Por Lilian Nassi-Calò
A Comissão Europeia (CE) realizou em outubro de 2015 na sua sede em Bruxelas, Bélgica, um workshop sobre modelos alternativos de publicação em acesso aberto (AA). O evento teve por objetivo reunir acadêmicos, publishers, bibliotecários e pessoas interessadas em debater o futuro do AA e sua crescente presença e importância como modelo de publicação de resultados de pesquisa, principalmente aquela financiada com recursos públicos.
O Workshop on Alternative Open Access Publishing Models (AlterOA) propôs a questão ‘Qual é o futuro do acesso aberto? ’, partindo da premissa que, decorridos 25 anos do movimento do AA, faz-se necessário ouvir novas ideias e opiniões da comunidade acadêmica e demais atores sobre as conquistas, retrocessos, limitações, possibilidades de evolução e aperfeiçoamento do AA. Ademais, o novo e maior programa de pesquisa e inovação da União Europeia, Horizon 2020, a ser desenvolvido no prazo de sete anos (2014-2020), estipulou o acesso aberto como regra para publicação dos resultados do projeto.
A decisão da CE sobre a adoção do AA no âmbito do Horizon 2020, ao invés de fechar a questão sobre este modelo de publicação, descortinou uma infinidade de possibilidades. Ficou evidente que existem várias formas de obedecer ao mandato de publicação de acesso aberto, um dos principais requerimentos da política. Além das tradicionais Via Verde e Via Dourada, novas formas de AA estão surgindo e um dos objetivos do AlterOA era reuni-las e levá-las à análise e discussão dos especialistas presentes.
Na visão dos integrantes da AlterOA, trata-se de ampliar o escopo do acesso aberto para além do simples acesso, que era prioritário nos anos ’90. Atualmente, é preciso especificar que tipo de acesso quer a comunidade acadêmica e a sociedade. É possível agregar condições à publicação em acesso aberto e até mesmo desenvolver princípios para a publicação acadêmica, planejando, assim, a comunicação científica do futuro. AlterOA acaba de dar o primeiro passo neste sentido, trazendo o tema ao debate.
Na mesma data do evento, 12 de outubro de 2015, foi publicada uma declaração conjunta de Carlos Moedas, Comissário Europeu de Pesquisa, Inovação e Ciência e Sander Dekker, Secretário de Estado para a Educação, Cultura e Ciência da Holanda, invocando os publishers a adaptar seus modelos de negócio às novas realidades. Estas e outras determinações estão incluídas na política de Open Science, uma de suas mais altas prioridades. Ambos compartilham da visão que a publicação acadêmica deve tornar os modelos de negócios de acesso aberto mais justos e transparentes, para o benefício da pesquisa na União Europeia e no mundo. Na opinião de Moedas, entretanto, não basta definir políticas, é necessário acompanhar os processos. Por exemplo, todos os custos referentes à publicação em acesso aberto de resultados de pesquisa no Horizon 2020 (o que é mandatório) podem ser reembolsados na vigência do projeto. Entretanto, o Comissário advertiu que poderá rever esta política, caso seja comprovado que certos publishers pratiquem taxas de publicação de artigos (article processing charges, APCs) consideradas abusivas. A dupla-cobrança (double-dip) praticada por periódicos híbridos que oferecem acesso aberto a autores que pagam APC e cobram novamente assinaturas para permitir acesso integral ao periódico, também é considerada abusiva e, segundo Moedas, será coibida.
“A Europa é a região responsável pela maior produção científica no mundo e, como tal, vem acompanhando a tendência mundial, tornando-se cada vez mais aberta, colaborativa e participativa”, afirma Moedas. Na sua visão, os publishers não podem se permitir ficar de fora desta tendência, pois “tecnologias digitais têm, inevitavelmente, o mesmo impacto inovador na publicação científica como na mídia, música, filmes e na indústria de telecomunicações”.
Os integrantes da AlterOA propõem acesso aberto justo e transparente aos resultados de pesquisa, segundo o informe do evento elaborado por Adam Smith. Mais especificamente, transparência com relação a custos, o que pode contribuir para reduzir APCs, e até mesmo excluir periódicos híbridos. Um modelo justo de AA significa que uma única política não atende a todos. Modelos de AA com base em APC podem não ser acessíveis a países menos favorecidos, e fazem menos sentido em países que investiram fortemente em uma ‘estrutura verde’ (repositórios). A questão dos direitos autorais também deve ser definida, e certamente autores devem deter os direitos, não os publishers. Licenças adequadas, como Creative Commons, devem ser sistematicamente utilizadas na regulamentação. A questão da infraestrutura também tem um papel central. É preciso definir qual seria a forma mais adequada de depositar, armazenar e preservar as publicações como, por exemplo, repositórios na nuvem ou bases de dados administradas pelos publishers. De toda forma, esta é uma ação que demanda esforços de todos os atores envolvidos no processo editorial, e é preciso atribuir funções a cada um deles. Estes aspectos e o futuro da publicação científica apontam para um tema mais amplo, governança. A CE precisa definir como soluções para a publicação em acesso aberto serão geridas e executadas.
