Por Jan Velterop
O Plano S (re) iniciou a discussão sobre as taxas de processamento de artigo (article processing charges, APCs). E a discussão sobre “periódicos híbridos”. Os dois estão relacionados. As taxas de processamento de artigos devem cobrir os custos de publicação de artigos em acesso aberto revisados por pares. Para um periódico, os custos reais envolvem, em primeiro lugar, o custo do processo de avaliação por pares – encontrar e convidar pareceristas apropriados e gerenciar a comunicação entre os pareceristas, editores e autores – de todos os artigos submetidos, incluindo os reprovados. Além disso, há os custos diretos da composição ou preparação dos manuscritos para publicação, e aqueles do site para disponibilização, embora se aplique apenas aos artigos aceitos, obviamente.
Trata-se de um dos princípios do Plano S, além do princípio-chave mencionado, que as APCs são “padronizadas e limitadas”. Como se pode chegar a padrões e limites ainda não se sabe. A dificuldade está na primeira categoria de custos: os de gerenciar o processo de avaliação por pares. Estes custos incorrem para manuscritos aceitos e reprovados, mas as APCs que terão que cobrir todos os custos são cobradas apenas dos artigos aceitos. Assim, é provável que elas variem enormemente, de quantias relativamente modestas para periódicos com baixas taxas de rejeição, a quantias substanciais para periódicos muito seletivos com altas taxas de rejeição.
E há outro fator: o modo como muitos publishers definem seus valores de APC. Frequentemente, isso não é feito com base nos custos reais (mais uma margem de lucro ou excedente razoável), porém, com base nas históricas receitas de assinaturas por artigo. Se a receita média por artigo no modelo de assinatura fosse por volta de $5.000, a APC provavelmente será a mesma ou semelhante.
Este mecanismo é mais claro em periódicos “híbridos”, nos quais os artigos de acesso pago (pagos por assinaturas) e os de acesso aberto (pagos por APCs) são misturados. E para o qual os publishers esperam que os dois tipos de artigos produzam valores iguais ou aproximados por artigo. E é aí que reside um grande problema. Periódicos “híbridos” – tipicamente periódicos com reputação já estabelecida na era impressa – podem ser atraentes para muitos pesquisadores devido ao prestígio percebido de publicar nestes periódicos. Mas também é provável que tenham uma receita de assinatura relativamente alta por artigo e, portanto, uma APC relativamente alta para artigos de acesso aberto. Decliná-los como veículos aceitáveis para publicação é um tema sujeito a muitos protestos.
Em uma reação ao Plano S, em novembro de 2018, 1430 pesquisadores haviam assinado uma carta aberta1 na qual caracterizavam as imposições do Plano S como violações de sua liberdade acadêmica. Eles estão insatisfeitos com a exigência de publicar com acesso aberto e, particularmente, com a condição de que periódicos “híbridos” não cumprem os princípios do Plano S. É interessante que mais de 60% dos signatários podem ser identificados como trabalhando em química, o que pode ou não ser significativo (embora eu acho que é, se continuar assim). A principal preocupação dos signatários é que eles não seriam poderiam escolher livremente em quais periódicos publicar, já que muitos são periódicos por assinatura ou “híbridos”. A carta aberta diz que a grande maioria (> 85%) dos títulos na área de química são tais periódicos. Será interessante ver se o sentimento manifestado pelos signatários da comunidade de química é compartilhado em outras disciplinas
Do outro lado do debate, há pesquisadores que acreditam que o Plano S está apenas apoiando o sistema de publicação acadêmico anacrônico, com níveis inaceitáveis de busca de lucros. Particularmente, o medo de que a proposta de “padronizar e limitar” as APCs possa levar a uma situação em que esse limite (atualmente a discussão parece ser sobre um valor na ordem entre $2.000 e $2.500 por artigo, que, aliás, é bem menor do que os $5.000 ou mais cobrados por muitos periódicos “híbridos”) se torne o padrão, e isso significa que as APCs até então mais baixas provavelmente gravitarão em torno deste nível. Este seria um grande problema para pesquisadores com pouco financiamento, como aqueles em países onde simplesmente não há muito dinheiro disponível para pesquisa. É improvável que os financiadores que apoiam o Plano S impeçam os autores de publicar em periódicos “híbridos”; eles simplesmente não pretendem pagar pelas APCs e os autores precisariam encontrar diferentes fontes de financiamento se quiserem seguir a rota de periódicos “híbridos”.
Também é pouco provável que sejam contra os solicitantes de subsídios que apoiarem seus pedidos de auxílio com artigos publicados em periódicos “híbridos”. O Wellcome Trust, por exemplo, é explícito ao dizer que, para suas decisões de financiamento, está “comprometidos em garantir que, ao avaliar os resultados da pesquisa durante as decisões de financiamento, será considerado o mérito intrínseco do trabalho, não o título do periódico ou o publisher”2.
Depois há, inevitavelmente, pesquisadores e agências de fomento que acolhem o Plano S como um avanço significativo para o acesso aberto.
Há rumores de que os Princípios do Plano S estão “escritos na pedra”. Isto é supostamente baseado em um comentário de Robert-Jan Smits3, mas não é fornecida nenhuma evidência por escrito, e deve ser descartada como talvez um comentário imprudente ou provocativo. Claro que o Plano S pode evoluir e ser melhorado. Como? Deixe-me mencionar apenas algumas questões que não devem ser muito difíceis de abordar:
- O Plano S poderia se concentrar mais fortemente na exigência de que o acesso aos resultados da pesquisa deve ser aberto, e menos nas formas de alcançar isso. A maneira como o plano é escrito agora favorece o chamado acesso aberto “via dourada” sobre o acesso aberto “via verde”, também conhecido como “auto-arquivamento” em repositórios abertos, recebendo apenas um papel em segundo plano (“função de arquivamento de longo prazo”). Acesso aberto é acesso aberto se os resultados da pesquisa puderem ser livremente acessados e reutilizados. E o perigo é que um foco tão forte no acesso aberto “dourado” poderia ter o efeito de consolidar este modelo para o futuro previsível.
