Entrevista com Hooman Momen, Editor do Boletim da OMS

Dr. Hooman Momen

Hooman Momen

1. É conhecido seu posicionamento a favor do acesso aberto ao conhecimento científico e particularmente aos resultados de pesquisa publicados em periódicos científicos. Sua participação pioneira e proativa na criação do SciELO e sua participação ativa no movimento de acesso aberto atestam esse posicionamento. Qual a sua avaliação ou percepção do acesso aberto no futuro próximo, em particular da via dourada?

Naturalmente eu sou a favor ao mais amplo acesso possível à informação científica. O acesso aberto funciona muito bem para artigos científicos, no entanto, existem outras formas de publicações científicas onde o autor tradicionalmente recebe uma compensação pelo trabalho (manuais científicos, livros acadêmicos, algumas revisões, etc.) ou onde é necessário respeitar os direitos autorais para gerenciar a disseminação, como por exemplo, para assegurar que somente estejam disponíveis as recomendações atuais de intervenções de saúde. Talvez o acesso aberto não seja a forma mais apropriada para administrar os direitos autorais desses trabalhos.

Embora o acesso aberto seja um mecanismo importante para disseminar a informação científica, há outros meios de comunicação científica, tais como, redes sociais, publicação pós-revisão, arquivos de dados, coleções online de matérias pré-publicadas, etc., que podem influenciar de maneira significativa. Além da questão do próprio acesso, existe a questão de como utilizar os resultados de pesquisa científica para agregar valor e melhorar a vida da população e do indivíduo.

2. O Relatório Finch tem gerado polêmica. Qual a sua opinião sobre o relatório e como ele afeta positiva ou negativamente os países em desenvolvimento e emergentes. O caminho apontado pelo relatório é aplicável para os países em desenvolvimento e emergentes?

O Relatório Finch representa um compromisso do governo britânico voltado para o acesso aberto à informação científica. Devemos dar as boas-vindas ao acesso aberto, o qual só pode trazer benefícios às pessoas e especificamente aos pesquisadores. O Reino Unido e outros países desenvolvidos têm uma indústria editorial científica que gera renda principalmente de assinaturas tradicionais. Uma das preocupações no Relatório Finch é como amenizar os efeitos adversos na indústria editorial britânica enquanto ela migra em direção ao acesso aberto. Na maioria dos países em desenvolvimento, é uma raridade que as assinaturas representem a fonte de renda principal dos periódicos, e, em tais economias, a indústria editorial científica ou é marginal ou nem existe. Por tanto, é muito mais fácil para países em desenvolvimento implantar políticas de aceso aberto.

3. Como o Programa SciELO pode usufruir do Relatório Finch?

Na maioria dos países onde o SciELO atua, os periódicos são financiados principalmente por dinheiro público tanto diretamente quanto indiretamente, por exemplo, por meio de agências de financiamento à pesquisa, bibliotecas e instituições acadêmicas, e, portanto, é mais fácil para os periódicos se tornarem de acesso aberto sem a preocupação com a necessidade de cobrar dos autores pagamento adicional. Isso facilita o SciELO no que refere à oferta de periódicos de acesso aberto nesses países.

4. Sua participação na Conferência SciELO 15 Anos será no painel de Inovações e Tendências na comunicação científica. Como Editor do Boletim da OMS, qual a sua visão de futuro para os periódicos científicos. No futuro próximo, quais tendências predominarão?

Com o advento das publicações online, as plataformas para administrar periódicos e cobrança pelo acesso aberto, ficou mais fácil, menos custoso e arriscado lançar novos periódicos. O resultado tem sido a criação de milhares de novos periódicos nos últimos anos, muitos deles de qualidade duvidosa. Essa situação não é sustentável. Os leitores apreciarão cada vez menos os títulos dos periódicos e cada vez mais farão uma busca pelos artigos nos repositórios online, utilizando métricas no nível do artigo para julgar a qualidade dos periódicos. Somente os periódicos mais fortes sobreviverão, aqueles que dão valor tanto aos leitores quanto aos autores.

5. O tema da sua conferência será o de megajournals uma tendência que parece afirmar-se como uma opção de comunicação científica com o sucesso da PLoS One. Em sua opinião, teremos mais megajournals de impacto no futuro próximo? É uma solução como potencial de disseminar-se?

O principal atrativo dos megajournals para as editoras é basicamente o retorno comercial, ao maximizar o número de artigos publicados e consequentemente a receita da editora pela cobrança do custo de processamento do artigo (APC-Article Processing Charge). Neste sentido, claramente podemos dividir os megajournals entre PloS One e todos os demais. PloS One é um sucesso fenomenal. É sem sombra de dúvida o maior periódico, com 23.000 artigos publicados em 2012. Nenhum outro megajournal chega perto, sendo os mais próximos o BMJ aberto e os Scientific Reports da Nature, cada um com cerca de 1.000 artigos por ano. Os outros megajournals assim chamados atualmente não justificam este nome, embora alguns tenham sido lançados recentemente e podem apresentar números melhores este ano. No entanto, será muito difícil para outros periódicos competirem oferecendo um produto semelhante. Talvez periódicos como PeerJ que oferece um novo modelo de negócio, tenham mais êxito.

6. Os países em desenvolvimento e emergentes têm condições, em sua opinião, de criar e publicar megajournals? O fato do SciELO convergir os periódicos em coleções com metodologias e tecnologias comuns não cumpre a mesma função?

