Piratas da literatura médica – estudo bibliométrico mundial

Por Ernesto Spinak

Imagem: Markus Spiske.

Neste mesmo mês de janeiro de 2019, o periódico The Lancet: Global Health acaba de publicar um estudo mundial sobre a pirataria de artigos médicos1, principalmente por países de média renda.

Ter acesso à literatura médica é importante tanto para o avanço da pesquisa quanto para a prática médica. No entanto, conforme relatado no artigo que comentamos, apenas 12% dos novos artigos publicados estão em acesso aberto. No caso do PubMed Central, apenas 3 milhões dos 26 milhões de artigos deste repositório estão disponíveis gratuitamente.

Para ter acesso aos outros milhões de artigos é necessário ter assinaturas, que são caras e, em geral, quase impossíveis de obter em países de baixa e média renda. Por essa razão, no início do ano 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio de sua iniciativa Hinari (Health InterNetwork Access to Research Initiative)2, desenvolveu um projeto para fornecer acesso gratuito a revistas médicas a instituições de saúde sem fins lucrativos em países de baixa renda. Lamentavelmente, o êxito desta iniciativa foi relativo, pois nem sempre é bem conhecida, a plataforma de TI é bastante complexa e parece que o acesso aos periódicos de maior impacto é restrito.

Devido a estas limitações e dificuldades de acesso livre a informação científica, é que “bibliotecas nas sombras” (shadow libraries) foram desenvolvidas, sendo Sci-Hub3 uma das mais conhecidas. Uma análise recente4 das solicitações revelou que o Sci-Hub resolveu com sucesso mais de 99% dos downloads de artigos. Em particular, tem sido amplamente utilizado na América Latina para acessar a literatura científica médica.

Devido à proteção de direitos autorais, esta atividade é tecnicamente ilegal e, por este motivo, a Elsevier ganhou um processo de US$ 15 milhões em tribunais norte-americanos. No entanto, o Sci-Hub ainda está ativo e com forte apoio da comunidade acadêmica global em todas as disciplinas científicas.

Para examinar a dimensão dos downloads “piratas” da literatura médica no Sci-Hub e os dados em nível dos países, um grupo de pesquisadores médicos, principalmente dos EUA, realizou uma análise bibliométrica entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016 correspondendo a 4,7 milhões de artigos baixados da área de ciências médicas. Os resultados foram analisados normalizados considerando as diferenças de tamanho dos países, sua produção científica, pesquisadores, universidades, etc. A maioria das solicitações (69%) provinha de países de baixa e média renda, destacando-se em números absolutos: Índia, China, EUA, Brasil e Irã. Normalizados pela produção científica do país, os números mais altos corresponderam ao Peru, Argélia, Equador, Marrocos e Indonésia. A classificação dos países por nível de renda foi fornecida pelo Banco Mundial.

A cada mês, quase um milhão de artigos de revistas médicas são baixados pelo Sci-Hub, onde uma maioria significativa é solicitada pelos países de renda mais baixa, embora os países de alta renda também os solicitem. Mas a grande maioria das solicitações provém de países de renda média. Uma das razões prováveis é que estes países não qualificam para o projeto Hinari2 da OMS, o que mostra que o problema subjacente não é resolvido com doações generosas aos mais pobres, porém modificando as políticas de acesso em nível mundial. Nos referimos ao Acesso Aberto, como o SciELO vem promovendo há mais de 20 anos.

Por estas razões, e frente às evidências, é que os autores do artigo comentado1 concluem, dizendo:

Nossa análise destaca que um grande volume de literatura médica está sendo baixado ilegalmente em quase todos os países do mundo. Existe uma relação significativa entre a produção científica desses países e a densidade de downloads ilegais, principalmente em países de renda média. Esta desigualdade no acesso lícito à literatura médica requer a atenção da indústria editorial e dos formuladores de políticas públicas.

Notas

1. TILL, B.M., et al. Who is pirating medical literature? A bibliometric review of 28 million Sci-Hub downloads. Lancet Glob Health [online]. 2019, vol. 7, no. 1, e31–32 [viewed 23 January 2019]. DOI: 10.1016/S2214-109X(18)30388-7. Available from: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2214-109X%2818%2930388-7

2. Hinari Eligibility [online]. WHO | Hinari Access to Research for Health programme. 2019 [viewed 23 January 2019]. Available from: https://www.who.int/hinari/eligibility/en/

3. Sci-Hub <https://sci-hub.tw/>

4. MEJIA, C.R., et al. Use, knowledge, and perception of the scientific contribution of Sci-Hub in medical students: Study in six countries in Latin America. PLOS ONE [online]. 2017, vol. 12, no. 10, pp. e0185673 [viewed 23 January 2019]. DOI: 10.1371/journal.pone.0185673. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0185673

Referências

Country Income Groups (World Bank Classification) [online]. Charts Bin. 2017 [viewed 23 January 2019]. Available from: http://chartsbin.com/view/2438

Hinari Eligibility [online]. WHO | Hinari Access to Research for Health programme. 2019 [viewed 23 January 2019]. Available from: https://www.who.int/hinari/eligibility/en/

MEJIA, C.R., et al. Use, knowledge, and perception of the scientific contribution of Sci-Hub in medical students: Study in six countries in Latin America. PLOS ONE [online]. 2017, vol. 12, no. 10, pp. e0185673 [viewed 23 January 2019]. DOI: 10.1371/journal.pone.0185673. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0185673

TILL, B.M., et al. Who is pirating medical literature? A bibliometric review of 28 million Sci-Hub downloads. Lancet Glob Health [online]. 2019, vol. 7, no. 1, e31–32 [viewed 23 January 2019]. DOI: 10.1016/S2214-109X(18)30388-7. Available from: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2214-109X%2818%2930388-7

VILLAFUERTE-GÁLVEZ, J., CURIOSO, W.H. and GAYOSO, O. Biomedical Journals and Global Poverty: Is HINARI a Step Backwards? PLoS Med [online]. 2007, vol. 4, no. 6, pp. 220 [viewed 23 January 2019]. DOI: 10.1371/journal.pmed.0040220. Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.0040220

Links externos

Sci-Hub <https://sci-hub.tw/>

 

Sobre Ernesto Spinak

Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado em Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

 

Traduzido do original em espanhol por Lilian Nassi-Calò.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SPINAK, E. Piratas da literatura médica – estudo bibliométrico mundial [online]. SciELO em Perspectiva, 2019 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2019/01/23/piratas-da-literatura-medica-estudo-bibliometrico-mundial/

 

3 Thoughts on “Piratas da literatura médica – estudo bibliométrico mundial

  1. REJANE GONTOW on February 13, 2019 at 12:42 said:

    Parabéns Ernesto Spinak por divulgar esta pesquisa. O que me surpreende é a falta de políticas de acesso que resolvam esta situação que acaba por acarretar grandes prejuízos não só à comunidade médica quanto ao público em geral, totalmente dependente desta qualificação.

    O SCIELO, com o Acesso Aberto, é um exemplo de que o compartilhamento do conhecimento deve ser o modelo a ser seguido, estabelecendo-se assim o verdadeiro ganha-ganha.

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