SciELO Preprints a caminho

Por Abel L Packer, Solange Santos e Rogerio Meneghini

O Programa SciELO está pondo em marcha um plano básico para o desenvolvimento e operação de um servidor de preprints – o SciELO Preprints.

O objetivo principal é contribuir para acelerar a disponibilização dos resultados de pesquisa e posicionar a comunicação científica dos países que participam da Rede SciELO, e em particular seus periódicos, em sintonia com os avanços e importância crescente da publicação de preprints internacionalmente.

O que é um preprint? O que é um servidor ou repositório de Preprints?

Tomemos como referência a definição de preprint da ASAPbio1, uma iniciativa dirigida por cientistas em prol do uso de preprints nas ciências da vida. Na página Preprint info center do seu website, está a seguinte definição, traduzida aqui para o português:

“Um preprint é um manuscrito científico completo que é depositado pelos autores em um servidor público. O preprint contém dados e metodologias completos; é frequentemente o mesmo manuscrito que está sendo submetido a um periódico (…). Depois de uma breve inspeção de controle de qualidade para garantir que o trabalho é de natureza científica, o manuscrito do autor é publicado na Web dentro de aproximadamente um dia sem passar por avaliação pelos pares e pode ser visualizado gratuitamente por qualquer pessoa no mundo. Com base no feedback e/ou novos dados, novas versões do seu preprint podem ser submetidas; no entanto, versões anteriores do preprint também são mantidas. Os servidores de preprint permitem que os cientistas controlem diretamente a disseminação de seu trabalho na comunidade científica mundial. Na maioria dos casos, o mesmo trabalho publicado como preprint também é submetido para avaliação por pares em um periódico. Assim, os preprints (rápidos, mas não validados através de peer review) e a publicação de periódicos (lentos, mas validados por meio de peer-review) funcionam em paralelo como um sistema de comunicação para a pesquisa científica”.

Os preprints são armazenados em um ambiente computacional com uma série de serviços associados, como por exemplo, upload de manuscritos, controles de aceitação ou rejeição, criação de novas versões, comentários, submissão a periódicos, classificação e apresentação por assuntos, buscas por diferentes itens, links, etc. A gestão e operação do armazenamento e serviços associados recebe o nome de servidor ou repositório de preprints. Neste post, utilizaremos a denominação servidor. Os servidores são operados por sistemas de software. Existem hoje várias opções de sistemas. O SciELO está em processo de adotar um deles.

Os preprints e as funções, objetivos e princípios do SciELO

A adoção da modalidade de comunicação científica via preprints objetiva enriquecer progressivamente o conjunto de funções e atividades regulares da Rede SciELO que são orientadas ao cumprimento do objetivo de promover o aperfeiçoamento continuado da gestão, operação e qualidade editorial dos periódicos que indexa e publica. A consecução deste objetivo envolve o alinhamento com o estado da arte internacional, mantendo, entretanto, como referência as condições e prioridades das comunidades de pesquisa servidas pelos periódicos. Neste contexto, a busca da celeridade na editoração e publicação dos artigos é um ponto central que o SciELO Brasil vem promovendo por meio da redução do tempo para indexar os periódicos, da publicação individual de artigos na modalidade ahead of print, e, prioritariamente, por meio da publicação contínua (ao contrário de esperar até que um fascículo seja completado). A adoção dos preprints é, portanto, uma etapa natural.

A expectativa é que o SciELO Preprints esteja operando regularmente em meados de 2018. Até lá, se promoverá a cuidadosa construção cooperativa do modus operandi do servidor de preprints, que envolverá progressivamente todas as coleções nacionais SciELO e os periódicos que indexam.

O desenvolvimento do SciELO Preprints seguirá os mesmos três princípios que norteiam o Programa e a Rede SciELO desde a sua criação: operação em rede, controle sistemático de qualidade e fortalecimento das capacidades e infraestruturas nacionais de editoração científica, alinhados com o estado da arte internacional. O trabalho em rede é uma tradição nos sistemas de informação da América Latina, o que facilita a cooperação e intercâmbio de informação e conhecimento, racionaliza o trabalho por meio de metodologias e tecnologias comuns, promove a criação de escala que contribui para baixar os custos operacionais e reforça a sustentabilidade. Desse modo, como parte integral da Rede SciELO, o SciELO Preprints se projeta como um bem público global.

