Montagem. Foto de um data center, um corredor com máquinas que ocupam a parede e que processam sistemas de computador. Na frente, uma ilustração vetorial de um microscópio e uma cruz atrás. Um círculo trançado ao redor dos dois. Na parte superior, o logo do periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Na parte inferior, o texto: Revisão por pares x Preprint.

Imagem: Memórias do Instituto Oswaldo Cruz.

Em 2013, a comunidade de pesquisa biomédica presenciou o nascimento de seu primeiro servidor de preprints, bioRxiv. Desde então, temos testemunhado tanto o crescimento de repositórios dedicados à publicação rápida de artigos científicos não avaliados pelos pares (artigos preprint) quanto a mudança de opinião da comunidade sobre os benefícios (e riscos!) da imediata publicação de resultados de pesquisa. Trata-se de um novo cenário para pesquisadores biomédicos e biológicos, mas não para a comunidade de pesquisa em física, cuja física em arXiv vem publicando preprints desde 1991.

Diante dos desafios atuais, podemos dizer que a publicação científica vive hoje sob a “disrupção dos preprints”! Certamente, o ambiente editorial científico não é o mesmo que vimos no alvorecer do século XXI. Os editores científicos devem agora pensar em duas coisas: (i) um novo conceito de “publicação de artigos” e (ii) como avaliar adequadamente (e de forma inovadora) a contribuição que estes artigos recém-lançados podem trazer para a sociedade.

As origens do artigo científico remontam ao século XVII, com a criação do Journal de Savants e do Philsophical Transactions of the Royal Society, ambos em 1665. Os cientistas enviavam cartas a estes periódicos comunicando os resultados de suas pesquisas, e ao longo dos séculos as cartas evoluíram para um formato padrão que hoje chamamos de “artigo científico”. Embora o artigo científico atual seja muito diferente da primeira “carta” publicada pelo Phil. Trans. Royal. Soc. em 1665, em termos de mensagem e escopo, permanece essencialmente o mesmo objeto: um relato relativamente breve de procedimentos e conjuntos de dados baseados no “método científico” que revelam, descrevem e explicam os fenômenos naturais.

A divulgação científica por meio da “edição e publicação de artigos” passa a ser alicerçada na “avaliação por pares”, procedimento que tem por objetivo corrigir e aprimorar os artigos submetidos por meio da leitura crítica de outros cientistas. Espera-se que a avaliação por pares externa assegure a credibilidade da pesquisa, a veracidade do registro científico e o apoio da sociedade. A avalição por pares não foi praticada por todos os periódicos até a segunda metade do século XX? por exemplo, diz-se que o periódico Nature começou a usar a avaliação por pares apenas no início da década de 1970, ver Baldwin.1 Supõe-se que na virada do século 21 nenhum periódico poderia ser levado a sério se a “avaliação por pares” não fosse incluída em sua prática editorial. Portanto, a avaliação por pares é considerada o critério fundamental para considerar um manuscrito como sendo finalmente
“publicado” e “validado” como transmissor de evidência científica.

Embora a maioria dos artigos submetidos à avaliação por pares obtenha melhorias que os tornem “prontos” para leitura pública, ou seja, tornam-se “publicáveis”, a revisão externa não impede que artigos “não apropriados” cheguem ao fim do processo de publicação científica. Hoje em dia existem tantos periódicos que, nas palavras do nosso ex-Editor Hooman Momen, “…um pesquisador só não publica se não quiser!” Portanto, estaria a avaliação por pares em seu formato atual atingindo um nível de saturação? Muitos artigos sendo submetidos a periódicos que recebem cada vez menos pesquisadores especializados na área para revisá-los. O resultado é um sistema de controle de qualidade que, apesar de ser elogiado como o “pilar de credibilidade” de toda a ciência, não funciona de forma eficiente para todos os artigos publicados. Assim, se a avaliação por pares padrão não está funcionando em sua plenitude, por que deveria ser vista como indispensável em seu formato atual (anônima, fechada, ignorando o poder da tecnologia digital)? Por enquanto, não há substituto para este sistema de verificação! É o único método que os editores científicos têm para ajudá-los a selecionar artigos relevantes para seus periódicos e leitores.

