Nos tempos da publicação acadêmica somente em papel, os autores recebiam do editor um maço de separatas (reprints) de seus artigos para distribuir entre os colegas. Porém o mundo mudou para a Web, e com o avanço do modelo de Acesso Aberto muitos autores colocam à disposição versões on-line de seus trabalhos para serem baixados à vontade por qualquer interessado. Então, segundo informado no periódico The Economist de 11 de janeiro, a Elsevier iniciou um contra-ataque amparado nos termos da Digital Millennium Copyright Act¹ (DMCA), uma lei Norte-americana que permite quem possuir os direitos intelectuais pode exigir a remoção de qualquer objeto disponível on-line sem sua permissão.
O primeiro alarme soou quando em princípios de dezembro de 2013 a Elsevier enviou cerca de 2.800 e-mails a Academia.edu (um site comercial que compete com o aplicativo Mendeley da Elsevier) solicitando que fosse retirado de seu site trabalhos acadêmicos de universidades americanas e canadenses. Além disso, na semana seguinte Elsevier começou a enviar as mesmas solicitações a instituições como a University of Calgary, California-Irvine, UCDavis University, e Harvard.
Imediatamente surgiram vozes em defesa do direito dos autores em publicar em acesso aberto seus trabalhos. As opiniões do lado acadêmico indicam que, em geral somente a versão final de um artigo, tal como aparece no periódico, é que está protegido pelo copyright do editor, mas o mesmo não ocorre com as versões preliminares, opinião com a qual a Elsevier concorda e aceita que estas versões não oficiais possam ser distribuídas livremente se assim desejar o autor.
Esta ação da Elsevier fez soar um alarme na comunidade, pois se percebe o risco de que outros publishers iniciem esta mesma linha de ação, mesmo que em longo prazo poderia ter efeitos contrários ao acelerar as iniciativas de publicação em acesso aberto por parte das instituições acadêmicas. Até agora, as noticias não dizem se foram iniciadas ações legais, e é a primeira vez que alguma grande editoria tenha dado um golpe importante nos pesquisadores que publicam seus próprios trabalhos online, levando em conta as recentes disposições legais nos EUA e na Comunidade Europeia que requerem que resultados de pesquisa financiada com recursos públicos devam ser publicadas em acesso aberto após um período (opcional e variável) de embargo².
Muitas editoras permitem aos autores a autopublicação (self-archive) dos artigos em seus sites, em geral logo após a avaliação, porém antes da publicação oficial, e nestes casos é frequente que se imponha um período de embargo.
Em vista da confusão que foi criada no seio da comunidade de pesquisadores nestas últimas semanas, a UC Office of Scholarly Communication da Universidad de California publicou uma série de opções e sugestões aos autores em caso de receber uma notificação de retirar trabalhos em acesso aberto, entre as quais se pode destacar:
- Se não recebeu uma notificação, não deve fazer nada.
- Se seu artigo está depositado em um Repositório institucional então é o Repositório que deverá analisar a ação que corresponda. Neste caso é importante que o Repositório tenha uma política de acesso aberto declarada.
- Se publicou em um periódico de uma editorial comercial, leia o contrato que assinou para considerar quais são efetivamente as restrições e as liberdades.
- Se não conhece as políticas do periódico no qual publicou, pode verificá-las na página da base de dados SHERPA/RoMEO³, onde se indicam com detalhes os graus de liberdade de que dispõe (self-archive, via Dorada, Via Verde, etc).
- No caso das instituições regidas pela DMCA (e leis similares em outros países) sugere-se proteger-se sob as guias da Sessão 512 da DMCA¹.
A Elsevier e outros publishers no campo da ciência, tecnologia e medicina (STM) claramente consideram que o movimento de Acesso Aberto é uma ameaça a suas enormes margens de lucro, pois como informou a Elsevier, seus lucros em 2012 foram de £780 milhões, dos quais 65% provêm de assinaturas de instituições acadêmicas. Apesar de que os custos de publicação na Internet diminuíram muito, os custos de assinaturas dos periódicos aumentaram cerca de 30% a valores constantes desde 1986.
De sua parte a Elsevier respondeu em seu blog que a prática de enviar solicitações para retirar artigos é feita periodicamente, uma vez que a versão final tenha sido publicada. A razão, segundo Tom Reller, vice-presidente da Global Corporate Relations da Elsevier, é que o objetivo desta ação é assegurar que a versão final publicada seja fácil e rapidamente recuperável através do próprio periódico, de modo a maximizar as métricas de uso, os créditos ao autor e proteger a integridade dos registros científicos.
Reller também sugere que se o autor deseja publicar em acesso aberto, pode fazê-lo mediante a via oficial oferecida pela Elsevier⁴, o que pode ser feito cobrindo-se os custos mediante o pagamento estabelecido. A Elsevier usa o modelo da Via Dourada em mais de 70 periódicos de acesso aberto total e cerca de 1.600 periódicos em modelo híbrido de acesso aberto.