De modo geral, os megajournals funcionam melhor com uma editora que tem um periódico de forte expressão e que possa direcionar os artigos rejeitados por tal periódico para o megajournal ou onde a editora tem muitos periódicos e assim tem uma grande e constante fluxo de artigos rejeitados. Periódicos em cascata talvez seja um termo melhor para esse tipo de negócio. Em geral, essas condições não existem em países em desenvolvimento. A maioria dos periódicos em países em desenvolvimento se esforça para buscar artigos aceitáveis para publicação e, por tanto, não acredito que os megajournals encontrem êxito em países em desenvolvimento. O modelo com muitos periódicos de tema específico publicados por uma editora, tais como Biomed Central, possivelmente seja um melhor modelo para países em desenvolvimento. A editora comercial mais exitosa de um país em desenvolvimento é a Hindawi, localizada no Egito. Em 2012, a Hindawi publicou aproximadamente 500 periódicos e 22.000 artigos (quase a mesma quantia da PLoS One) com lucros em torno de 13 milhões de dólares e uma estimada margem de lucro de 52% (melhor que Elsevier). O SciELO, embora não seja uma editora comercial de periódicos no sentido tradicional, é um exemplo exitoso de uma plataforma multijournal num país em desenvolvimento.

7. Além Editor do Boletim da OMS, suas funções no Departamento de Gestão do Conhecimento e Compartilhamento da OMS inclui a de Coordenador Especial para a Promoção do Multilinguismo. A promoção tem alcançado resultados positivos? Quais as barreiras que enfrenta?

Organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde têm o dever de tornar disponível em vários idiomas a informação que produzem. Uma das maneiras que a OMS realiza isso é por meio de um website multilíngue com milhares de páginas de informação de saúde disponível em cada um dos idiomas oficiais da Organização das Nações Unidas: árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol. A OMS também conta com um Repositório Institucional (IRIS) onde é possível pesquisar e acessar as publicações da OMS em todos os idiomas da interface. Quase todos os colaboradores da OMS falam mais de um idioma e reconhecem a importância da comunicação entre vários idiomas, apoiando esforços para promover o multilinguismo. Desenvolvemos uma base de dados para nosso uso interno onde registramos as habilidades linguísticas dos colaboradores (falamos mais de 100 idiomas) e que pode ser utilizada pelos programas. Temos um programa de tradução extensiva com parceiros externos (editoras, ONGs, instituições acadêmicas e governamentais) que fornecem quase 200 publicações da OMS em mais de 40 idiomas.

Também contamos com o programa ePortuguese que reúne os oito países membros que falam português e que compartilham informação de saúde entre eles. Também gostaria de destacar o Boletim da Organização Mundial da Saúde, o qual, além de sua publicação mensal em seis formatos diferentes, também oferece os resumos de todos os artigos em seis idiomas. O maior obstáculo é claramente financeiro; com mais recursos poderíamos publicar em mais idiomas. Neste sentido, recentemente recebemos uma contribuição notável da Federação Russa para melhorar a quantidade e qualidade de produtos de informação da OMS disponíveis em russo.

8. O inglês é reconhecido como a língua franca de comunicação da ciência. O Programa SciELO tem uma abordagem multilíngue visto que a comunicação nas línguas nacionais distintas do inglês é considerada essencial para uma parcela importante dos resultados da pesquisa científica. Como especialista em multilinguismo, qual é a sua avaliação da política do SciELO e do esforço que vem sendo realizado? E mais especificamente, na sua opinião o que deveria ser publicado somente em português, em inglês e simultaneamente nos dois idiomas?

O aumento na qualidade e disponibilidade de ferramentas de tradução assistida por computador, tais como Google Tradutor, alterou completamente a capacidade de pesquisadores de acessar informação em idiomas estrangeiros nos últimos anos. Apesar da conhecida limitação destas ferramentas e dos erros de tradução que acontecem com frequência, é possível entender os principais resultados, dados e conclusões dos artigos em idiomas estrangeiros. No entanto, o inglês continua sendo a língua franca da comunicação internacional da pesquisa científica, e os periódicos cujo objetivo é publicar esse tipo de pesquisa precisam publicar os artigos, ou no mínimos os resumos, em inglês. Isto não impede que os periódicos publiquem suas pesquisas em outros idiomas para públicos nacionais ou regionais. Neste sentido, cabe destacar as grandes comunidades científicas que comunicam em chinês e espanhol. Deve-se escolher o idioma de publicação baseado no público alvo. Por exemplo, é comum que os profissionais da saúde e os formuladores de políticas falam apenas o idioma nacional e, por tanto, a comunicação dirigida a tais públicos deve ser no idioma que eles entendem.

9. O Programa SciELO vem desenvolvendo linhas de ação orientadas à profissionalização e internacionalização da gestão e operação dos periódicos com vista a aumentar a qualidade das publicações com base no estado da arte internacional, da visibilidade e impacto internacional. Com base na sua experiência como editor de dois periódicos de alto impacto internacional como são as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e o Boletim da OMS, quais são os principais desafios a serem vencidos?

O programa SciELO vem contribuído de maneira relevante para a melhoria de periódicos científicos na América Latina. O SciELO frequentemente se encontra na vanguarda da introdução de inovações em publicação de periódicos, até mesmo do ponto de vista internacional. A tecnologia de publicação está em constante desenvolvimento, e os melhores periódicos e editoras estão sempre agregando novos recursos para seus produtos. Portanto, o SciELO nunca pode descansar e precisa se aperfeiçoar constantemente. Ao disponibilizar uma plataforma padrão única para os periódicos em toda América Latina e outros países, o SciELO oferece a melhor opção para que as mudanças tecnológicas não deixem para trás os periódicos desses países.

 

Tradução do original em inglês.
[Revisado em 01 Agosto 2013]

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE. Entrevista com Hooman Momen, Editor do Boletim da OMS [online]. SciELO em Perspectiva, 2013 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/08/01/entrevista-com-dr-hooman-momen-editor-do-boletim-da-oms/

 

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