A edição número 35 da newsletter Research Trends, editada pela Elsevier traz uma visão geral sobre o progresso da ciência em países em desenvolvimento nos cinco continentes, revelando como os países estão amadurecendo cientificamente, vencendo barreiras econômicas, culturais e de idioma para desenvolver projetos científicos de qualidade, e de que forma este amadurecimento se reflita no seu desenvolvimento econômico e social. Analisaremos aqui em detalhes o post de Sarah Huggett¹, que trata da “análise bibliométrica da produção científica dos países em desenvolvimento”. Os dados foram coletados na base Scopus, base de dados bibliométricos do publisher multinacional Elsevier.
O que significa “país em desenvolvimento”
De acordo com o Dicionário Oxford da língua inglesa, o mundo em desenvolvimento consiste de “países pobres e não totalmente industrializados, que buscam tornar-se mais econômica e tecnicamente avançados”2. Apesar de haver algumas controvérsias sobre o uso do termo, este é largamente utilizado em todo o mundo e neste artigo, em particular, ele se refere aos países que historicamente não investiram recursos suficientes em pesquisa e comunicação científica3. Para o propósito desta avaliação, a lista de países utilizada deriva da análise Econômica Mundial do Fundo Monetário Internacional de abril de 20134. Para efeito de cálculos de número de publicações na base Scopus, artigos de coautoria entre autores de países em desenvolvimento e países desenvolvidos contam como produção de ambos os grupos.
Dados bibliométricos recentes do mundo em desenvolvimento
Os países em desenvolvimento vêm aumentando constantemente sua participação na publicação científica mundial em termos absolutos e relativos. Em 2002, a produção científica destes países correspondia a apenas 15% da produção mundial, enquanto que em 2011, este percentual sobe para pouco menos de 40%. O crescimento anual da produção científica (CAPC) destes países é de 15%, enquanto que o CAPC global é de 6%.
Dentre as regiões em desenvolvimento que mais se destacaram na última década em publicação científica está a Ásia. A China lidera o crescimento da região. Responsável por 25,1% das publicações do mundo em desenvolvimento em 2002 saltou para impressionantes 43,9% em 2011, representando um impressivo CAPC de 15%. Os três países mais produtivos a seguir são representados pelo grupo BRIC, onde a Índia responde por 9.9% da produção em 2011 e um sólido CAPC de 14%, o Brasil com 5,7% e índice de crescimento anual de 13%, e finalmente a Rússia com 4,5% e um baixo CAPC de 2% no período 2002-2011.
A análise qualitativa da produção científica do mundo em desenvolvimento mostra que houve melhora não apenas na quantidade de publicações, como também na qualidade, aferida pelas citações que receberam estes artigos. Uma análise do impacto no período de cinco anos – para levar em conta diferentes parâmetros de citações de diferentes áreas – mostra que artigos dos países em desenvolvimento saltaram de um impacto relativo médio de 0,52 em 2000 para 0,70 em 2011. Apesar de estar situado abaixo da média mundial de impacto em 2011, que é normalizado em 1,0, houve um crescimento considerável no período analisado. Este aumento, segundo a autora, pode ser devido à crescente colaboração na última década entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos.
O crescimento quantitativo das publicações por região dos países em desenvolvimento não está atrelado, entretanto, ao crescimento qualitativo. A Fig. 2 mostra dois grupos distintos quando se observa a variação do impacto relativo das publicações ao longo do tempo por região. Os países em desenvolvimento da África e das Américas exibem um crescimento pronunciado no impacto relativo (0,8), maior que a sua média mundial em 2011 (0,7). Países em desenvolvimento da Ásia e Europa, entretanto, tem impacto relativo de suas publicações da ordem de 0,68 e 0,65 respectivamente, inferior à média mundial em 2011. Os países em desenvolvimento da Oceania mostram um impacto relativo de 1,01, próximo à média global. Esta região, entretanto, produz um número extremamente baixo de publicações, apenas 334 em 2011.