O princípio do controle de qualidade se traduz em um conjunto de funções essenciais de aperfeiçoamento continuado dos periódicos que abarcam as políticas, os conselhos e processos de gestão editorial. A partir de 2013, estas funções integram as linhas de ação de profissionalização, internacionalização e sustentabilidade financeira. O terceiro princípio, fortalecimento das capacidades nacionais de publicação científica, posiciona a operação do SciELO como parte integral das infraestruturas nacionais de pesquisa.

O desenvolvimento do SciELO Preprints

O plano básico do servidor de preprints prevê três áreas de atividade nas quais são esperadas avanços e resultados específicos ao longo dos próximos 18 meses, até alcançarmos as condições adequadas para a operação regular do SciELO Preprints.

1. Disseminação e debate sobre os preprints

A primeira área de atividade compreende a disseminação, promoção e realização de debates sobre a adoção da modalidade de preprints como instância integral da comunicação científica contemporânea, assim como aperfeiçoamentos da proposta do SciELO Preprints. Esta atividade ocorrerá durante os próximos 2 a 3 anos e provavelmente seguirá as etapas clássicas de adoção de inovações.

Por meio do blog SciELO em Perspectiva vimos compartilhando os avanços recentes que vêm ocorrendo no movimento em prol dos preprints que é liderado por comunidades de pesquisa de várias disciplinas e áreas temáticas. Como já relatado e analisado detalhadamente para as ciências da vida no âmbito do programa ASAPbio esta área de atividade envolve três componentes das comunidades de pesquisa – os autores, as agências de fomento e os periódicos. A partir do resultado das discussões com estes componentes, as características específicas do plano inicial poderão ser adicionadas ou modificadas.

Uma questão central no debate sobre o desenvolvimento do SciELO Preprints é como orientar a sua adoção como parte de um sistema que favoreça o fortalecimento da comunicação científica e dos periódicos. A operação do servidor de preprints como parte integral da Rede SciELO contribuirá para evitar a fragmentação da comunicação científica dos países da rede e facilitará a interoperabilidade e a cooperação entre os diferentes componentes do sistema, de modo a minimizar perturbações e riscos ao bom andamento dos periódicos, das coleções nacionais, dos sistemas nacionais de apoio à comunicação científica e dos sistemas de avaliação de instituições e grupos de pesquisa e, particularmente, dos periódicos. Vale lembrar que os autores e periódicos das áreas de física, matemática, computação e outras convivem e operam com preprints há anos, tendo como referência o servidor arXiv, que opera desde 1991 e disponibilizou uma média mensal de 9.500 preprints em 2016, ou seja, mais de 300 por dia. Estima-se que 80% dos preprints depositados no arXiv foram também submetidos, avaliados e publicados por periódicos. No campo das ciências da vida, a adoção de preprints pelos publicadores e periódicos individuais ganhou notável impulso e vem superando a resistência histórica da área a preprints com a operação do servidor bioRxiv, a crescente e generalizada aceitação do programa ASAPbio, e a percepção da viabilidade e vantagens dos preprints como componente integral da comunicação científica. Um número crescente de publicadores e periódicos já aceitam a submissão de manuscritos depositados em servidores de preprints, como revela lista de acompanhamento disponível na Wikepedia2. Um aspecto inovador dos preprints é a sua disponibilização em acesso aberto. Se os preprints vierem a ser adotados universalmente, eles serão uma contribuição decisiva para o acesso aberto universal. No caso do SciELO, as versões finais avaliadas e publicadas pelos periódicos serão também disponibilizadas em acesso aberto, o que não ocorre com os periódicos comerciais. No contexto do SciELO, portanto, a função dos preprints será basicamente acelerar a comunicação científica, e não tanto sua abertura, todavia presente.

2. Definição das estruturas de governança e operação

O segundo campo de atividade na adoção da modalidade preprints compreende a definição, implantação e refinamento das estruturas que informarão e apoiarão a governança e a operação do SciELO Preprints em termos metodológicos e tecnológicos. Esta atividade também envolverá estudos, debates, testes e prototipagem relacionados com os processos de envio, aceitação e disponibilização dos preprints no servidor e a submissão aos periódicos. A expectativa é que a maior parte dos manuscritos depositados como preprints venha a ser avaliada e publicada pelos periódicos SciELO.

