Por Ernesto Spinak
Nos últimos anos vem surgindo uma indústria mundial de livros eletrônicos (ebooks), com grande força no mercado no idioma inglês e notável força nos Estados Unidos. O recente informe Global eBook: a report on market trends and developments, 20161 fornece uma visão a nível global do desenvolvimento do mercado de ebooks que, após uma década de crescimento ininterrupto, diminuiu nos últimos três anos, ao menos por parte dos editores tradicionais, tanto nas vendas de livros físicos como eletrônicos, a favor de empresas globais como a Amazon ou a publicação não tradicional pelos próprios autores. (Nota: todas as cifras mencionadas neste post, a menos que se indique uma referência, provém do Global eBook). Devido à extensão do informe, este post será publicado em partes.
A publicação de ebooks é consequência natural da mudança de hábitos de bilhões de pessoas no planeta que têm conexão de Internet através de telefones móveis e tablets a qualquer momento em qualquer parte do mundo. De acordo com o informe que comentamos, a penetração global das mídias sociais supera em 31% o da população mundial. Embora a produção de livros (escrever, editar, publicar) parece ser um processo tradicional que resiste às mudanças, de uma maneira ou outra ele se transforma, seguindo as decisões espontâneas e massivas do público. A edição de livros é a segunda indústria mais importante entre as indústrias de conteúdo2 (a primeira é a televisão) gerando, a nível global, mais de 150 bilhões de dólares de faturamento por ano. Na transformação digital, os diferentes segmentos da indústria de conteúdos evoluem de maneira muito diferente.
Os mercados livreiros ao redor do mundo são modelados por diferentes fatores, desde o tamanho da população até o nível de desenvolvimento econômico. O principal mercado de consumo de ebooks hoje em dia são os Estados Unidos; o segundo, a China; e se seguem Alemanha, Japão, Reino Unido, e uma serie de países europeus. Na América Latina se encontram Brasil, México e Argentina nas posições 10, 18 e 26, respectivamente.
Do ponto de vista da produção de títulos, entretanto, a ordem varia, estando em primeiro lugar o Reino Unido com quase 3.000 novos títulos ao ano por milhões de habitantes, seguido pela Dinamarca, Eslovênia, e Espanha, em quarto lugar, com uma produção de mais de 1.600 novos títulos por milhão de habitantes.
Em resumo, se pode afirmar que o negócio do ebook a nível global se encontra concentrado em poucos mercados onde seis países dão conta de quase 60% do faturamento global, apesar de recentemente estarem emergindo companhias com papéis relevantes em seus mercados domésticos no Brasil, China, Índia e Rússia.
No universo da edição de livros se produziu no nível mais alto uma consolidação crescente entre os maiores atores, que está sendo confrontada pelas economias emergentes. Entre os 10 maiores grupos editoriais se formaram três diferentes setores, em ordem crescente de tamanho de mercado: STM (Science, Technology and Medicine), educação e literatura de consumo popular.
Os livros eletrônicos vêm se constituindo como um grupo à parte dos livros impressos. Começaram a se popularizar a partir de 2007 com o lançamento do leitor Kindle da Amazon, existindo três formatos digitais principais concorrentes (Mobi, ePub e PDF). A leitura digital se mudou dos dispositivos especiais para leitura através dos dispositivos móveis, especialmente os smartphones, em toda a Ásia e de forma crescente nos países fora da América do Norte e Europa.
As tendências do mercado mostram um suave declive do impresso, e um crescimento lento no digital, de modo que as perdas do mercado impresso não foram compensadas pela ganância do mundo digital, ao menos isso é o que expressam as estatísticas dos grupos editoriais predominantes em língua inglesa (Big Five), a saber Penguin Random House, Hachette Livre, Harper Collins, Macmillan e Simon & Schuster. Não estão disponíveis dados suficientes de ebooks para mercados fora do âmbito anglo-saxão. A transição para a leitura digital não foi tão rápida como se imaginava no início e indubitavelmente levará outros 20 anos para se consolidar.
