Fiquei muito interessada no livro indicado pelo Atila Iamarino em um post anterior desse blog 1. Em The Half-Life of Facts, o autor Samuel Arbesman discorre sobre a constante mudança do que sabemos sobre o mundo e explora o caráter dinâmico e mutável do conhecimento como característica vital para a investigação científica, pois a ciência revê regularmente suas verdades para incluir novas descobertas, numa contínua renovação (Arbesman 2012).
Tal renovação da ciência possibilitou inúmeros ganhos para a Humanidade, como o surgimento e a expansão das tecnologias e ferramentas baseadas na Internet, alterando o mundo e a própria ciência, com novas oportunidades para incrementar tanto a metodologia científica como sua comunicação, avaliação, promoção e certificação – atividades que permeiam o complexo sistema da pesquisa, das quais talvez a mais crucial seja a comunicação científica.
De fato, a ciência só se realiza quando torna públicos seus resultados, e depende visceralmente da comunicação para se concretizar:
[…] as atividades científicas e técnicas são o manancial de onde surgem os conhecimentos científicos e técnicos que se transformarão, depois de registrados, em informações científicas e técnicas. Mas, de modo inverso, essas atividades só existem, só se concretizam, mediante essas informações. A informação é o sangue da Ciência. Sem informação, a Ciência não pode se desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não existiria o conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente (Le Coadic 1996, p. 27).
A informação científica e técnica circula por meio de publicações especializadas surgidas há mais de 300 anos: as revistas científicas. A tecnologia das revistas científicas impressas perdurou por muito tempo, e com o novo contexto tecnológico essas publicações migraram para o meio online, facilitando sua publicação e acesso e também provocando o dilúvio comentado pelo Atila, ainda num pingback para a postagem anterior. Esse dilúvio deve-se ao crescimento exponencial da literatura científica em uma era de mudanças também exponenciais.
Esse crescimento notável da literatura científica traz um problema: a dificuldade de avaliação da produção científica, uma vez que “uma forma de avaliar a qualidade de uma publicação consiste em verificar o nível de interesse dos outros pela pesquisa” (Meadows 1999, p. 89). Há um método simples para verificar esse interesse – a contagem da quantidade de citações recebidas pela pesquisa publicada, que integra estudos quantitativos da ciência, da informação científica, dos fenômenos de informação, e de dados online: a bibliometria, a cientometria, a informetria e a webometria. Esses estudos métricos fornecem dados e indicadores que são muito úteis nas avaliações da pesquisa e dos pesquisadores pelas agências de fomento, instituições acadêmicas, e até mesmo órgãos de planejamento e gestão de políticas de Ciência e Tecnologia. Uma dessas medidas é o famoso Fator de Impacto, indicador criado nos anos 1960, que, embora muito contestado, ainda é largamente utilizado para a avaliação da produção científica.
Porém, com esse novo contexto de mudanças exponenciais numa era digital, citações da literatura publicada (e o Fator de Impacto é um indicador baseado em citações) estão se mostrando insuficientes para demonstrar “o nível de interesse dos outros pela pesquisa”. Há estudos (Lozano 2012) que indicam que há uma crescente queda na relação entre o Fator de Impacto de revistas e as citações.
Como disse Atila, a atenção do leitor é mercadoria cada vez mais escassa, e as relações e interações entre os indivíduos com interesses comuns, trocando informações sobre o que é interessante e em que vale a pena dispender atenção é uma ajuda e tanto para filtrar o dilúvio de informação científica que assola a todos que lidam com pesquisas.
Essas relações e interações entre a comunidade científica sempre ocorreram e representam as trocas informais por canais de comunicação oral e escrita (pessoalmente, por telefone ou via correio eletrônico), como conversas entre pares e pequenos grupos em situações sociais ou relacionadas à pesquisa — encontros, eventos, visitas a laboratórios, reuniões, etc., caracterizando os chamados colégios invisíveis. E mesmo essa dinâmica de comunicação dos colégios invisíveis foi alterada pelas novas tecnologias virtuais em plataformas da Web, em uma lógica de redes – multidirecionada, associativa e interativa por natureza, intensificando a dinâmica dessas relações de troca e de participação dos pares e de outros públicos.
O surgimento de ferramentas facilitadoras dessas interações sociais dos usuários nas redes online favoreceram a multiplicidade e o debate de ideias e o compartilhamento e disseminação de conteúdos – inclusive científicos. Postagens e compartilhamentos no Twitter e no Facebook, menções em blogs e na Wikipédia, registros em aplicativos de gerenciamento de referências como o Mendeley, CiteULike e o Zotero — onde as bibliotecas pessoais dos pesquisadores são regularmente atualizadas, além dos registros dos acessos e downloads e das marcações de favoritos (bookmarks) em sites de natureza científica transformam-se em novos canais informais capazes de oferecer informação original e imediata (porque em tempo real), mais transparente e abrangente sobre o interesse ativo e sobre o uso, impacto e alcance da produção científica. Tais fontes de informação alternativas, monitoradas, produzem indicadores não-tradicionais derivados dessas ferramentas 2.0 e conformam um novo campo de estudos métricos: as metrias alternativas — Altmetrics, traduzidas como Altmétricas ou ainda Altmetria.
Essas novas metrias apontam para o interesse despertado por trabalhos científicos, refletem seu uso e, também, o grau de aceitação pela comunidade científica e outros públicos; além de estenderem o alcance desses trabalhos, transcendem e complementam os indicadores tradicionais baseados no número de publicações e nas citações, enriquecendo as possibilidades de avaliação.
É um campo novo, surgido em 20102, que requer mais investigações sobre sua validade e significado, mas que se apresenta promissor para a compreensão do impacto da pesquisa científica na era digital e das redes sociais; um campo que abre novas perspectivas para uma abordagem multidimensional sobre a visibilidade e o alcance das pesquisas, considerando inclusive uma nova relação entre ciência e sociedade.
Esse blog SciELO em Perspectiva espera estimular discussões e debates nesse espaço, acompanhando ativamente essas novidades que refletem a constante mudança do que sabemos sobre o mundo, como diz Arbesman.
O conhecimento é dinâmico e mutável. Os fatos mudam. Mudemos junto.
Notas
1 Você compartilha, eu curto e nós geramos métricas. SciELO em Perspectiva. [viewed 12 August 2013]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/08/06/voce-compartilha-eu-curto-e-nos-geramos-metricas/
2 Altmetrics: a manifesto. Altmetrics. [viewed 08 August 2013]. Available from: http://altmetrics.org/manifesto
Referências
ARBESMAN, S. The Half-life of Facts: why everything we know has an expiration date. New York: Current Hardcover, 2012. 256 p.
LE COADIC, Y. F. A ciência da informação. Brasília: Briquet de Lemos, 1996.
LOZANO, G. A., LARIVIÈRE, V. and GINGRAS, Y. The weakening relationship between the Impact Factor and citation rates in the digital age. JASIST, 2012, vol. 63, nº 11, p. 2140–2145.
MEADOWS, A. J. A comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos, 1999.
Sobre Sibele Fausto
Colaboradora do SciELO, pós-graduanda em Ciência da Informação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCI-ECA-USP), especialista em Informação em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo em parceria com o Centro Latino-Americano de Informação em Ciências da Saúde (UNIFESP-BIREME-OPAS-OMS), é bibliotecária do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (DT-SIBi-USP).
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Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia Diaz:
http://blog.scielo.org/es/2013/08/14/altmetrics-altmetricas-altmetrias-nuevas-perspectivas-sobre-la-visibilidad-y-el-impacto-de-la-investigacion-cientifica/#comment-40679