Um requerimento fundamental nesta área é assegurar a compatibilidade e interoperabilidade do SciELO Preprints com os servidores e indexadores de preprints considerados e implementados em outras partes do mundo. Ou seja, o SciELO Preprints integrará os espaços, produtos, serviços e soluções que vêm conformando o movimento de preprints. Em particular, o SciELO Preprints contribuirá para estabelecer um fluxo organizado dos preprints potencialmente aceitáveis pelos periódicos indexados que comunicam a pesquisa dos países da Rede SciELO.

Além da sintonia com o estado da arte internacional, o SciELO Preprints aportará soluções voltadas às necessidades específicas e características dos estudos e comunidades de pesquisas dos países que participam da Rede SciELO como são o multilinguismo, o reconhecimento da relevância da pesquisa orientada às questões locais, nacionais e regionais e das políticas, idiossincrasias e tradições das diferentes disciplinas, seu financiamento e avaliação, e uso dos resultados na educação, práticas profissionais, indústria, políticas públicas e o público em geral. Nesse sentido, embora a plataforma tecnológica de operação do servidor seja centralizada, a gestão e o controle do fluxo dos preprints serão descentralizados e deverão contar com a participação ativa das comunidades nacionais de pesquisa e principalmente dos editores dos periódicos SciELO. Outro aspecto diferenciado do SciELO Preprints, seguindo o modus operandi das coleções nacionais de periódicos da Rede SciELO, será a cobertura de todas as disciplinas e áreas temáticas, o que aportará enormes vantagens, assim como alguns desafios.

3. Implantação operacional

A terceira área de atividade do desenvolvimento do SciELO Preprints compreende a implantação operacional propriamente dita. Nesse campo, o plano prevê a implantação de projetos piloto, um mecanismo que o SciELO segue normalmente na adoção de inovações, o que permite experimentar ideias e tecnologias, assim como, prototipar processos em busca de soluções com melhor relação custo-benefício. Esta prática permite também a adoção progressiva de inovações que, no caso dos preprints, poderá envolver ritmos diferenciados entre as áreas temáticas e entre as coleções nacionais. Entretanto, independente do ritmo adotado, o plano básico, em cada processo de implantação, considera três etapas principais na construção e aperfeiçoamento do modus operandi do SciELO Preprints: (a) testes internos da proposta de modus operandi; (b) operação piloto com a participação de um conjunto de periódicos de uma ou mais áreas temáticas de uma ou mais coleções; e (c) operação regular do SciELO Preprints. Cada nova instanciação destas etapas será beneficiada pelos aperfeiçoamentos produzidos pelas aplicações anteriores. Como dito anteriormente, estas etapas incluem a construção cooperativa do modus operandi do SciELO Preprints.

Superação dos desafios por meio do aprendizado contínuo

As três áreas de atividade mencionadas anteriormente, nas quais cooperarão os gestores e operadores do Programa e da Rede SciELO – promoção do conceito de preprints, definição de uma solução adequada para a Rede SciELO e implantação experimental até alcançar um modus operandi regular – projetam-se como espaços de interação entre experimentação e teorização, entre a adoção de soluções importadas e autóctones e entre impactos locais, nacionais, regionais e internacionais. Trata-se de um grande desafio, cuja superação começa justamente pela posta em marcha da ideia e da proposta básica e da condução cooperativa baseada no aprendizado contínuo.

Notas

1. Preprint info center. What is a preprint? [online] ASAPbio. 2016 [viewed 16 February 2017]. Available from: http://asapbio.org/preprint-info

2. List of academic journals by preprint policy [online]. Wikipedia. 2017 [viewed 16 February 2017]. Available from: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_academic_journals_by_preprint_policy

Referências

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

PACKER, A.L., SANTOS, S. and MENEGHINI, R. SciELO Preprints a caminho [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/02/22/scielo-preprints-a-caminho/

 

6 Thoughts on “SciELO Preprints a caminho

  1. Pingback: Boletim de Notícias, 24/fev: e-mails ligam secretário de Alckmin a acerto com Fiesp | Direto da Ciência

  2. SciELO on March 2, 2017 at 14:01 said:

    Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia Diaz:

    http://blog.scielo.org/es/2017/02/22/scielo-preprints-en-camino/#comment-40844

  3. Pingback: Preprints | Serviço de Documentação e Divulgação

  4. Alexandre Oliveira on May 19, 2018 at 11:00 said:

    Olá,

    No Brasil há existência de outras plataformas de preprints?

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