By Jan Velterop
Sempre que você falar com cientistas pesquisadores sobre o que é importante em um periódico, especialmente se você está prestes a submeter um artigo, você ouvirá murmúrios sobre ‘qualidade’. Geralmente eles mencionam ‘fator de impacto’ (a facilidade de contar – alguma coisa, qualquer coisa, faz com que seja tentador inferir qualidade através da quantidade). E eles quase nunca oferecem uma definição credível do que a ‘qualidade’ significa realmente. Nas raras ocasiões em que o fazem, eles parecem ter em mente ‘qualidade científica’. Pelo qual eles aparentemente querem dizer ‘significância científica’. No entanto, ‘significância científica’ é principalmente o que os editores de periódicos e pareceristas – arbitraria e subjetivamente – consideram que um artigo deve ter. Não é uma avaliação objetiva, com critérios claros. Não pode ser. A significância científica normalmente só se manifesta depois de um longo tempo, quando falhas e irreprodutibilidade e outros forem excluídos (a falta de reprodutibilidade é uma questão particularmente problemática). Às vezes, isso leva uma década ou mais. Um artigo pode parecer muito interessante e promissor, mas o seu verdadeiro significado quase que certamente não pode ser estabelecido no momento da publicação. Às vezes, insignificância pode ser estabelecida nesse ponto, mas mesmo quanto a isso, é necessário cautela. O que pode parecer insignificante à primeira vista pode mais tarde vir a ser significativo, ou mesmo altamente significativo. Essa é a natureza da ciência. E mesmo se um artigo seja insignificante por si próprio, se levado em consideração em meta-análises, ele pode adicionar informações que aumentam a precisão dos resultados. Além disso, muitos ‘resultados nulos’ ou ‘resultados negativos’ são muitas vezes vistos como insignificantes, o que é totalmente inapropriado.
A preocupação generalizada com a ‘qualidade’ (ou, como os autores a chamam, ‘excelência’) é realmente prejudicial à ciência, como argumentado em um artigo recente muito interessante e instigante1 no Figshare. É uma leitura obrigatória para qualquer cientista e estudioso, em particular para aqueles que pensam em si próprios como excelentes.
Há, no entanto, elementos de ‘qualidade’ ou ‘excelência’ que podem ser medidos bastante objetivamente. Tais como a clareza e inteligibilidade da linguagem utilizada e ausência de ambiguidade. Ou a abrangência e detalhamento da seção Materiais e Métodos. Ou a clareza de ilustrações e gráficos. Ou a abrangência da lista de referência, com identificação clara e links para os textos completos dos artigos citados, por exemplo, através de DOIs. Ou a aplicação e apresentação de estatísticas adequadas. Ou os dados apresentados embasando adequadamente as conclusões relatadas. Esta é, aproximadamente, a abordagem de ‘qualidade’ de periódicos como PLOS One (e um número crescente de periódicos de acesso aberto que seguem o mesmo conjunto de critérios). Gostaria de acrescentar a isso a abertura do artigo. Afinal, a habilidade de ser compartilhado e reutilizado é altamente benéfica para a ciência e isso é digno de ser considerado um critério de ‘qualidade’.
Mas então há outra categoria de elementos de qualidade. Estes estão relacionados com a qualidade do serviço do publisher. Para os leitores, a abertura e a reutilização são qualidades importantes do serviço de um periódico e do publisher. Para os autores, o serviço que recebem de periódicos e publishers é fundamental. Na publicação de acesso aberto, o serviço aos autores é particularmente importante, uma vez que em muitos casos há uma taxa, denominada taxa de processamento do artigo (article processing charge, APC) para ser publicado após a aceitação através de um procedimento de revisão por pares. Na maior parte das vezes, no entanto, informações sobre o serviço de um periódico e o publisher estão disponíveis apenas informalmente. Um recente esforço para coletar tais informações (afinal, uma coleção de informações são dados), pelo menos de periódicos de acesso aberto, é o Mercado de Qualidade do Acesso Aberto (Qualidade Open Access Market, QOAM). A iniciativa visa reunir informação através de crowd-sourcing sobre os serviços oferecidos por periódicos de acesso aberto, e reunir estas informações em ‘cartões de pontuação’. Eles utilizam dois tipos de cartões de pontuação: ‘cartões de pontuação básicos’, que disponibilizam informação de um periódico em seu website sobre políticas editoriais, revisão por pares, governança e fluxo de trabalho e ‘cartões de pontuação de avaliação’, que cobrem a capacidade de resposta do periódico, valor acrescentado pela avaliação por pares, o seu valor por dinheiro e a satisfação geral percebida pelo autor. O projeto ainda está em seus estágios iniciais, e coletar informação desta natureza por meio de crowd-sourcing é a sua prioridade principal, porém uma vez que uma base de dados razoavelmente abrangente seja criada, seria uma boa fonte de orientação para aqueles que procuram o periódico que melhor se adapte às suas necessidades. E seria uma contraparte positiva para a lista negra orientada negativamente de ‘periódicos predatórios’ mantida por Jeffrey Beall.
