Publicação acadêmica e carros elétricos: um comentário sobre “The big idea: should we get rid of the academic paper?”

Por Glenn Hampson, Diretor executivo do Science Communication Institute (SCI) e Diretor do programa Open Scholarship Initiative (OSI)

Imagem: The Guardian.

Um artigo recente publicado no The Guardian intitulado The big idea: should we get rid of the academic paper?1 alega que, por ser a publicação científica uma prática antiga, e por apresentar falhas, deveria, portanto, ser substituída por algo mais “moderno”. Este argumento básico vem encorajando grande parte do movimento de reforma na publicação científica há décadas – porque agora temos a Internet, então todas as formas mais antigas de comunicação devem ser obsoletas.

Alguns destes argumentos parecem razoáveis, é claro. Por que continuar dirigindo carros movidos a combustível se podemos dirigir carros elétricos? Por que ler livros de papel quando podemos lê-los em uma tela?

Mas a maior parte deste argumento simplesmente revela uma falta de entendimento profundo sobre a publicação científica (não se pretende ofender o autor com isso, porque, como os leitores deste site compreendem, a publicação científica é realmente um assunto muito complicado). Então, por exemplo, é claro que o processo de publicação científica tem falhas, como aponta este artigo, mas também é essencial pesquisar e o processo é extremamente eficaz em identificar bons trabalhos e garantir que trabalhos ruins fiquem à margem. Isso é por design, não por acidente.

Revisão editorial, avaliação por pares, formatos de submissão, redes de garantia de qualidade como SciELO e muitos outros evoluíram ao longo de décadas e séculos para possibilitar que pesquisadores compartilhem seu trabalho com colegas e o público de forma a proteger e promover a qualidade. As retratações acontecem como em qualquer produto escrito, mas são cada vez mais raras, como uma porcentagem do total de artigos publicados a cada ano. Exageros acontecem, mas geralmente mais em função da promoção da mídia do que do próprio artigo.

E todo o processo está melhorando cada vez mais. Cada vez mais dados estão sendo incluídos nos artigos; mais opções de avaliação por pares estão evoluindo; mais opções de acesso aberto estão evoluindo; mais novas abordagens de publicação estão evoluindo e sendo testadas no mercado; estamos nos tornando mais conscientes dos vieses e trabalhando em formas de reduzi-los; estamos cientes dos problemas do fator de impacto e estamos discutindo como resolvê-los; e, em geral, a comunidade de interessados em publicações científicas está constantemente debatendo como melhorar todo o sistema, desde os custos até o acesso, à avaliação e muito mais. Caracterizar este sistema como “estático” é simplesmente estar desinformado.

Também é simplificá-lo demais. É o mesmo tipo de simplificação que costumamos ouvir que a solução de publicação “x” funcionará para todos em todos os lugares. Quando você realmente entende o sistema, soluções como “todos devem pagar pela publicação com APCs (article processing charges)” ou “todos devemos seguir o Plano S” rapidamente começam a desmoronar. É como a observação do carro elétrico. Eu adoraria ter um: por favor, compre para mim (na verdade, nossa casa precisará de três – obrigado).

Então, em vez de descobrir como reinventar a roda sem conhecimento adequado, vamos continuar trabalhando juntos para aprender mais sobre o que funciona e o que não funciona, o que é necessário e o que não é. Enquanto isso, vamos tirar o chapéu para a publicação científica e às muitas organizações e especialistas necessários para manter este sistema complexo e importante em operação. Há tantas oportunidades de mudança e melhoria.

Eu, por exemplo, continuarei a ouvir todas as opiniões – mesmo aquelas que afirmam que devemos simplesmente queimar todo o sistema e começar de novo. Mas acho que as opiniões mais importantes são aquelas que os verdadeiros especialistas têm a oferecer – nossos pesquisadores, editores, publishers, bibliotecários, gestores de dados e outros que realmente trabalham na publicação científica e entendem como ela funciona, o que precisa, como funciona. pode mudar e como esta mudança pode ser sustentada. Mal posso esperar para ver o que esta comunidade vai trazer nos próximos anos.

Nota

1. RITCHIE, S. The big idea: should we get rid of the scientific paper? [online]. The Guardian. April 11, 2022 [viewed 18 April 2022]. Available from: https://www.theguardian.com/books/2022/apr/11/the-big-idea-should-we-get-rid-of-the-scientific-paper

Referência

RITCHIE, S. The big idea: should we get rid of the scientific paper? [online]. The Guardian. April 11, 2022 [viewed 18 April 2022]. Available from: https://www.theguardian.com/books/2022/apr/11/the-big-idea-should-we-get-rid-of-the-scientific-paper

 

Sobre Glenn Hampson

Glenn Hampson é o fundador e diretor executivo do Science Communication Institute e diretor do programa da Open Scholarship Initiative (OSI, um projeto SCI). Em ambas as capacidades, Glenn é um palestrante frequente em temas de comunicação científica e acesso aberto. Antes da SCI e da OSI, Glenn atuou como gerente sênior de projeto do Fred Hutchinson Cancer Research Center, diretor de comunicações de um centro de pesquisa da Universidade de Washington, presidente da Castle Pacific Publishing Company, editor-chefe e webmaster do International Finance Corporation do Banco Mundial, editor associado da Riverside Publishing Company e representante de campo de um membro do Congresso dos EUA. Glenn é formado em Administração Pública, História e Astronomia, atua em vários conselhos e é autor de vários livros. Ele mora em Seattle com sua esposa e filho, onde é treinador de beisebol juvenil e é voluntário em escolas e na comunidade.

 

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

HAMPSON, G. Publicação acadêmica e carros elétricos: um comentário sobre “The big idea: should we get rid of the academic paper?” [online]. SciELO em Perspectiva, 2022 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2022/04/18/publicacao-academica-e-carros-eletricos-um-comentario/

 

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