Por Ronaldo Ferreira de Araújo
Durante décadas, os autores consultaram rotineiramente o Fator de Impacto de um periódico para determinar onde enviar um manuscrito. Com o surgimento das altmetrias, agora o impacto do periódico nas mídias sociais e a relação que ela estabelece com o público também influenciam na seleção de um periódico. Nesse sentido, as métricas de mídia social podem atuar como um tipo de Fator de Impacto nas mídias sociais e auxiliar no gerenciamento da presença do periódico na web em plataformas como Twitter e Facebook.
Nos dias 17 a 20 de julho de 2018, realizou-se no Rio de Janeiro o VI Encontro Brasileiro de Bibliometria e Cienciometria (EBBC), realizado pelo Instituto de Bioquímica Médica, a Faculdade de Administração e Ciências Contábeis e o Sistema de Bibliotecas e Informações da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com apoio da Fundação Oswaldo Cruz. Um dos palestrantes internacionais foi a Dra. Stefanie Haustein, da School of Information Studies da Universidade de Ottawa, Canadá, codiretora do ScholCommLab e pesquisadora afiliada do Centre Interuniversitaire de Recherche sur la Science et la Technologie (CIRST) da Universidade do Quebec em Montreal (UQAM). Após sua palestra: “Scholarly Twitter metrics: How, when and what does the Twittersphere tweet about science?” (Métricas acadêmicas no Twitter: Como, quando, e o que a “tuitosfera” tuita sobre ciência?), ela nos concedeu uma entrevista na qual pudemos abordar a importância da presença dos periódicos no âmbito dos estudos altmétricos, com atenção especial no Twitter.
Esta entrevista dá continuidade às discussões realizadas no painel 4.2 – Impacto científico/acadêmico dos periódicos – indicadores baseados em citações e outros da Conferência SciELO 20 anos.
1. A que você atribui a prevalência do Twitter na comunidade científica em relação ao número de tweets em artigos científicos em comparação a outras fontes como Facebook e blogs?
O fato de o Twitter apresentar uma das maiores frequências de quantidade de menções referentes a links para artigos de periódicos tem várias razões. Em primeiro lugar, o Twitter é uma plataforma com uma grande base de usuários: mais de 10 milhões de usuários do Brasil estão ativos no Twitter. Claro, considerando o enorme tamanho da população do Brasil, isso é apenas 5% das pessoas. Em todo o mundo, 4,1 milhões de contas exclusivas do Twitter “linkaram” ao menos um artigo de periódico científico com um número de DOI.
Em comparação com o Twitter, 11% dos artigos de periódicos são vinculados a publicações do Facebook, 3% por postagens em blogs e menos de 1% são mencionados em artigos da Wikipédia, conforme analisado pelo Altmetric. No entanto, é necessário estar ciente da discrepância entre a coleta de dados e quantidade real de posts no Facebook: O Altmetric apenas captura posts públicos; aqueles posts em que usuários do Facebook compartilham suas informações de forma privada, ou seja, visíveis apenas aos seus amigos, não são considerados pelo Altmetric. Portanto, a maioria dos estudos altmétricos subestimam a atividade no Facebook. A coleta de dados pelo Altmetric e outros provedores de métricas acadêmicas ainda é problemática e incompleta.
2. Em sua apresentação, ao mostrar parte dos resultados sobre como e por quem os artigos são compartilhados no Twitter, você apresenta dados dos três principais usuários mais ativos (em número de tweets) e, na maioria dos casos, os perfis de periódicos aparecem entre os mais ativos. Em sua opinião, qual é a importância de os periódicos científicos manter sua presença online com perfis de mídias sociais como o Twitter?
Os resultados referentes aos usuários que são mais ativos quando se trata de artigos de periódicos científicos revelam que não podemos simplesmente falar sobre o impacto social ao avaliar tweets e outras atividades de mídia social no contexto da comunicação científica. A maioria das contas muito ativas é total ou parcialmente automatizada – consideramos estas contas de bots ou ciborgues. Se os tweets vinculados a artigos de periódicos são enviados automaticamente, a questão é se ainda podemos falar sobre qualquer tipo de impacto: que tipo de influência tem um artigo de periódico quando é enviado sem intenção humana? No caso de tweets sobre publicações de autoria de pelo menos um autor de uma instituição brasileira, os três usuários mais ativos por número de tweets são arXiv_trend, par_paper, e psych2evidence. Todas as três contas encontram-se suspensas ou foram excluídas.
Contas movimentadas por periódicos ou publishers também são bastante comuns no Twitter. Frequentemente exibem atividades promocionais e de marketing, nas quais o conteúdo específico publicado no periódico é promovido. Em minha opinião, cabe ao periódico decidir se mantêm esta conta ou não. Se o fizessem, eu apoiaria tuitar todos os artigos, mas promoveria um pequeno número de tópicos particularmente relevantes, por exemplo, aqueles que discutem uma questão atual ou vários artigos discutindo o mesmo assunto. É claro que, do ponto de vista do periódico, qualquer tweet adicional vinculado a um artigo é um bom tweet, contanto que continuemos contando tweets sem diferenciar pelo tipo de usuário do conteúdo do tweet.