Para lidar com esta limitação, os editores científicos deveriam considerar o roteiro fornecido pela ciência aberta. Leitura crítica, sugestão de melhorias e sinais de alerta em manuscritos depositados em repositórios abertos são ações que todo cientista deveria fazer naturalmente independente de convite formal de um editor para “avaliação por pares”. Certamente, este ato de “autorregulação” dos cientistas reduzirá a carga no sistema formal de avaliação por pares (por exemplo, avaliação por pares a convite de periódicos). É claro que uma grande mudança deverá ocorrer no atual sistema acadêmico de recompensas e incentivos para que os cientistas sigam publicando, além de revisar o trabalho de outros pesquisadores.

Para ajudar a acelerar estas mudanças, os editores científicos podem tomar algumas ações para melhorar o sistema de publicação de artigos e avaliação por pares:

a) Priorizar submissões já disponíveis em servidores de preprints;

b) Iniciar a prática de “avaliação por pares aberta e não anônima de todos os artigos submetidos”.

A motivação para a ação (a) reside no fato de que a divulgação (e leitura) imediata de artigos científicos atingiu um “caminho irreversível” e os periódicos perderam o “controle monopolista” de divulgador em primeira mão de evidência científica.

A ação (b) é óbvia do ponto de vista da ciência aberta: os leitores devem saber quem avaliou aquele manuscrito, quais mudanças os pareceristas sugeriram, quais (e porque) experimentos e dados adicionais eles solicitaram aos autores e como o Editor administrou esta conversa “parecerista-autor”. Em alguns casos, as conversas entre autores, pareceristas e Editores são tão interessantes quanto o próprio artigo! O ato de abrir a conversa atualmente fechada durante a avaliação por pares pode ser visto como um complemento para consolidar a liberação imediata dos resultados de pesquisa por meio de servidores de preprint. Não há mais razão para restringir esta conversa dos leitores se eles também puderem conversar com os autores de um artigo já em formato preprint (embora não haja evidências de que esta conversa esteja realmente acontecendo agora!).

As ações acima funcionam como formas de verificação e devem ajudar a fortalecer o sistema de avaliação por pares como o principal pilar da credibilidade da ciência, bem como aperfeiçoar a comunicação da pesquisa!

Leia o press release em

JURBERG, C. Preprints e avaliação aberta são possibilidades eficientes para a publicação de artigos [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed 19 July 2023]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/07/04/preprints-e-avaliacao-aberta-sao-possibilidades-eficientes-para-a-publicacao-de-artigos/

Nota

1. BALDWIN, M. Credibility, peer review, and Nature, 1945-1990. Notes Rec R Soc Lond. 2015, vol. 69, no. 3, pp. 337-352 [viewed in 19 July 2012]. https://doi.org/10.1098/rsnr.2015.0029. Available from: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsnr.2015.0029

Referência

BALDWIN, M. Credibility, peer review, and Nature, 1945-1990. Notes Rec R Soc Lond. 2015, vol. 69, no. 3, pp. 337-352 [viewed in 19 July 2012]. https://doi.org/10.1098/rsnr.2015.0029. Available from: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsnr.2015.0029

JURBERG, C. Preprints e avaliação aberta são possibilidades eficientes para a publicação de artigos [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed 19 July 2023]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/07/04/preprints-e-avaliacao-aberta-sao-possibilidades-eficientes-para-a-publicacao-de-artigos/

Links externos

arXiv: https://arxiv.org/

bioRxiv: https://www.biorxiv.org/

 

Artigo original em inglês

https://doi.org/10.1590/0074-02760230001

 

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BRANDÃO, A. Alguns comentários sobre avaliação por pares e preprints [Publicado originalmente no editorial do vol. 118 nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz] [online]. SciELO em Perspectiva, 2023 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2023/07/19/alguns-comentarios-sobre-avaliacao-por-pares-e-preprints/

 

2 Thoughts on “Alguns comentários sobre avaliação por pares e preprints [Publicado originalmente no editorial do vol. 118 nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz]

  1. Arthur on August 11, 2023 at 11:52 said:

    Onde eu acho uma lista das preprints da SciELO?

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