Por Sigmar de Mello Rode
Na última reviravolta na pressão por maior publicação de cientistas, empresas produzindo documentos falsos estão tentando “subornar” editores de periódicos. Frederik Joelving, editor da Retraction Watch, publicou na Science em janeiro de 2024 o texto Paper Trail,1 uma série de entrevistas e citações sobre intermediários furtivos de algumas contas que produzem dezenas ou até centenas de milhares de artigos todos os anos. Muitos contêm dados inventados; outros são plágios classificados ou de baixa qualidade. Independentemente disso, os autores pagam para ter seus nomes neles, e as fábricas podem obter lucros consideráveis.
Em junho de 2023, Nicholas Wise da Universidade de Cambrigde encontrou no Facebook uma empresa chinesa, Olive Academic, que em vez de visar potenciais autores e revisores, estava buscando editores de periódicos e oferecendo grandes somas de dinheiro em troca do aceite de artigos para publicação através de um formulário on-line.
Matt Hodgkinson do Office of Research Integrity (ORI) e membro do COPE, afirma que dezenas de milhões de dólares fluem pelas fábricas de artigos a cada ano. Com isso periódicos e editoras, reconhecendo a ameaça, reforçam suas equipes de integridade de pesquisa, e investem em maneiras de melhorar a identificação do envolvimento de terceiros.
Por essa razão, as fábricas de artigo, ricas em dinheiro, estão adotando uma nova tática: subornar editores e colocando seus próprios agentes em conselhos editoriais para garantir a publicação de seus manuscritos. Muitos como editores convidados de números especiais, editados separadamente, ou até mesmo como diretores ou membros de conselhos editoriais de periódicos. Matt cita que é provavelmente apenas a ponta do iceberg.
A Olive Academic apresenta editores como Malik Alazzam e Omar Cheikhrouhou, da Tamjeed Publishing, que aparecem como editores responsáveis de artigos e edições especiais com três dias da submissão à publicação, da Hindawi, Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI) e IMR Press. A Olive Academic e Tamjeed estão longe de ser as únicas empresas que empregam editores com credenciais questionáveis, estudantes, ou mesmo inventados. Anna Abalkina da Universidade Livre de Berlim cita também a Tanu.pro e a iTrilon.
Editoras como Elsevier e Taylor & Francis relatam sua preocupação com o assédio aos seus editores pela oferta de dinheiro em troca da aceitação dos artigos.
Xiaotian Chen, bibliotecário da Universidade Bradley que estudou fábricas de artigos na China, diz que os editores não são inocentes. Chen ressalta que as editoras não mostraram nenhum sinal de reduzir as dezenas de milhares de edições especiais publicadas todos os anos em periódicos de acesso aberto – supostamente o alvo preferido. Tais questões geram lucros substanciais das taxas de publicação pagas pelos autores. “Algumas das editoras com fins lucrativos são tão gananciosas quanto uma fábrica de artigo”, diz Chen. “E contam muito com a contribuição de autores chineses para sobreviver.”
A China é um importante mercado para documentos falsos, e os críticos dizem que medidas para controlar as fábricas de artigo têm sido em grande parte ineficazes. De acordo com o preprint Knowledge, attitudes and practices about research misconduct among medical residents in Southwest China: a cross-sectional study,2 mais da metade dos residentes médicos chineses dizem que se envolveram em má conduta de pesquisa, tais como comprar artigos ou fabricar resultados. Uma razão é que as publicações, embora nem sempre sejam um requisito estrito para o avanço na carreira, ainda são o caminho mais fácil para promoção em uma variedade de profissões na China.
De acordo com Chen como podem não ter nem o tempo nem o treinamento para fazer pesquisas sérias, pagar algumas centenas ou mesmo milhares de dólares para ver o próprio nome em um artigo pode parecer um investimento que vale a pena.
A enorme procura por artigos académicos não é exclusiva da China. Na Rússia e vários países ex-soviéticos, por exemplo, políticas focadas em métricas de publicação, juntamente com uma cultura de corrupção e a transição para a economia de mercado, contribuíram para uma situação semelhante, segundo Abalkina. A produção de pesquisa também está ganhando importância na Índia, pois lá as universidades lá se esforçam para subir nas classificações e profissionais e cientistas juniores competem por empregos de prestígio em casa e no exterior. Algumas universidades exigem que estudantes de graduação publiquem artigos como parte de seus currículos, uma tendência que está se espalhando.
Embora os editores tenham aumentado dos seus esforços contra a fraude, incluindo o estabelecimento de um centro de compartilhamento de informações, os críticos dizem que é demasiado pouco e demasiado tarde.
Notas
1. JOELVING, F. Retraction Watch. Paper trail. Science [online]. 2024, vol. 19383, no. 6680, pp. 252-255 [viewed 31 Jan 2024]. https://doi.org/10.1126/science.zrjehzt. Available from: https://www.science.org/content/article/paper-mills-bribing-editors-scholarly-journals-science-investigation-finds
2. CHEN, L., et al. Knowledge, attitudes and practices about research misconduct among medical residents in Southwest China: a cross-sectional study. Research Square [online]. 2023 [viewed 31 Jan 2024].https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-3418686/v1. Available from: https://www.researchsquare.com/article/rs-3418686/v1
Referências
CHEN, L., et al. Knowledge, attitudes and practices about research misconduct among medical residents in Southwest China: a cross-sectional study. Research Square [online]. 2023 [viewed 31 Jan 2024].https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-3418686/v1. Available from: https://www.researchsquare.com/article/rs-3418686/v1
JOELVING, F. Retraction Watch. Paper trail. Science [online]. 2024, vol. 19383, no. 6680, pp. 252-255 [viewed 31 Jan 2024]. https://doi.org/10.1126/science.zrjehzt. Available from: https://www.science.org/content/article/paper-mills-bribing-editors-scholarly-journals-science-investigation-finds
Sobre Sigmar de Mello Rode
Sigmar de Mello Rode é Professor Titular do Instituto de Ciência e Tecnologia de São José dos Campos (UNESP), Membro do Comitê Consultivo do SciELO e da LILACS, Presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e Editor de Área dos periódicos CLINICS e Acta Cirúrgica Brasileira.
[Revisado para adição do gráfico – 23 fevereiro 2024]
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Excelentes comentarios. Talvez seja o timing para valorizarmos nossas boas revistas. Devrmos comecar a ciatalas e tbem nossos pesquisadores. Entendo q ja seria um bom comeco.
Muito interessante este post, que alerta sobre o assédio a editores de periódicos para alimentar a indústria dos paper mills. Um recente preprint postado em arXiv (1) mostra que a análise de autores pode contribuir para identificar artigos fabricados. O estudo mostra que frequentemente a coautoria nestes artigos é comercializada, e por isso, a probabilidade dos coautores destes artigos aparecerem novamente em outras publicações é próxima de zero, diferentemente de pesquisadores ‘verdadeiros’, que publicam vários artigos com sua rede de colaboradores.
(1) Porter, SJ e McIntosh, LD. arXiv:2401.04022. https://doi.org/10.48550/arXiv.2401.04022
Concordo. Em contra partida somos pressionados a fazer inovação nas Ciências. Uma boa pesquisa leva tempo.
Excelente trabalho. Já tinha ouvido falar uma vez sobre o assunto, mas agora percebi (como editor) que o problema é bem mais grave do que eu imaginava. Além das revista predatórias, eventos “científicos” em profusão, uso da IA para criar artigos fake, agora me aparece essa. Acredito que mais trabalhos abordando esse tema e revistas predatórias são importantes, inclusive para discussão no meio editorial.