Entrevista com Cicilia K. Peruzzo

Cicilia K. Peruzzo

Cicilia K. Peruzzo

Com os 50 anos de existência das Ciências da Comunicação no Brasil, convidamos a professora Cicilia K.Peruzzo para falar dos resultados e dos desafios da área. A Revista Intercom, primeiro periódico de comunicação científica disponibilizado em acesso aberto pela Internet, certamente, é um projeto editorial de fôlego, com indexação SciELO, que vem promovendo, ao longo de muitos anos, a divulgação da pesquisa nacional e internacional, contribuindo para o ensino universitário de Comunicação e para a promoção de um debate cada vez mais amplo sobre essa área e suas relações com outras áreas.

Cicilia  K. Peruzzo é doutora em Ciências da Comunicação (1991) pela Universidade de São Paulo – USP. Realizou Pós-doutorado na Universidade Nacional Autônoma do México. Foi Presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos da Comunicação) 1999-2002. Desde 2006, trabalha como Editora da Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. Atualmente, é Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – IMESP; pesquisadora da área da Comunicação nas linhas Comunitária, Alternativa e Mídia Local, além de Relações Públicas, na perspectiva crítica e dos movimentos sociais. E é Vice-Presidente da Federação Lusófona de Comunicação. Coordena o Núcleo de Estudos de Comunicação Comunitária e Local (COMUNI) e o GT Comunicação e Cidadania da Associação Brasileira de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (2012-2013).

1. Com base em sua experiência acadêmica como professora e pesquisadora, sobretudo, como Presidente que foi da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, e também como atual Editora da Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, qual o seu parecer sobre os desafios da divulgação científica em Comunicação no Brasil?

Em nível internacional, à primeira vista, o principal desafio é o de se inserir num espaço competitivo que as ciências já consolidadas dominam e participam de suas regras de funcionamento dentro de uma dinâmica de “mercado” que tem por base os padrões editoriais e a cultura científica estadounidenses e anglosaxônicas. No entanto, existe um esforço crescente no campo da Comunicação para ampliar a presença nos circuitos internacionais de circulação do conhecimento e, aos poucos, esse desafio parece que já faz parte do universo acadêmico, principalmente, no âmbito dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e das associações científicas. Aliás, com o avanço do ensino e da pesquisa em nível de pós-graduação no país também se sinaliza o aumento da quantidade e de qualidade da produção científica no campo e, consequentemente, sua maior oferta e participação nos fóruns nacionais e internacionais. 

No nível nacional, a divulgação do conhecimento científico produzido começa a galgar desafios similares, pois, o número de periódicos científicos bem qualificados é baixo em relação à oferta crescente de artigos produzidos nas universidades, até em decorrência da pressão produtivista que vem se instaurando nos últimos anos. Paralelamente, também nota-se um processo de amadurecimento sobre as demandas, esforços e vontades em se avançar no valor da ciência, tanto a partir de parâmetros tecnocientíficos quanto da contribuição esperada ou necessária dos conteúdos para o avanço do conhecimento e seu papel na sociedade. 

2. Dos 50 anos de formação das Ciências da Comunicação no País – que, aliás, estão sendo comemorados atualmente com o Ciclo de Conferências Fapesp e Intercom –, gostaria que você comentasse um pouco a respeito da especificidade dessa área e seu desenvolvimento e desdobramentos ao longo desse período.

Em primeiro lugar, por tratar-se de algo novo – ou melhor, de uma ciência recente, ousaria dizer –, em processo de desenvolvimento rápido e que, ao mesmo tempo, sofre diuturnamente as transformações tecnológicas e sociais das sociedades, constitui-se em uma área desafiadora porque se revela muito ampla e dinâmica, e com e sem fronteiras em relação a outras áreas do conhecimento. Ou seja, as configurações do universo da Comunicação têm sido alteradas muito rapidamente nas últimas décadas – dos canais, aos meios e mensagens –, dos processos comunicacionais – interpessoais aos organizacionais, massivos e digitais – dos ambientes comunicacionais presenciais e midiáticos aos virtuais – e assim por diante, o que obriga a uma contínua busca pela revisão de conceitos e teorias, suas reelaborações e a formulação de novos conceitos e teorias para se dar conta das transformações. Por outro lado, o campo congrega uma diversidade muito interessante, além de perpassar e ser perpassado por outras ciências.

Quanto ao seu desenvolvimento, do ponto de vista do ensino é algo extraordinário em número de escolas e cursos de graduação (Jornalismo, Publicidade, Relações Públicas, Editoração, Rádio e Televisão, etc.) e de Programas de Pós-Graduação em Comunicação que têm linhas de pesquisa mais abertas de modo a contemplar a diversidade do campo e dar conta também de fenômenos ligados à cultura, à recepção, às relações entre comunicação e educação, às estruturas de meios de comunicação, às políticas públicas relativas ao campo, às expressões de comunicação nos diferentes universos tanto em termos de linguagens (impresso, audiovisual, ciberespaço) quanto de âmbitos (midiático, institucional, comunitário, etc.). Hoje são 64 cursos de pós-graduação (43 de mestrado e 20 de doutorado) reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em contraste com o fim dos anos 1980 quando existiam 6 (seis), sendo 3 (três)cursos de mestrado e outro tanto de doutorado). Existem ainda várias associações científicas nacionais, além de uma federação de associações em nível nacional (SOCICOM – Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação), e outra que abarca as associações do mundo lusófono, (CONFIBERCOM – Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação).

3. Que balanço em sua opinião poderia ser feito no âmbito das Ciências da Comunicação, pensando a sua produção científica no plano nacional e no internacional?

