Evidências recentes mostram que o predomínio dos Estados Unidos em ciência e tecnologia está perdendo terreno para economias emergentes, principalmente na Ásia. Um relatório do National Science Board (NSB) denominado Science and Engineering Indicators 2014¹ mostra como a liderança norte-americana está perdendo impulso, em parte devido ao corte nos financiamentos federais em pesquisa e desenvolvimento (P&D), motivados pela crise econômica que teve início em 2008. O NSB governa a National Science Foundation, que é financiada pelo Governo Federal e assessora a Casa Branca e o Congresso dos Estados Unidos em temas de ciência e tecnologia.
O tema foi objeto de matéria da edição de 13 de fevereiro de 2014, no jornal The New York Times². A despeito da redução de 37% para 30% em 2011 do investimento global em pesquisa da década passada para esta, os Estados Unidos permanecem uma potência em ciência e tecnologia, principalmente nas indústrias de alta tecnologia, energia e na área farmacêutica. Estes setores são responsáveis por cerca de 40% da economia norte-americana, mais do que qualquer outra nação desenvolvida. Nos EUA, o setor de alta tecnologia superou melhor a crise financeira do que a União Europeia e o Japão. Os EUA são ainda os maiores investidores em P&D, com cerca de USD 429 bilhões anuais, comparados a USD 208 bilhões da China e USD 147 bilhões do Japão.
Entretanto, nas últimas décadas, muitas nações em desenvolvimento, especialmente na Ásia, como a China, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura realizaram maciços investimentos em ciência e engenharia e também em indústrias de alta tecnologia e conhecimento. A fração correspondente às nações asiáticas do investimento global em pesquisa aumentou de 25% na década passada para 34% em 2011. Isso se traduziu no aumento de produtos tecnologicamente avançados, e no aumento de investimentos em P&D em muitos países.
A China, em decorrência disso, registrou um aumento impressionante na produção científica, medida pelo número de publicações, seguida de perto pela Coreia do Sul, Taiwan e Singapura. O aumento médio do número de publicações nestes países foi de 6 a 9% ao ano. Estes países também apostaram em educação de alto nível, determinados a diminuir a brecha que os separa das nações desenvolvidas em termos de desenvolvimento econômico e tecnológico. A China, com renda per capita comparável à de outros países em desenvolvimento se destaca por ser a única nação a ter uma presença global em atividade econômica de alta tecnologia e P&D comparável à de países desenvolvidos.
O crescimento econômico de outros países como Brasil, Turquia, Índia e África do Sul também vem contribuindo para o deslocamento do eixo Europa-EUA na produção de bens de alta tecnologia, também associada ao crescimento da produção científica e P&D.
Ao mesmo tempo em que se observa o crescimento de economias baseadas em produtos tecnologicamente avançados, a competição com alvos tradicionais de investimentos estrangeiros como Europa, Canadá e Japão torna-se acirrada. Companhias multinacionais observam vantagens em investir e fabricar seus produtos em países com economias tecnológicas em crescimento, como Brasil, Israel, China e Índia. O relatório da NSB mostra que o investimento de empresas filiais com acionistas majoritários estrangeiros triplicou na Índia e dobrou no Brasil entre 2007 e 2010.
Produção Científica
A publicação de resultados de pesquisa em periódicos arbitrados é um indicador seguro e fácil para medir a produção científica. Neste campo, os EUA permanecem os líderes mundiais em número de publicações contabilizadas no Science Citation Index e Social Science Citation Index, da Thomson Reuters, com 26% do total mundial de 828 mil artigos publicados em 2011. Apesar disso, este percentual vem diminuindo lentamente, caindo de 4 pontos percentuais entre 2001 e 2011. Esta queda se deve, provavelmente, ao aumento da fração de artigos provenientes de países do Leste e Sudeste da Ásia e também do Brasil e da Índia. O número de publicações da China em periódicos arbitrados teve o maior aumento entre os países em desenvolvimento durante o mesmo período, passando de 3% para 11% do total mundial.
Dados de citações a estes artigos, contidos no relatório do NSB, que medem sua qualidade e impacto, indicam que entre 2002 e 2012 o percentual de artigos com autores norte-americanos presentes na fração de 1% dos artigos mais citados no mundo oscilou entre 1.6% e 1.8%. Países da União Europeia, entretanto, tornaram-se mais influentes, aumentando sua participação na fração de 1% dos artigos mais citados no mundo entre 2002 e 2012 de 0.7% para 0.9%. A China, no mesmo período cresceu sua participação na fração dos artigos mais influentes do mundo de 0.1% para 0.6%.
Outros indicadores
O relatório do NSB 2014 aponta outros setores nos quais os EUA estão perdendo terreno para economias em desenvolvimento, como investimentos em fontes de energia renováveis, novos combustíveis e pesquisas em biomedicina. Alguns temem inclusive a evasão de cérebros; uma pesquisa da American Society for Biochemistry and Molecular Biology³ revelou que um em cada cinco pesquisadores consideram deixar o país em busca de melhores oportunidades na carreira e 85% deles afirmam que os cortes nos investimentos em P&D “permitiram que os competidores globais alcançassem e até mesmo suplantassem os EUA em pesquisa científica” (LOWREY 2014).
Conclusão
Quanto mais países no mundo desenvolverem capacidades tecnológicas e capital humano em P&D para suportar uma economia baseada em conhecimento, com benefícios evidentes para estas nações, menos dominante será a participação dos EUA no cenário global de ciência e tecnologia. Em contrapartida, nas nações em desenvolvimento, principalmente na Ásia, mas também em outras partes do mundo, observou-se um crescimento econômico fundamentado em ciência e tecnologia, o que os torna melhor posicionados para enfrentar a liderança tecnológica dos países desenvolvidos. A ênfase em educação de alta qualidade nestes países assegura a qualificação de sua mão de obra, necessária para sustentar o seu desenvolvimento.
Notas
¹ National Science Board. Science and Engineering Indicators 2014. Arlington VA: National Science Foundation (NSB 14-01). 2014. Available from: <http://www.nsf.gov/statistics/seind14/?org=NSF>.
² LOWREY, A. U.S. Dominance in Science Faces Asian Challenge. The New York Times. Feb 13, 2014. Available from: <http://www.nytimes.com/2014/02/14/us/us-dominance-in-science-faces-asian-challenge.html?_r=0>.
³ American Society for Biochemistry and Molecular Biology – http://www.asbmb.org/uploadedFiles/Advocacy/Events/UPVO Report.pdf
Referências
Lista de países que fazem parte da União Europeia usada no Relatório do National Science Board. Science and Engineering Indicators 2014. 2014. Available from: <http://www.nsf.gov/statistics/seind14/content/chapter-5/at05-24.pdf>.
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
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