Temas de pesquisa para o mundo em desenvolvimento
Os países em desenvolvimento publicam sobre diversos temas em padrões de distribuição que se assemelham aos dos países desenvolvidos (Fig.3). Mais da metade (53,7%) dos artigos publicados em 2011 por autores de países em desenvolvimento pertencem à área de ciências físicas. Em seguida estão ciências da vida (21,5%) e ciências da saúde (17,9%), e em último lugar as ciências sociais, com 5,3% dos artigos publicados em 2011.
Uma comparação entre as áreas mais produtivas dos países em desenvolvimento e daqueles desenvolvidos (Fig. 3) mostra que embora da distribuição entre as áreas ser semelhante nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, a proporção entre as áreas guarda algumas diferenças. Nos países desenvolvidos as ciências da saúde e da vida contribuem em maior número (cerca de 60%) no total, enquanto que as ciências físicas, apesar de ainda liderar o número de publicações, estão presentes em menor proporção (53,7%). Da mesma forma, as ciências sociais continuam sendo a área menos prolífica, porém com mais que o dobro (13,6%) do percentual das publicações dos países em desenvolvimento nesta área. É importante notar que há artigos que se enquadram na categoria multidisciplinar, bem como outros que são classificados em mais de uma categoria, resultando em soma do total maior ou menor que 100%.
Os números acima da produção total de países em desenvolvimento e também dos desenvolvidos é largamente influenciada pelos índices dos países que lideram cada região em termos do número de publicações. Quando se analisa a distribuição de artigos por região em cada área do conhecimento, o resultado é mais diversificado (Fig. 4). Assim, países em desenvolvimento na Europa e na Ásia apresentam um padrão similar ao da produção do bloco, pois estes países influenciam fortemente os resultados devido ao grande número de artigos que produzem. Nestas regiões, a produção científica na área de ciências físicas é dominante (~60%) seguida de ciências da vida (~20%) e ciências da saúde (~16%), e uma baixa proporção de artigos em ciências sociais (~5%). Países em desenvolvimento de outras regiões (Américas, África e Oceania) mostram um padrão mais homogêneo de distribuição. Embora as ciências físicas ainda representem a maioria dos artigos, estão em menor proporção (32-38%), deixando uma maior margem para ciências da vida (~30%) e ciências da saúde (25-20%). As ciências sociais contribuem com cerca de 8% do total.
No caso de países desenvolvidos, a distribuição do número de publicações em 2011 por área do conhecimento por região mostra também um padrão equilibrado (Fig. 5). A América do Norte apresenta a maior similaridade entre os resultados de países em desenvolvimento e aqueles desenvolvidos, mostrando predominância de ciências físicas, proporções equilibradas de ciências da vida e ciências da saúde e baixa proporção de ciências sociais. Nas outras regiões observa-se a mesma ordem de número de publicações por área, porém com maiores variações entre os grupos de países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. De todas as regiões do globo, apenas a América do Sul possui somente países em desenvolvimento. Nesta região observa-se uma distribuição bastante equilibrada em ciências físicas, ciências da vida e ciências da saúde, e uma pequena porcentagem de artigos em ciências sociais.
Perspectivas futuras para o mundo em desenvolvimento
Na última década o mundo em desenvolvimento apresentou um crescimento significativo na quantidade e qualidade da sua produção científica. Não obstante estes avanços estarem ainda concentrados nos países BRIC, a pesquisa proveniente de países das Américas e da África apresentou considerável aumento do impacto, notadamente nas áreas de ciências da saúde e da vida. A produção científica da Ásia e Europa se concentra na área de ciências físicas, onde apresentou progressos quantitativa e qualitativamente.
Os recentes progressos feitos pelos países em desenvolvimento em diversas áreas apontam para melhorias em seu desenvolvimento no futuro, mas devem ser levadas em conta as particularidades de cada país, refletidas em seus perfis de publicação analisados neste artigo.
Notas
¹ Huggett, S. The bibliometrics of the developing world. Research Trends, Issue 35, December 2013. Available from: <http://www.researchtrends.com/issue-35-december-2013/the-bibliometrics-of-the-developing-world/>
⁴ Lista de classificação de países segundo o Fundo Monetário Internacional
Link externo
Scopus – http://www.scopus.com/
Elsevier – http://www.elsevier.com/
Artigo original em inglês:
http://www.researchtrends.com/issue-35-december-2013/the-bibliometrics-of-the-developing-world/
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
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