3. A hashtag, um elemento estrutural do Twitter para descrição e classificação de conteúdo, também foi apresentada como um aspecto a ser considerado em estudos altmétricos. O que ela oferece para pesquisa em altmetria e como ela pode contribuir para entender os contextos de compartilhar artigos no Twitter?
Eu acho que as hashtags são uma possibilidade particularmente interessante de investigar no contexto da altmetria. Eles geralmente representam a essência de um tweet – a mensagem se resume em uma palavra-chave ou uma hashtag de reunião para propagar a comunidade em um evento. Na minha opinião, embora extremamente simples para analisar o conteúdo e contexto da atividade de tuitar, as hashtags são completamente subinvestigadas quando se trata de altmetria.
4. Em seu estudo, você introduz uma novidade considerando a ocorrência de emojis em tweets sobre artigos científicos. Na sua opinião, qual é o papel dos emojis neste contexto e como eles podem ser entendidos em estudos altmétricos?
Honestamente, eu esperava que o uso de emojis fosse mais significativo, especialmente porque eles são tão populares nas mídias sociais e considerando a quantidade de informação que eles são capazes de transmitir em um curto espaço da mensagem. No entanto, menos de 2% dos tweets capturados pelo Altmetric continham um emoji. Os emojis usados com mais frequência eram de apontamento (👇, 👈) e curtir (👍, ❤), bem como ícones relacionados com leitura (📚, 👀). Emojis relacionados a esporte foram particularmente populares em tweets de usuários de Twitter no Brasil em artículos de autoria de pesquisadores brasileiros.
5. Ao final de sua apresentação, você considera que o uso do Twitter não é considerado um impacto social; o que exatamente você acha que seu uso representa no âmbito dos estudos altmétricos?
Eu definitivamente permaneço firme com a conclusão a que cheguei no Rio no ano passado (e em muitas de minhas palestras sobre altmetria) de que a atividade de mídia social relacionada a artigos de periódicos científicos não representa impacto social. Alguns tweets vinculados a artigos científicos podem sinalizar o interesse do público em geral por conteúdo científico e acadêmico, no entanto, como mostrado acima pelo papel dominante de contas automatizadas ou de marketing, grande parte da atividade que atualmente consideramos altmetria não reflete nenhum tipo de impacto. Portanto, é de suma importância que a pesquisa altmétrica e as aplicações altmétricas avancem e diferenciem vários tipos de atividades e usuários. Análises mais detalhadas do conteúdo do tweet (e posts de outras mídias sociais), incluindo hashtags, emojis e geolocalização de usuários, devem ser o foco da altmetria no futuro. Outro aspecto pouco investigado é também as redes subjacentes de dados que são inerentemente redes: por exemplo, em um artigo recente1 em colaboração com meu codiretor do ScholCommLab, Juan Pablo Alperin, investigamos as redes seguidoras de usuários do Twitter vinculadas ao mesmo artigo e encontramos padrões interessantes usando a análise de redes sociais. Estas estruturas subjacentes podem nos ajudar a diferenciar usuários leigos da comunidade científica.
Nota
1. ALPERIN, J.P., GOMEZ, C.J. AND HAUSTEIN, S. Identifying diffusion patterns of research articles on Twitter: A case study of online engagement with open access articles. Public Understanding of Science [online]. 2019, vol. 28, no. 1, pp. 2-18 [viewed in 11 June 2019]. DOI: 10.1177/0963662518761733. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0963662518761733
Referência
ALPERIN, J.P., GOMEZ, C.J. AND HAUSTEIN, S. Identifying diffusion patterns of research articles on Twitter: A case study of online engagement with open access articles. Public Understanding of Science [online]. 2019, vol. 28, no. 1, pp. 2-18 [viewed in 11 June 2019]. DOI: 10.1177/0963662518761733. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0963662518761733
Links externos
Centre Interuniversitaire de Recherche sur la Science et la Technologie (CIRST) <https://www.cirst.uqam.ca/>
ScholCommLab <https://www.scholcommlab.ca/>
School of Information Studies <https://arts.uottawa.ca/sis/>
Sobre Ronaldo Ferreira de Araújo
Professor e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Alagoas (PPGCI/UFAL), professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Organização do Conhecimento da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGGOC/UFMG) e editor do periódico Ciência da Informação em Revista. É líder do Laboratório de Estudos Métricos da Informação na Web (Lab-iMetrics), onde desenvolve estudos sobre a cibermetria e a mediação da informação na web, marketing científico digital e avaliação do impacto acadêmico e social de resultados de pesquisa, utilizando métricas alternativas.
Sobre Stephanie Haustein
Stephanie Haustein é Professora Assistente da School of Information Studies da Universidade de Ottawa, no Canadá, e codirige o #ScholCommLab, um grupo de pesquisa que analisa todos os aspectos da comunicação científica na era digital, na Universidade Simon Frasier, em Vancouver, Canadá. Ela também é membro associado do Centre Interuniversitaire de Recherche sur la Science et la Technologie (CIRST) e pesquisadora afiliada da Cátedra de Pesquisa sobre as Transformações da Comunicação Científica do Canadá da Universidade de Montréal e do Observatoire des Sciences et des Technologies (OST) da Universidade do Quebec em Montreal (UQAM). Sua pesquisa enfoca a comunicação científica, bibliometria, altmetria e ciência aberta e analisa o papel das mídias sociais na academia.
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
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