Mas vamos voltar à qualidade e excelência. Tendo em conta que a preocupação com estes é prejudicial à ciência (você está certo, eu concordo com os autores deste artigo), não deveríamos reavaliar por completo o papel dos periódicos em todo o processo de comunicação científica? Em um dos meus posts anteriores neste blog2, eu tentei defender a ideia de que a comunicação deve vir em primeiro lugar, e progressão na carreira, mais tarde. Cheguei à conclusão de que o melhor dos dois mundos poderia ser obtido se todos os artigos fossem publicados primeiro em servidores de preprints e depois submetidos a periódicos, a fim de obter as ‘glórias’ necessárias para a gestão da reputação do autor. Toquei neste tema em uma apresentação recente3. Publicar primeiro em um servidor aberto de preprints traz algumas vantagens muito significativas. É rápido e o compartilhamento dos próprios resultados de pesquisa não está sujeito a atrasar devido à avaliação por pares e outros procedimentos de publicação do periódico; isso permite avaliação por pares potencialmente muito mais ampla, aberta e franca por membros da comunidade científica numa dada disciplina, se comparado com a revisão por pares limitada e muitas vezes anônima oferecida pelos periódicos; e há, em geral – pelo menos onde foi analisado – muito pouca diferença substancial entre as versões do preprint e eventualmente as versões formalmente publicadas dos artigos. Preprints podem até satisfazer as exigências de acesso aberto imediato anunciadas pela UE4 recentemente – eu acredito que irão.
Seria realmente o melhor de dois mundos. O fluxo rápido e livre de informação científica seria garantido através de pré-publicações e os publishers também seriam capazes de justificar a cobrança de seus serviços de publicação formal em seus periódicos. Eles não seriam mais simplesmente ‘publishers‘; seu papel não envolveria a disseminação real de conhecimento. Eles seriam ‘fornecedores de emblemas de gestão de reputação’ (ou ‘glórias’, como gosto de chamá-los). Aqueles que claramente são considerados de valor por grandes setores da comunidade científica, e desta forma, a necessidade destas ‘glórias’ não seria um impedimento ao livre fluxo de conhecimento, mas seu complemento.
Notas
1. MOORE, S., et al. Excellence R Us: University Research and the Fetishisation of Excellence. Figshare. 2016. Available from: http://figshare.com/articles/Excellence_R_Us_University_Research_and_the_Fetishisation_of_ Excellence/3413821/1
2. VELTEROP, J. Ciência (que deve ser comunicada) em primeiro lugar, carreiras (que demandam seletividade) depois. SciELO em Perspectiva. [viewed 08 June 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/10/29/ciencia-que-deve-ser-comunicada-em-primeiro-lugar-carreiras-que-demandam-seletividade-depois/
3. VELTEROP, J. Openness is a scientifically and societally relevant part of a published article’s quality. In: ALLEA symposium, Vienna, 2016. Available from: http://figshare.com/articles/Openness_and_Quality_Vienna_April_2016_copy_pptx/3187030 and http://www.allea.org/Content/ALLEA/General%20Assemblies/GA2016/Symposiumpresentations/ 18042016nachmittag_Velterop.mp3
4. KHOMAMI, N. All scientific papers to be free by 2020 under EU proposals. The Guardian. 2016. Available from: http://www.theguardian.com/science/2016/may/28/eu-ministers-2020-target-free-access-scientific-papers
Referências
BAKER, M. 1,500 scientists lift the lid on reproducibility. Nature. 2016, vol. 533, nº 7604, pp. 452-454. DOI: 10.1038/533452a. Available from: http://www.nature.com/news/1-500-scientists-lift-the-lid-on-reproducibility-1.19970
KHOMAMI, N. All scientific papers to be free by 2020 under EU proposals. The Guardian. 2016. Available from: http://www.theguardian.com/science/2016/may/28/eu-ministers-2020-target-free-access-scientific-papers
KLEIN, M, et al. Comparing Published Scientific Journal Articles to Their Pre-print Versions. Arxiv. 2016. Available from: http://arxiv.org/pdf/1604.05363v1.pdf. No prelo.
MOORE, S., et al. Excellence R Us: University Research and the Fetishisation of Excellence. Figshare. 2016. Available from: http://figshare.com/articles/Excellence_R_Us_University_Research_and_the_Fetishisation_of_ Excellence/3413821/1
VELTEROP, J. Ciência (que deve ser comunicada) em primeiro lugar, carreiras (que demandam seletividade) depois. SciELO em Perspectiva. [viewed 08 June 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/10/29/ciencia-que-deve-ser-comunicada-em-primeiro-lugar-carreiras-que-demandam-seletividade-depois/
VELTEROP, J. Openness is a scientifically and societally relevant part of a published article’s quality. In: ALLEA symposium, Vienna, 2016. Available from: http://figshare.com/articles/Openness_and_Quality_Vienna_April_2016_copy_pptx/3187030 and http://www.allea.org/Content/ALLEA/General%20Assemblies/GA2016/Symposiumpresentations/ 18042016nachmittag_Velterop.mp3
Link externo
QOAM, Quality Open Access Market – <http://www.qoam.eu/oamarket/>
Sobre Jan Velterop
Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia:
http://blog.scielo.org/es/2016/06/13/lo-mejor-de-ambos-mundos/#comment-39191
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