Os ebooks não atraem todos os segmentos de leitura de maneira similar. No mercado dos Estados Unidos e Reino Unido, a penetração maior se dá nos best-sellers dos gêneros de ficção (novelas, fantasia, erotismo) e nos livros publicados pelo próprio autor (self-published), estando a não-ficção muito atrás.
O mercado europeu veio se transformando através da consolidação dos grandes grupos editoriais. Porém, as maiores transformações estão sendo produzidas na área educativa. Por exemplo, a Amazon firmou acordos com o Ministério de Educação da França para incentivar os educadores a utilizar ferramentas e plataformas disponíveis na Amazon para a criação e disseminação de recursos educativos em acesso aberto. Na batalha dos Big Five com a Amazon por diversos argumentos (entre eles o modelo de preços únicos) eles perderam participação de mercado a favor da Amazon e além disso produziram aumento de seus ganhos no setor de “indies” (autores independentes) que se aproveitam da sua capacidade de mercado e vendas. Igualmente estão surgindo outras iniciativas que oferecem plataformas e consultoria como serviços a instituições e particulares para a edição digital de livros por conta própria dos interessados.
A publicação por conta própria (self-publishing) continua florescendo e entre 2014 e 2015 foram publicados quase 460 mil títulos novos, sendo 75% destes títulos publicados somente em três plataformas: Smashwords, CreateSpace, da Amazon, e Lulu.
Da mesma forma, enquanto o mercado europeu, em particular a produção de ebooks na França e Espanha, está diminuído, o mercado floresce nos gêneros de ficção e os títulos self-published. O mesmo cenário se presenta nos países emergentes do BRIC, onde o mercado se manifesta estável. Por exemplo, no caso do Brasil3, o mercado nos últimos 10 anos está “plano”, estando disponíveis algo como 50.000 títulos em português produzidos por editoras locais e entre 15 a 20 mil títulos self-published disponíveis nas livrarias de livros eletrônicos. Ainda que isso possa mudar, devido ao fato que em 2015 a Amazon abriu uma livraria online de livros e em dois anos chegou ao primeiro lugar em vendas. Os maiores vendedores de livros eletrônicos no Brasil são Amazon, Apple, Saraiva, Google e Kobo.
A publicação digital por conta própria (self-publishing) têm um grande potencial no Brasil, estando limitada fundamentalmente pela falta de serviços personalizados que forneçam a infraestrutura operacional. Os especialistas consideram que poderia ser criado um boom de crescimento de publicações por conta própria se existisse a infraestrutura adequada, uma vez que as grandes companhias ainda não tentaram fazer agregados de ebooks em português.
Fim da primeira parte.
Notas
1. WISCHENBART, R., et al. Global eBook: a report on market trends an developments. Rüdiger Wischenbart Content and Consulting (RWCC). 2016. Available from: http://www.global-ebook.com/
2. As industrias de conteúdo incluem: Cinema; Videogames; Livros eletrônicos para o consumidor; Áudio e Música; Publicação de jornais; Publicação de revistas de ciência; Publicação de revistas para o consumidor; Publicações educativas; Publicidade pela Internet; Televisão; Vídeos de entretenimento para o lar; etc.
3. Os grupos comerciais de livros no Brasil, em ordem de importância são: Sextante, Companhia das Letras (PRH), Record, Intrínseca, Globo, Ediouro (Harpercollins), Rocco, LeYa Brasil, Planeta do Brasil e Novo Conceito. As principais editoras em educação superior são: Somos, Grupo Gen e Grupo A, que junto com a Elsevier formam o chamado Big Four brasileiro de educação superior.
Referência
WISCHENBART, R., et al. Global eBook: a report on market trends an developments. Rüdiger Wischenbart Content and Consulting (RWCC). 2016. Available from: http://www.global-ebook.com/
Links externos
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Sobre Ernesto Spinak
Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado em Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.
Traduzido do original em espanhol por Lilian Nassi-Calò.
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Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia:
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