“No mês de dezembro passado a Elsevier enviou milhares de e-mails a repositórios de artigos de publicações científicas solicitando que estes artigos fossem removidos, amparada nos direitos de autor que lhes confere a Digital Millennium Copyright Act (DMCA). Isso gerou um estado de alarme entre a comunidade acadêmica, porque poderia ser o inicio de ações similares por parte do sistema editorial comercial”. (SciELO em perspectiva 2014)
Com este parágrafo começamos o post publicado há poucos dias neste blog. O alarme se tornou público em princípios de janeiro devido a um artigo publicado no The Economist, onde se informava que a Elsevier enviou estas mensagens tanto à Academia.edu como a varias prestigiosas universidades norte-americanas e canadenses, o que iniciou na rede um ativo debate sobre que direitos tem o autor sobre as diferentes versões ou revisões de seu artigo científico.
Por exemplo, Kevin Smith, da Duke University, publicou em seu blog¹ que não é correto, como muitos defensores do Acesso Aberto (AA) supõe que os autores apenas transfiram os direitos da versão final do artigo. Segundo Kevin Smith (2014), “Each version is a revision of the original, and the copyright is the same for all these derivatives. When copyright is transferred to a publisher, the rights in the entire set of versions, as derivatives of one another, are included in the transfer“². (devemos esclarecer que Kevin Smith se apresenta como defensor do AA). Pareceria ser que muitas pessoas opinam de maneira similar, pois o artigo publicado no The Economist gerou nas primeiras duas semanas de publicado mais de 1.200 Social Shares, quase 60 recomendações dos leitores.
Kevin Smith agrega em sua nota, que é bem sabido que os autores, sob a licença da Elsevier, podem depositar em um site a versão final de seu artigo logo após o processo de revisão, porém não a versão publicada no periódico que contém os melhores editoriais de formato adicionados pelo editor. E este conceito nem sempre é compreendido pelos acadêmicos, pois não percebem a diferença que existe entre ambas as versões. O erro de conceito é pensar que a transferência de direitos por parte do autor apenas cobre a versão final do artigo, o que não é assim, pois o copyright inclui qualquer obra derivada que seja “substancialmente similar”. Como exemplo, afirma, se se toma um desenho, um quadro ou uma tabela de uma obra publicada e se fizer um pouco de redesenho isso não alteraria o copyright original. Quando se transfere o copyright ao editor, se transfere o conjunto completo de todas as versões, assim como as obras derivadas. Os autores só podem usar seus post-prints em situações específicas, quando tem o direito de fazê-lo por tê-lo incluído no contrato de publicação. Muitos editores permitem a difusão das versões finais, mas de forma limitada, por exemplo, em Websites próprios, em repositórios pessoais, e nestes casos, somente depois de um período de embargo.
A implicação importante de tudo isso, afirma Kevin Smith, é que os acadêmicos poderiam simplesmente recusar-se a transferir seus direitos ou deveriam negociar os termos exatos do contrato, transferindo alguns direitos e retendo outros.
A lição mais importante deste artigo publicado no The Economist, é que os contratos de publicação são extremadamente importantes. Antes da transferência o autor tem muita força para negociar o acordo, mas depois de assinar tem pouca força. Finalmente, conclui a nota de seu blog, que esta tática da Elsevier pode ser contraproducente, pois em sua atitude desesperada em deter o movimento de AA, está tomando más decisões.
Porém nem todos opinam como Kevin Smith a respeito de se os direitos aplicam às diferentes versões. Richard Poynder, na mesma semana apresentou em seu blog Open & Shut uma entrevista a Charles Oppenheim sobre este tema, que logo foi comentada por Steven Harnad. Richard Poynder é um especialista do Reino Unido, referencia internacional sobre direitos de autor e AA, que trabalhou desde o início com Steven Harnad, Richard Stallman, Lawrence Lessig, e outras figuras líderes do movimento de AA. Seu blog, Open & Shut é uma referencia obrigatória para os interessados no tema.
Poynder afirma que se a tese de Kevin Smith estiver correta, teria efeitos importantes para o AA, incluindo a Via Verde, e então introduz uma entrevista a Charles Oppenheim, um especialista em direitos de autor do Reino Unido que trabalhou frequentemente com Steven Harnad em prol do AA. De acordo com Oppenheim, os defensores do AA estão certos em acreditar que a cessão de direitos é somente sobre a versão final, razão pela qual os autores preservam os direitos das versões anteriores; essa interpretação se aplica tanto para o Reino Unido como a legislação da Comunidade Europeia, portanto os autores tem direito de publicar suas versões anteriores na Web.
Para entender melhor as diferentes variantes que se apresentam para que o autor possa publicar em repositórios, ele recomenda ver o que chama a “solução Harnad-Oppenheim”, apresentada em forma de slides há mais de 10 anos atrás (em particular veja o slide n°7). Se bem que, reconhece Oppenheim, é possível perguntar por que alguém queira ver versões prévias de um trabalho quando existe uma versão definitiva através do editor, a mensagem é que, de qualquer forma, nenhum editor sugeriu que a solução fosse ilegal.