A UE sustenta uma posição na qual a Internet e as tecnologias digitais podem fomentar a interação entre pessoas em todos os níveis, de relações comerciais entre Estados-Membros à colaboração em pesquisa. Isso implica que o acesso a resultados de pesquisa deve ser facilitado e encorajado ao máximo, e não impedir qualquer pessoa de utilizá-los. Assim, publishers científicos comerciais se viram compelidos a rever e adaptar seus modelos de negócios.
Na sessão de abertura do workshop, Jean-Claude Guédon, professor de literatura comparada na Universidade de Montreal, Canadá, adiantou que é preciso reagir ao desejo de preservar o passado em relação à publicação acadêmica e criar um sistema de publicação que se traduza em formas mais eficiente de distribuir e compartilhar conhecimento. Porém, ele adverte, não se trata apenas de facultar o acesso, serão necessárias mudanças radicais de atitude e em tecnologia. Guédon menciona duas, em particular: a primeira consiste em separar a avaliação da pesquisa de sua disseminação, rompendo com a avaliação da ciência baseada no prestígio do periódico em que foi publicada. A segunda diz respeito ao financiamento da pesquisa. A entidade política que atua como agência de fomento deve estabelecer prioridades de pesquisa e alinhar o seu desenvolvimento à disseminação. Esta abordagem seria favorecida por modelos de publicação centrados nos artigos e não nos periódicos.
Ralf Schimmer, da Biblioteca Digital Max Plank, ressalta que as transformações propostas no workshop não devem requerer mais investimento do que o sistema atual. Estudos mostram que é possível canalizar recursos de assinaturas para APCs no modelo de acesso aberto Via Dourada, como relatado anteriormente neste blog.
Em posts subsequentes publicaremos conteúdos dos debates, soluções e perspectivas sobre o futuro do acesso aberto apresentados no workshop AlterOA.
Referências
Commissioner Moedas and Secretary of State Dekker call on scientific publishers to adapt their business models to new realities. Statement, 12 October, 2015. Available from: https://ec.europa.eu/commission/2014-2019/moedas/announcements/commissioner-moedas-and-secretary-state-dekker-call-scientific-publishers-adapt-their-business_en
COP, N. Recursos gastos globalmente em assinaturas de periódicos podem ser completamente transferidos para um modelo de negócio de acesso aberto para liberar acesso aos periódicos?. SciELO em Perspectiva. [viewed 30 December 2015]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/05/26/recursos-gastos-globalmente-em-assinaturas-de-periodicos-podem-ser-completamente-transferidos-para-um-modelo-de-negocio-de-acesso-aberto-para-liberar-acesso-aos-periodicos/
European Commission, Directorate-General for Research & Innovation. Guidelines on Open Access to Scientific Publications and Research Data in Horizon 2020. Version 2.0, 30 October 2015. Available from: http://ec.europa.eu/research/participants/data/ref/h2020/grants_manual/hi/oa_pilot/h2020-hi-oa-pilot-guide_en.pdf
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MOEDAS, C. Open Innovation, Open Science, Open to the World. European Commission Speech. European Commission. 2015. Available from: http://europa.eu/rapid/press-release_SPEECH-15-5243_en.htm
RAMJOUÉ, C. “Fair” open access and the future of scientific publishing. European Commission. 2015. Available from: http://ec.europa.eu/futurium/en/content/fair-open-occess-and-future-scientific-publishing
Report of the Workshop on Alternative Open Access Publishing Models. European Commission. 2015. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/report-workshop-alternative-open-access-publishing-models
SMITH, A. Alternative Open Access Publishing Models: Exploring New Territories in Scholarly Communication. Report on the workshop held on 12 October 2015 at the European Commission Directorate-General for Communications Networks, Content and Technology. European Commission. 2015. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/sites/digital-agenda/files/newsroom/report_oa_11534_0.jpg
VELTEROP, J. O que está atrasando a transição ao acesso aberto se não custa mais?. SciELO em Perspectiva. [viewed 30 December 2015]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/09/10/o-que-esta-atrasando-a-transicao-ao-acesso-aberto-se-nao-custa-mais/
Links externos
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Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
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