- Os preprints não são mencionados nos Princípios do Plano S. No entanto, os preprints poderiam – e deveriam – ser incluídos como uma alternativa viável para compartilhar os resultados de pesquisa aberta e livremente, especialmente porque o objetivo do Plano S é “acelerar a transição para o acesso aberto imediato”4. Preprints, uma ideia pioneira de sucesso na comunidade de física, estão surgindo em outras disciplinas com velocidade crescente. A boa notícia é que os preprints recebem um papel na política de acesso aberto do Wellcome Trust5, um dos apoiadores do Plano S, portanto, incluir preprints no Plano S não deveria ser um grande problema.
- O Plano S promete que as “taxas de publicação de acesso aberto são cobertas pelos financiadores ou universidades”6. Em troca do pagamento de tais taxas de publicação (APCs) a um periódico, o Plano S poderia exigir total transparência da base financeira para o nível de qualquer APC cobrado. Talvez isso signifique que “os financiadores assegurarão conjuntamente o estabelecimento de critérios e requisitos robustos para os serviços que devem proporcionar os periódicos de acesso aberto de alta qualidade e as plataformas de acesso aberto que cumpram com a qualidade”6. Entretanto, seria mais útil ser mais explícito. A transparência teria que incluir taxas de rejeição e seu desenvolvimento histórico, os custos extras por artigo, custos indiretos, despesas gerais e informações sobre a contribuição de lucros ou excedentes de qualquer periódico específico. Isso permitiria aos financiadores remover o que consideram excesso de lucro e, possivelmente, também ineficiências, para fora do sistema. Poderia haver busca por eficiência, por exemplo, unindo forças para compartilhar plataformas web para a entrega de artigos publicados (algo que o SciELO já está operando) e, portanto, reduzir custos operacionais.
- Uma vez que o pagamento de APCs já é uma forma de subsídio, os órgãos de financiamento do Plano S poderiam dar um passo adiante. Em vez de pagar APCs por artigos individuais, o Plano S poderia considerar (co)subsidiar todos os custos operacionais de periódicos especializados (de sociedade científicas) sem fins lucrativos que se qualificassem ao atender um conjunto de critérios estabelecidos pelo Plano S. Isso permitiria a remoção da necessidade de uma abordagem de “mercado” na publicação científica.
Na minha opinião, um Plano S modificado poderia dar um impulso muito significativo ao acesso aberto, não apenas na Europa, mas também em todo o mundo.
Notas
1. Reaction of Researchers to Plan S: Too Far, Too Risky [online]. Plan S Open Letter. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://sites.google.com/view/plansopenletter/open-letter
2. Open access policy 2020 [online]. Wellcome Trust. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/sites/default/files/wellcome-open-access-policy-2020.pdf
3. SCHNEIDER, L. [social network]. In: @schneiderleonid [online]. Twitter, October 12, 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://twitter.com/schneiderleonid/status/1050854837070393344
4. cOAlition S: Making Open Access a Reality by 2020 [online]. cOAlition S. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.coalition-s.org/coalition-s-launch/
5. Wellcome is updating its open access policy [online]. Wellcome Trust. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/news/wellcome-updating-its-open-access-policy
6. 10 Principles [online]. cOAlition S. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.coalition-s.org/10-principles/
Referências
10 Principles [online]. cOAlition S. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.coalition-s.org/10-principles/
cOAlition S: Making Open Access a Reality by 2020 [online]. cOAlition S. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.coalition-s.org/coalition-s-launch/
Feedback [online]. cOAlition S. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.coalition-s.org/feedback/
MOODY, G. Big boost for Open Access as Wellcome and Bill & Melinda Gates Foundation back EU’s ‘Plan S’ [online]. Techdirt. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.techdirt.com/articles/20181106/06451540987/big-boost-open-access-as-wellcome-bill-melinda-gates-foundation-back-eus-plan-s.shtml
Open access policy 2020 [online]. Wellcome Trust. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/sites/default/files/wellcome-open-access-policy-2020.pdf
Reaction of Researchers to Plan S: Too Far, Too Risky [online]. Plan S Open Letter. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://sites.google.com/view/plansopenletter/open-letter
SCHILTZ, M. Science without publication paywalls, a preamble to: cOAlition S for the Realisation of Full and Immediate Open Access [online]. Science Europe. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://www.scienceeurope.org/wp-content/uploads/2018/09/cOAlitionS.pdf
SCHNEIDER, L. [social network]. In: @schneiderleonid [online]. Twitter, October 12, 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://twitter.com/schneiderleonid/status/1050854837070393344
Wellcome and the Bill & Melinda Gates Foundation join the Open Access coalition [online]. Wellcome Trust. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/press-release/wellcome-and-bill-melinda-gates-foundation-join-open-access-coalition
Wellcome is updating its open access policy [online]. Wellcome Trust. 2018 [viewed 27 November 2018]. Available from: https://wellcome.ac.uk/news/wellcome-updating-its-open-access-policy
Sobre Jan Velterop
Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Pingback: O Plano S europeu: Acesso Aberto (OA) para pesquisas com dinheiro público | Linguística-UFRJ M.Carlota Rosa
Leia o comentário em inglês por Segc M’Sila:
https://blog.scielo.org/en/2018/11/27/plan-s-and-article-processing-charges-apcs/#comment-154661
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