Como se apresenta o futuro da revisão por pares? Uma vez que a principal plataforma da publicação acadêmica mudou de impressa para online, os pesquisadores foram desafiados a adaptar-se a uma forma mais rápida, exigente e interativa para avaliar a qualidade e originalidade dos trabalhos apresentados para publicação. Janet Seggie, Editora Chefe do Health and Medical Publishing Group e Editora do South African Medical Journal, abordará as tendências em revisão por pares em todo o mundo e na África do Sul, onde a coleção nacional SciELO acaba de obter a certificação.
Janet Seggie, formou-se Bacharel em Ciências, e Doutora em Medicina, é membro do Royal College of Physicians (Londres), especializada em medicina e cirurgia pela Universidade de Birmingham, Reino Unido em 1972 e especializada em Medicina Interna e Nefrologia. Médica Consultora, Professora de Medicina e Diretora Assistente do Ensino de Graduação no Groote Schuur Hospital da Faculdade de Ciências da Saúde, University of Cape Town, Africa do Sul, até a aposentadoria em 2012. Foi membro do Conselho Editorial do Journal of Continuing Medical Education (CME) e, a convite, foi revisora dos periódicos Medical Education e Medical Teacher, também do South African Medical Journal.
Após aposentadoria da prática clínica, assumiu o cargo de Editora Chefe do Health and Medical Publishing Group e Editora do South African Medical Journal.
1. O processo de revisão por pares é um trabalho especializado e valioso, é descartado depois que um artigo é aceito para publicação. Houve estudos publicados recentemente mostrando que todos os participantes do processo de publicação se beneficiariam com uma revisão por pares aberta, tal como publicar comentários de revisores no artigo. Qual é a sua opinião sobre isso?
Certamente, os autores parecem preferir a revisão por pares aberta, mas é preciso questionar a sua viabilidade em um país pequeno como a África do Sul, onde os periódicos dispõem apenas de uma população relativamente pequena de acadêmicos, afiliados a um número reduzido de instituições acadêmicas (a saber, oito faculdades de medicina, no caso do SAMJ). Na minha opinião, alguns colegas não fazem objeção, mas outros prefeririam permanecer anônimos com relação à publicação de comentários de revisores no artigo.
Sem mencionar que não se apoia o processo “aberto”. O BMJ comprovou que é viável, na verdade, preferível, e realizou a pesquisa para confirmar que a qualidade da revisão não é prejudicada e que, inclusive, pode aumentar.
A revisão pós-publicação — que, na minha opinião, é o que está implicado nessa questão —, nas palavras de Richard Horton, facilitaria a “make continuous but constructive criticism of research a new norm of science”¹ (Horton 2011).
2. Alguns autores defendem que a revisão por pares pode evitar — ou retardar — a publicação de trabalhos relevantes. A senhora acredita que a revisão pós-publicação ou “avaliação pelo twitter” pode realmente funcionar?
O problema com o campo da revisão por pares é que é pouco pesquisado.
O que a revisão por pares pós-publicação promete é o estabelecimento de um clube de periódicos virtual encorajando colegas de um campo específico da ciência a conversar entre si e permitir que aja crítica construtiva (a que o Horton faz referência – ver acima) tenha espaço.
O Journallab.com parece oferecer algo do gênero que atenuaria as falhas na revisão por pares pré-publicação por meio de:
- solicitação de dados brutos;
- repetição de análises;
- verificação de todas as referências;
- sugestões detalhadas para o aperfeiçoamento;
- detecção de erros ou fraudes.
Alunos de pós-graduação, pesquisadores de pós-doutorado e seus coordenadores contribuiriam ao compartilhar suas ideias sobre os dados publicados, como ocorre regularmente nas reuniões de laboratório em tempo real e clubes de periódicos.
Participar do Journal Lab torna seu fluxo de trabalho mais fácil.
̶ Você pode ver as experiências dos outros com os métodos de um novo artigo, fazer perguntas sobre o autor, e compartilhar ideias que achar que ainda não estejam representadas. Resumir artigos e deixar comentários é uma ótima maneira de conquistar reconhecimento em seu campo.
O Peerage of Science oferece algo similar.
3. Uma vez que não há atividades de treinamento específico para exercer a revisão por pares, foi sugerido que introduzir erros específicos em artigos para serem detectados por jovens revisores em um treinamento orientado pode contribuir para formar uma nova geração de revisores por pares. A senhora concorda?
Eu concordo plenamente com o treinamento formal em revisão por pares para jovens cientistas. De fato, esses colegas, ativos em seus campos de pesquisa, são os revisores ideais! E sim, introduzir erros nos artigos que são a matéria de estudo desse treinamento formal, para assim instruir os futuros revisores, parece sensato; especialmente por haver pesquisa demonstrando que os revisores não são bons em identificar tais erros (a saber, pesquisa do BMJ, que treinou revisores com artigos que, deliberadamente, continham erros, mas mostrou que ninguém detectou todos os erros. Houve revisores que não detectaram nenhum; a maioria detectou apenas um quarto dos erros).
4. Qual seria, na sua opinião, a melhor maneira de reconhecer a revisão por pares de boa qualidade e evitar a revisão parcial ou superficial? A senhora considera a remuneração para a revisão por pares?
Eu não acredito que a remuneração confirmaria a qualidade. (Vale ressaltar que os periódicos, comos que supervisiono, não poderia se dar ao luxo de remunerar seus revisores). No entanto, é preciso haver alguma recompensa para o trabalho “missionário” solicitado aos revisores, que precisam arranjar de quatro a seis horas das suas vidas profissionais e pessoais atarefadas para se tornarem revisores de qualidade. O que é necessário é que a revisão seja reconhecida como parte integrante do trabalho de pesquisa, em paralelo à publicação da pesquisa, por parte das instituições contratantes. Fazer revisão para o periódico X e para o periódico Y contribui para a promoção da mesma forma que publicar no Jornal X.
5. Durante o congresso sobre a revisão por pares, em Chicago, foi discutida a validade de certos ensaios com medicamentos, uma vez que alguns estudos não são metodologicamente apropriados e/ou estatisticamente significativos, embora muitos tenham publicado em periódicos de grande influência — e supostamente, revisados de maneira rigorosa. Em sua opinião, o que pode ser feito para evitar que tais estudos sejam publicados?
(Eu espero aprender mais sobre esse congresso com os colegas nas reuniões do SciELO).
Esta é uma questão difícil e levanta questões de ética, tais como conflitos de interesse por parte dos revisores desses ensaios e a escrita “fantasma”. O risco é que os revisores do medicamento A podem estar envolvidos com os ensaios do medicamento B (visando a mesma doença/distúrbio e com a mesma eficácia). É evidente que os revisores precisam declarar seus conflitos de interesse, caso existam. Eu acrescentaria que a publicidade por parte da Pharma pode distorcer o processo de publicação, levantando questões de incentivos de consequências imprevistas, principalmente na atual situação econômica enfrentada pela publicação em geral, e pela acadêmica em particular.
Quanto à metodologia e a significância estatística, os periódicos devem recorrer a revisões de estatísticos para determinar a solidez do protocolo do estudo e as conclusões obtidas dos resultados. Mas para isso é preciso que os periódicos contratem estatísticos… o que somente os periódicos mais prósperos podem conseguir.
Nota
¹ Tradução: crítica contínua, mas construtiva da pesquisa de uma nova norma da ciência.
Referência
HORTON, R. Written evidence to UK Parliament. Parliament UK, 9 Feb 2011. Available from: <http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201011/cmselect/cmsctech/writev/856/m02.htm>
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