É uma produção em ascensão. Nunca se publicou tanto na área como nos últimos anos. Dezenas de coletâneas e livros autorais são lançadas no Congresso Intercom a cada ano. É elevado o número de periódicos científicos em circulação. O número de trabalhos publicados em Congressos da Intercom é equivalente a seis por ano, um nacional e um por região geográfica; por exemplo, isso dá conta de demanda significativa provinda de todas as regiões do Brasil. De 2009 a 2013, foram selecionados 4.524 papers para apresentação nos Grupos de Pesquisa (GP), no conjunto de todos os seis eventos. Esses receberam inscrição de 42 mil participantes nesse mesmo período1. Gostaria de ressaltar que esse movimento corresponde à participação tanto de pesquisadores sêniors como de jovens, o que tem caracterizado uma importante abertura da área para a formação e acolhimento de novos pesquisadores. Nessa perspectiva, há ainda um grande incentivo por parte da Intercom, ao institucionalizar, no âmbito de seus eventos, espaços específicos (Intercom Junior) para apresentação de trabalhos de iniciação científica. 

Num outro sentido, e sem a pretensão de fazer um balanço, diria que, em termos de América Latina e países lusófonos, é crescente a presença de pesquisadores apresentando trabalhos, sendo que a maior presença tem sido de brasileiros. Em outros termos, levantamentos têm mostrado a tendência da presença majoritária de brasileiros – em relação à America Latina e países de língua portuguesa – em eventos internacionais, tais como no Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación; Annual Conference of the International Association for Media and Communication Research;  Congresso Internacional Ibercom; Congresso Internacional de Comunicação Lusófona etc.

4. Acesso Aberto, o que isso significa para os editores científicos e os autores dos artigos de periódicos acadêmicos das Ciências da Comunicação? Quais são os resultados obtidos, até o momento, nesse sentido?

Significa uma possibilidade imensurável de democratizar o conhecimento, torná-lo mais acessível e provocar o debate. Dadas as dificuldades de circulação do periódico impresso num país com as dimensões do Brasil e, ainda, devido às características bastante regionais da maioria deles, a disponibilização online realmente potencializa o acesso e a circulação da informação.

5. Você poderia falar sobre a Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, tanto em relação à sua história (desde 1977), quanto ao que ela vem representando para a área nessas últimas décadas de mudanças efetivas, em especial com o uso de novas tecnologias?

A Intercom – RBCC foi o primeiro periódico científico a ser disponibilizada para acesso gratuito na internet ainda no início da década passada.  Iniciou como periódico modesto, mas significativo para um campo que dava os primeiros passos em torno de sua organização. Foi se aperfeiçoando no decorrer dos anos, com esforço de vários editores. Atualmente é uma revista científica de alta reputação na área da Comunicação, cujos processos de submissão online de artigos, de seleção, além dos aspectos técnicos e de formatação têm inspirado o aperfeiçoamento de outros periódicos. Sua missão é contribuir para a difusão do conhecimento científico e a reflexão pluralista sobre Comunicação de modo a alcançar seus objetivos, que são: (a) Promover e divulgar a pesquisa científica acadêmica nacional e internacional sobre Comunicação; (b) Contribuir para desenvolver o nível da investigação e do ensino universitário de Comunicação; (c) Servir de espaço para a reflexão sobre temas de interesse público do âmbito da Comunicação.

6. Quais os próximos projetos de melhoria da produção científica vinculados às políticas de ação da Intercom? Há um levantamento sobre os periódicos da área que já estejam indexados na WoS, Scopus e na coleção SciELO?

Bem, a Intercom é uma associação civil sem fins lucrativos que atua na perspectiva de contribuir para que o campo da Comunicação se desenvolva em bases sólidas, avance e se consolide enquanto ciência, e amplie a conquista de espaço acadêmico-científico nos níveis nacional, regional e internacional. A ela não cabe realizar a pesquisa propriamente dita, nem o ensino regular formal, mas colaborar tornando acessíveis subsídios teóricos à pesquisa, ao ensino e à extensão universitária, proporcionando espaço a pesquisadores, docentes e outros profissionais, além de estudantes, por meio de livros, revistas científicas, congressos, internet etc., como canais de expressão para a comunicação pública do que é produzido de modo que possa ser compartilhado e avaliado pelos pares e apropriado pela sociedade.

No que se refere à indexação de periódicos da área em bases internacionais, infelizmente o número é baixíssimo.  Em estudo que realizei em 2011, pude identificar a existência de 71 periódicos científicos de Comunicação no Brasil, a maioria desse total concentrada na região Sudeste. Desse número, apenas cinco atualmente têm a melhor classificação do sistema Qualis de Avaliação de Periódicos, pela CAPES, obtida na área, a A2. E apenas uma revista, a Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação está indexada no SciELO. A meta agora é indexar nossa revista em outras bases internacionais. Em relação aos indexadores internacionais, todas as cinco melhores revistas estão no Directory of Open Access Journals (DOAJ), nenhuma no Scopus ou WoS. Mas, algumas fazem parte da Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (RedALyC), um projeto impulsionado pela Universidad Autónoma del Estado de México  (UAEM), e um tanto mais próximo ao campo da Comunicação.

Notas

1 Informação transmitida pela diretoria da Intercom com base em levantamento feito recentemente.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE. Entrevista com Cicilia K. Peruzzo [online]. SciELO em Perspectiva, 2013 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/09/10/entrevista-com-cicilia-k-peruzzo/

 

One Thought on “Entrevista com Cicilia K. Peruzzo

  1. Pingback: Cicilia K. Peruzzo e as Ciências da Comunicação no Brasil – Alfredo Passos

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Post Navigation