Oppenheim recomenda a seguinte estratégia por níveis na hora de publicar:
- Ofereça o artigo somente a um periódico AA;
- Ofereça o artigo a um periódico por assinatura que aceite que o que se assina é somente uma licença para publicar, e o autor retenha os direitos de publicá-lo em um repositório, possivelmente após um período de embargo;
- Ofereça o artigo a um periódico por assinatura, que nominalmente requeira assinatura, mas que está disposta a negociar outras condições se você insistir;
- Estar de acordo em ceder os direitos de autor ao editor, e logo usar a solução Harnad-Oppenheim;
- Estar de acordo em ceder os direitos de autor e não fazer nada mais.
A entrevista de Oppenheim é comentada por Steven Harnad no blog³ de Poynder e os comentários agregam varias notas interessantes, das quais selecionamos as seguintes:
- Sessenta por cento das revistas (incluindo Elsevier) estabelecem formalmente no acordo de direitos de autor que os autores retenham os direitos de oferecer em AA (Via verde) as versões finais, arbitradas, revisadas e aceitas para publicação, imediatamente, sem período de embargo, para auto arquivamento em seus repositórios institucionais.
- A solicitação enviada pela Elsevier para retirar os artigos não se aplica à versão final do autor, mas apenas à versão do registro que está depositada em sites de terceiros, tais como Academia.edu, já que a Elsevier não se preocupa sobre qual é a versão, porém o lugar onde estão depositadas.
- Os artigos publicados em 60% dos periódicos nos que os autores retém formalmente os direitos de auto arquivamento em Via verde, sem período de embargo, podem ser disponibilizados em AA em forma imediata em seus repositórios institucionais.
- Os artigos publicados nos outros 40% dos periódicos que tem embargo formal ao AA, se os autores desejam respeitar o embargo do editor, a versão final, arbitrada, revisada e aceita poderia também ser depositado em forma imediata no repositório institucional, com acesso restrito durante o período de embargo, dando acesso ao resumo a todos os usuários, e o texto completo somente ao autor. Nestes casos, Harnad sugere agregar um botão de solicitação de e-print, que o autor poderá cumprir atendendo aos pedidos caso a caso via e-mail.
Da mesma forma que em nosso post anterior⁴ pensamos que seguramente uma quantidade crescente de pesquisadores estará começando a refletir se o sistema tradicional herdado da publicação em papel não é mais um obstáculo que uma ajuda à pesquisa, e em última instância se companhias como a Elsevier são de alguma maneira necessárias, e finalmente se a solução que o SciELO promove há 15 anos, da mesma forma que muitas iniciativas similares em todo o mundo, não seria mais apropriada.
Nota
¹ Duke University Libraries – http://blogs.library.duke.edu/scholcomm/2014/01/28/setting-the-record-straight-about-elsevier/
² “Cada versão é uma revisão do original, e o direito de autor é o mesmo para todos os derivados. Quando se transferem os direitos de autor a um editor, se transferem os de todo o conjunto de versões, como derivados umas de outras” (tradução do autor)
³ Oppen Access Archivangelism – http://openaccess.eprints.org/
⁴ O contra-ataque dos gigantes – Elsevier saiu à caça de autores – https://blog.scielo.org/blog/2014/02/06/o-contra-ataque-dos-gigantes-elsevier-saiu-a-caca-de-autores/>.
Referencias
Academic publishing: No peeking…A publishing giant goes after the authors of its journals’ papers. The Economist. [viewed 11 January 2014]. Available from: <http://www.economist.com/news/science-and-technology/21593408-publishing-giant-goes-after-authors-its-journals-papers-no-peeking>.
Guest Post: Charles Oppenheim on who owns the rights to scholarly articles. Open & Shut? [viewed 04 February 2014]. Available from: <http://poynder.blogspot.co.uk/2014/02/guest-post-charles-oppenheim-on-who.html>.
HARNAD, S. Digital Formality & Digital Reality. Comment on: Guest Post: Charles Oppenheim on who owns the rights to scholarly articles. [viewed 05 February 2014]. Available from: <http://openaccess.eprints.org/>.
HARNAD, S., and OPPENHEIM, C. How to get around restrictive copyright legally. Resolving the Anomaly (slide presentation). (200?). Available from: <http://users.ecs.soton.ac.uk/harnad/Tp/2-Resolving-the-Anomaly/sld007.htm
http://blogs.library.duke.edu/scholcomm/2014/01/28/setting-the-record-straight-about-elsevier/>.
O contra-ataque dos gigantes – Elsevier saiu à caça de autores. SciELO emPerspectiva. [viewed 08 February 2014]. Available from: <https://blog.scielo.org/blog/2014/02/06/o-contra-ataque-dos-gigantes-elsevier-saiu-a-caca-de-autores/>.
SMITH, K. Duke University.Setting the record straight about Elsevier.[viewed 28 January 2014. In Authors’ Rights, Copyright Issues and Legislation, Scholarly Publishing. Available from: http://blogs.library.duke.edu/scholcomm/2014/01/28/setting-the-record-straight-about-elsevier/>.
Link externo
Open & Shut – http://richardpoynder.co.uk/index.html
Sobre Ernesto Spinak
Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado en Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.
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