Por Andrew Plume e Daphne van Weijen
“Publicar ou perecer” (Publish or perish) é uma frase comum usada para descrever a pressão que pesquisadores enfrentam para publicar seus resultados de pesquisa, a fim de permanecer relevante e ser bem sucedido no seio da comunidade acadêmica. O termo tem sido usado há muito tempo embora a origem da frase seja um tanto obscura. Alguns pesquisadores atribuem a frase a Kimball C. Atwood III, que se diz ter cunhado a expressão em 1950. Um artigo de 1996 por Eugene Garfield¹ situa a frase para ao menos 1942, enquanto de acordo com a Wikipédia², o termo teria sido usado até mesmo antes, em um livro de não acadêmico em 1932 por Harold Jefferson Coolidge³. O fenômeno tornou-se, ele próprio, um tema de pesquisa acadêmica, uma vez que uma busca pela frase em Scopus recupera 305 documentos publicados sobre o tema de 1962 até o presente. Em média, mais de 20 artigos por ano foram publicados sobre o tema ao longo dos últimos cinco anos (2009-2013), com 37 artigos publicados somente em 2013. No entanto, parece claro que os pesquisadores sofrem deste fenômeno em escala crescente.
Uma crença comum é que, como decorrência do aumento da cultura “publicar ou perecer”, e para ser bem sucedido na academia, cada pesquisador está publicando mais e mais artigos a cada ano. Mas seria verdade? Seriam pesquisadores publicando mais artigos de autoria única ou participando como coautor de mais artigos? Um dos primeiros estudos encontrados em nossa busca bibliográfica que tentaram responder a esta pergunta, de autoria de F.P. De Villiers, foi publicado em 1984 e enfocou as mudanças de autoria no South African Medical Journal de 1971 a 1982. Os resultados do estudo indicaram que:
o número médio de autores por artigo aumentou de 1,77 em 1971, para 2,35 em 1982, enquanto que a proporção de artigos com apenas um autor diminuiu de 60,8% para 40,8% no mesmo período. As possíveis razões para isso são mencionadas, das quais a pressão para publicar pode não ser a menor.
Embora isso pareça intuitivamente plausível, estes resultados foram restritos a artigos publicados em um periódico, e em apenas uma área de pesquisa, cerca de 30 a 40 anos atrás. Desde então, temos visto um aumento de artigos de autoria de um número extremamente grande de pesquisadores, principalmente os artigos da colaboração ATLAS publicados em 2008 (2.926 autores) e 2012 (3.171 autores) e um artigo da Nature em Sequenciamento e Análise Iniciais do Genoma Humano pelo Consorcio Internacional Genoma Humano, com cerca de 2.900 autores publicados em 2009. Mas a questão que permanece é como pesquisadores estão atualmente lidando com o aumento da pressão para publicar. Em outras palavras, pesquisadores individuais estão realmente escrevendo mais artigos a cada ano, ou existem apenas mais autores que escrevem de forma mais colaborativa? Para responder a esta questão coletamos na base Scopus os dados de tendência para o período 2003-2013 e verificamos características diferentes de padrões de autoria ao longo do tempo; simplesmente contamos o número de artigos (artigos, revisões e artigos de conferências), publicados a cada ano e a contagem de autorias e nomes de autores únicos associados a estes. Aqui usamos o termo “autorias” (“authorships”) para definir a ocorrência de um indivíduo em um artigo, ao passo que o conceito de “autor único” (“unique authors”) reflete um indivíduo que já apareceu em um ou mais artigos em um determinado período (aqui um único ano).
Principais achados
Os resultados de nossa análise mostram que houve um crescimento consistente do número de artigos publicados nos últimos dez anos; de 1,3 milhões em 2003 para 2,4 milhões em 2013 (ver Figura 1). Ao mesmo tempo, o número de autorias tem aumentado a uma taxa muito maior, de 4,6 milhões em 2003 para 10 milhões em 2013.
Nos últimos dez anos ou mais, o número de autorias por autor único (2,31 em 2013) aumentou, enquanto que o número de artigos por autor original (0,56 em 2013) diminuiu (ver Figura 2), enquanto o número total de artigos publicados por ano aumentou (veja a Figura 1). Ao mesmo tempo, o número médio de autorias por artigo aumentou de 3,5 para 4,15 autores no período de 2003 a 2013, o que sugere que os autores estão colaborando e participando como coautores muito mais agora do que há 10 anos. (Ao mesmo tempo, o percentual de artigos assinados por um único autor diminuiu de 20% em 2003 para 13% em 2013; dados não mostrados).
Em outras palavras, o número de autorias por artigo está crescendo: há 10 anos, um artigo tinha, em média, 3,5 autores, agora tem mais de 4 autores. Este aumento da ‘autoria fracionada’ (a reivindicação de crédito pela autoria de um artigo publicado por mais de uma pessoa) é provavelmente impulsionado pela colaboração na pesquisa, e é um mecanismo eficiente pelo qual cada autor pode aumentar a sua produtividade aparente a partir das mesmas contribuições da pesquisa subjacente (ou seja, artigos por autor único) de 0,56 artigos por autor único por ano.
