A influência de vieses implícitos na adoção dos princípios DEIA

Por Heloisa Junqueira Fleury

Colagem composta por silhuetas sobrepostas de bustos em papel colorido

Imagem: geralt.

Tornar a ciência mais rigorosa e ética é uma aspiração compartilhada pela comunidade científica. Um dos principais movimentos nesse sentido foi o lançamento das diretrizes (Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use1) sobre equidade de sexo e gênero na pesquisa. No entanto, apesar da disponibilização de listas de checagem para facilitar a adoção dessas diretrizes e do amplo conhecimento de que negligenciar variáveis como sexo e gênero na pesquisa pode levar a imprecisões nos resultados, desperdício em pesquisa e dificuldades na generalização das conclusões, a adesão pelos periódicos científicos ainda não atingiu a abrangência esperada.

Princípios de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade (DEIA) são fundamentais nos projetos de pesquisa e para a editoria científica. O estudo “Global health journals need to address equity, diversity and inclusion”,2 com 551 comitês editoriais de periódicos de saúde revelou que apenas 35% dos editores são mulheres, com uma única mulher ocupando o cargo de editora-chefe em países de baixa e média renda, evidenciando a precariedade desse cenário em diferentes instâncias da editoria científica.

Na área da saúde, os princípios DEIA são essenciais para um diagnóstico e tratamento bem-sucedido, na medida em que o atendimento a grupos minoritários tem sido mais mal avaliado do que o disponibilizado para a população majoritária. Mesmo entre profissionais de saúde que consideram princípios de igualdade um valor pessoal, a qualidade dos serviços oferecidos a alguns grupos minoritários ainda é inadequada. Essa disparidade, muitas vezes, é influenciada por vieses sociais, em grande parte inconscientes.

Os vieses implícitos, nomeados também como vieses sociais ou culturais, podem impactar atitudes e avaliações, dando origem a comportamentos discriminatórios muitas vezes inadvertidos e não intencionais. Esses vieses são caracterizados por associações automáticas, nem sempre conscientes, difíceis de controlar e podem entrar em conflito com crenças e valores declarados. Os mais inaceitáveis são aqueles direcionados a grupos sociais, mantendo estereótipos ou refletindo avaliações preconceituosas.

Nos últimos anos, os profissionais de saúde têm sido incentivados a desenvolver a competência cultural, visando a uma atuação mais eficaz em contextos diversos. Isso implica a necessidade de cultivar a autoconsciência em relação a seus próprios vieses implícitos, compreender as diferenças culturais da população atendida e adquirir habilidades que promovam a adaptabilidade, a flexibilidade e a disposição para adquirir novos conhecimentos sobre a população atendida, assim como sobre seus próprios preconceitos.

Apesar desse apelo à competência cultural, persistem desafios, como a falta de reconhecimento do racismo, das características da população LGBTQIAP+ e de outros grupos minoritários, assim como os desequilíbrios de poder e a necessidade de autorreflexão. Poucos profissionais reconhecem suas próprias limitações no desenvolvimento da competência cultural e, por conseguinte, na adesão aos princípios DEIA.

Diante desse cenário, o presente texto visou aprofundar a reflexão sobre a influência dos vieses implícitos na adesão aos princípios DEIA, ressaltando a importância de superar barreiras para promover uma ciência verdadeiramente inclusiva e equitativa.

A influência de vieses implícitos

Os processos de aprendizagem e memória apresentam diferenças relevantes em circuitos do hemisfério esquerdo (memória explícita ou declarativa, relativa aos fatos) e do hemisfério direito (memória implícita ou de procedimentos, relativa aos padrões relacionais). A memória implícita influencia a experiência e o comportamento por meio de traços de memória relacional, geralmente inconscientes.

A memória implícita facilita a experiência relacional, porém pode dificultar a adesão aos princípios DEIA na pesquisa quando expressa atitudes ou estereótipos que afetam a compreensão, as ações e as decisões de forma inconsciente, caracterizando-se como um viés implícito. A ativação é involuntária e sem controle intencional. Os vieses implícitos podem influenciar até mesmo os tópicos que os pesquisadores escolhem estudar, assim como o recrutamento de participantes para a amostra.

Pesquisadores e educadores podem incorporar maior diversidade, equidade e inclusão em suas pesquisas, tornando as minorias raciais e étnicas mais visíveis, o que exige autoconhecimento, posicionamento e métodos de amostragem, estabelecendo uma base de pesquisa sólida que valorize esses princípios, incluindo orientar as pesquisas de alunos.

Para incorporar os princípios DEIA, os líderes de organizações de saúde precisam repensar a governança, a mentoria e a gestão de desempenho por meio de uma lente DEIA. Essas referências também se aplicam às lideranças em comitês editoriais.

Perspectivas futuras

Tornam-se mandatórias estratégias prospectivas e intencionais, incluindo o envolvimento a longo prazo da comunidade pesquisadora e de comitês editoriais com esses princípios. De modo geral, os desafios e as oportunidades para melhorar a adesão a esses princípios envolvem compromisso institucional, mudança de cultura, estabelecimento de metas e desenvolvimento de estratégias operacionais.

Notas

1. HEIDARI, S., et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integrity and Peer Review [online]. 2016, vol. 1, no. 2 [viewed 24 January 2024]. https://doi.org/10.1186/s41073-016-0007-6. Available from: https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6

2. NAFADE, V., SEM, P. and PAI, M. Global health journals need to address equity, diversity and inclusion. BMJ Global Health [online]. 2019, vol. 4, no. 5, e002018 [viewed 24 January 2024]. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-002018. Available from: https://gh.bmj.com/content/4/5/e002018

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Sobre Heloisa Junqueira Fleury

Heloisa Junqueira FleuryHeloisa Junqueira Fleury é psicóloga clínica. Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil). Editora-chefe da Revista Brasileira de Psicodrama e da Springer Nature Series Psychodrama in Counselling, Coaching and Education. Presidente da International Association for Group Psychotherapy and Group Processes (IAGP).

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Heloisa Junqueira Fleury

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FLEURY, H.J. A influência de vieses implícitos na adoção dos princípios DEIA [online]. SciELO em Perspectiva, 2024 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2024/01/24/a-influencia-de-vieses-implicitos-na-adocao-dos-principios-deia/

 

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