Em outras palavras, se quiser publicar na Elsevier e também em acesso aberto, então poderá fazê-lo se publicar no seu espaço, de outra forma mais cedo ou mais tarde poderá receber uma notificação solicitando que retire sua publicação do site.
Esta nova postura de linha dura por parte da Elsevier seguramente intensificará o debate sobre o futuro da publicação acadêmica, porque graças a Internet os pesquisadores não precisariam seguir com o modelo clássico da publicação acadêmica como a maneira de distribuir suas pesquisas aos colegas. Certamente uma quantidade crescente de pesquisadores começarão a refletir se o sistema tradicional, herdado do papel, não é mais um obstáculo que uma ajuda à pesquisa, e em última instancia se empresas como Elsevier são, de alguma maneira, necessárias.
Um conceito não muito distante do que vem sendo proposto pelo Programa SciELO por 15 anos.
Notas
¹ DMCA, Digital Millennium Copyright Act (DMCA).
É uma lei de direitos autorais (copyright) dos Estados Unidos que implementa dois tratados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) de 1996, aprovada em 1998 pelo Senado dos Estados Unidos. É caracterizado como delito a produção e difusão de tecnologia, dispositivos ou serviços destinados a eludir medidas que controlam o acesso às obras protegidas. A principal inovação do DMCA no campo do direito de autor é a isenção da responsabilidade direta e indireta dos provedores de serviços de Internet e outros intermediários. A DMCA foi limitada pela lei federal Online Copyright Infringement Liability Limitation Act (OCILLA) onde se protege os provedores de Internet de responsabilidade subsidiaria, o que se chama “safe harbor”, ao eximir de responsabilidade os intermediários de Internet de infração aos direitos de autor, sob certas regras explicadas na Sessão 512 da DCMA, conhecida como “DMCA 512”. Esta isenção foi aprovada pela União Europeia na Diretiva sobre Comercio Electrónico 2000. A Diretiva dos Direitos de Autor 2001 implementou o Tratado da OMPI de 1996 na UE.
Fontes: http://en.wikipedia.org/wiki/DMCA; http://en.wikipedia.org/wiki/DMCA_takedown
2 SPINAK, E. Os artigos em acesso aberto chegaram para ficar: em menos de 10 anos aproximam de 50% do nível mundial. SciELO em Perspectiva. 2013, Agosto 28. Available from: <https://blog.scielo.org/blog/2013/08/28/os-artigos-em-acesso-aberto-chegaram-para-ficar-em-menos-de-10-anos-aproximam-de-50-do-nivel-mundial/>.
³ SHERPA/RoMEO database of journal policies – http://www.sherpa.ac.uk/romeo/
⁴ Elsevier/ open-access – http://www.elsevier.com/about/open-access
Referencias
Academic publishing: No peeking…A publishing giant goes after the authors of its journals’ papers. The Economist. 2014, January 11. Available from: <http://www.economist.com/news/science-and-technology/21593408-publishing-giant-goes-after-authors-its-journals-papers-no-peeking>.
BAILEY, J. The Intersection of Copyright and Research. Ithenticate. 2014, January 14. Available from: <http://www.ithenticate.com/plagiarism-detection-blog/intersection-of-copyright-and-research?utm_campaign=blog-alerts&utm_source=hs_email&utm_medium=email&utm_content=11642820&_hsenc=p2ANqtz-8QbQ5-LV9MXOPsxU8OriJCluZ6r_824RPLTd4e_kDGN7N84FF87DdajfNN7LAFsngGNkHBtsxaCCZ6pPpnl_pSLBg3yg&_hsmi=11642820>.
Have You Received an Elsevier Takedown Notice?. UCDavis University Library. 2014, January 9. Available from: <http://blogs.lib.ucdavis.edu/schcomm/2014/01/09/have-you-received-an-elsevier-takedown-notice/>.
HOWARD, J. Posting your latest article? You might have to take it down. Chronicle of Higher Education. 2013, December 6. Available from: <http://chronicle.com/blogs/wiredcampus/posting-your-latest-article-you-might-have-to-take-it-down/48865>.
PETERSON, A. How one publisher is stopping academics from sharing their research. The Washington Post. 2013, December 19. Available from: <http://www.washingtonpost.com/blogs/the-switch/wp/2013/12/19/how-one-publisher-is-stopping-academics-from-sharing-their-research/>.
RELLER, T. A comment on takedown notices (with update). ElsevierConnect [blog]. 2013, December 6. Available from: <http://www.elsevier.com/connect/a-comment-on-takedown-notices>.
The UC Office of Scholarly Communication website summarizes the issues and options should you receive a takedown request from Elsevier. Office of Scholarly Communication. University of California. Available from: <http://osc.universityofcalifornia.edu/2013/12/elsevier-takedown-notices/>.
Sobre Ernesto Spinak
Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado en Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.
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