Isto significa que um único autor pode produzir um artigo de autoria única de dois em dois anos, ou um artigo em coautoria com outro autor a cada ano. Agora, com o surgimento da ‘autoria fracionada’ ou contribuições fracionárias em artigos, estamos vendo que a maneira com a qual os autores estão usando essa capacidade de meio artigo por ano está mudando. Um determinado autor pode alcançar este resultado aparecendo como nono autor em cinco diferentes artigos (5 x 0,1 autorias por artigo), em vez de atuar como segundo coautor em dois artigos de 4 autores por ano (2 x 0,25 autorias por artigo).
Estas descobertas corroboram observações anteriores⁴, em que os aumentos de autorias por artigo (de 1,9% da média anual da taxa de crescimento no período 1980-2002), autorias por único autor (de 1,2%) foram contrastados por um declínio no úmero de artigo por autor único (em 0,7%). Nos dados atuais, as taxas comparáveis são de 1,8%, 0,9% e -0,8%; sugerindo a continuação de uma tendência de longo prazo que remonta não apenas há uma década, mas pelo menos a três.
Estas conclusões são confirmadas por pesquisas em diversas áreas do conhecimento, incluindo engenharia de software, onde o número médio de autores por artigo cresceu, em média, de 0,4 autores por década entre 1970 e 2012, e cirurgia pediátrica, que testemunhou um aumento marcante de artigos assinados por seis ou mais autores e também de artigos multinacionais.
Se cada autor ativo não está aumentando sua produção fracionada de artigos a cada ano, o que está impulsionando o aumento de volume observado em resultados de pesquisa a nível mundial? Aqui, a resposta é muito simples – a força de trabalho de pesquisa está crescendo ano-a-ano a uma taxa semelhante ao volume de produção de artigos (em cerca de 3-4% ao ano; dados não mostrados), e assim, os autores ingressantes na pesquisa são responsável pela criação de novos conhecimentos que eventualmente será publicada na literatura revisada por pares.
Conclusão
Apesar de opiniões em contrário, estes dados sugerem que não houve aumento aparente da produtividade global por autor ativo ao longo da última década. Em vez disso, os autores estão usando seu potencial de autoria de forma mais sábia, tornando-se mais colaborativos de forma que seu trabalho, que está induzindo aparente inflação da produtividade de cada autor, bem como da autoria. Em vez disso, a razão subjacente do aumento do volume de artigos publicados é simplesmente a introdução de novos autores / autores no mercado. Isso não é surpreendente, já que a população total de pesquisadores em todo o mundo continua a crescer a cada ano, e eles se tornam cada vez mais sujeitos ao princípio de “publicar ou perecer”, e assim o ciclo se perpetua.
Notas
¹ GARFIELD, E. “What Is The Primordial Reference For The Phrase ‘Publish Or Perish’?”. The Scientist. 1996, vol. 10, nº 12. Available from: http://www.garfield.library.upenn.edu/commentaries/tsv10%2812%29p11y19960610.pdf
² Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Publish_or_perish
³ COOLIDGE, H. J. Archibald Cary Coolidge: Life and Letters. 1932, p. 308 (source: Wikipedia).
⁴ MOED, H.F. Citation Analysis in Research Evaluation. Dordrecht (Netherlands): Springer. 2005. ISBN 1-4020-3713-9, 346 p.
Referências
Did you know… “Publish or perish” has been worrying researchers for 60 years? Research Trends. 2010, nº 16. Available from: http://www.researchtrends.com/category/issue16-march-2010/
SOJKA, R.E., and MAYLAND, H.F. Driving Science With One Eye On the Peer Review Mirror. 1991.
DE VILLIERS, F.P. South African Medical Journal. 1984, vol. 66, nº 23, pp. 882-883.
The ATLAS Collaboration, et al. JINST 3 S08003. 2008. doi:10.1088/1748-0221/3/08/S08003. Available from: http://iopscience.iop.org/1748-0221/3/08/S08003/
The ATLAS Collaboration, et al. Observation of a new particle in the search for the Standard Model Higgs boson with the ATLAS detector at the LHC. Physics Letters B. 2012, vol. 716, nº 1, pp. 1–29. DOI: 10.1016/j.physletb.2012.08.020
International Human Genome Sequencing Consortium. Initial sequencing and analysis of the human genome. Nature. 2009, vol. 412, nº 565. Available from: http://www.nature.com/nature/journal/v412/n6846/extref/412565aa.html
FERNANDES, J.M. Authorship trends in software engineering. SCIENTOMETRICS. 2014. DOI 10.1007/s11192-014-1331-6.
PINTER, A. Changing Authorship Patterns and Publishing Habits in the European Journal of Pediatric Surgery: A 10-Year Analysis. European Journal of Pediatric Surgery. 2014. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24918399. [Epub ahead of print].
Link externo
Scopus – http://www.scopus.com/
Artigo original em inglês
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Artigo interessante, embora não exatamente novo. Mas acho que uma frase da conclusão mereceria maior discussão: “os autores estão usando seu potencial de autoria de forma mais sábia”.
Mais sábia ou mais expediente?
Kenneth
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