Estudo avalia fontes de financiamento para pagamento de taxas de processamento de artigos em acesso aberto

Por Lilian Nassi-Calò

oa_piggybankUm recente estudo1 sobre o efeito das taxas de processamento de artigos (article processing charge, APC) na publicação em acesso aberto (AA) comentado neste blog2 avaliou a carga financeira deste investimento por autores da Índia e seu efeito na disseminação dos resultados de pesquisa em publicações de vários países. A pesquisa apontou que, a despeito da disponibilidade de inúmeros periódicos de acesso aberto da Índia e de outros países que não cobram APC, os pesquisadores indianos investiram cerca de US$ 2,4 milhões por ano entre 2010 e 2014 em taxas de publicação de veículos de maior impacto com o objetivo de aumentar a visibilidade e a probabilidade de ter seus trabalhos citados.

A publicação em acesso aberto financiada por meio de APC é a forma de comunicação em periódicos que mais cresce em todo o mundo. Estima-se que o número de artigos nesta modalidade aumente na razão de 2% ao ano. Entretanto, para muitos pesquisadores, as taxas podem constituir um sério empecilho para a publicação. Muitas agências de fomento em todo o mundo incluem o pagamento das taxas de publicação nos auxílios à pesquisa que concedem; alternativamente, as instituições de pesquisa podem se responsabilizar pelo seu pagamento. Na ausência destas alternativas, as taxas são financiadas pessoalmente pelos autores.

Um artigo de Ling Ling Wang e colaboradores, da Universidade Nanjing, China3 avalia a fonte de financiamento de APC a nível mundial por projetos de auxílio à pesquisa, instituições e pelos próprios autores. O estudo foi realizado com artigos das áreas de ciências da saúde, biologia e ciências da vida indexados no Web of Science entre 2009 e 2013, no qual os autores identificaram 255 periódicos de AA que praticam APC (AA APC) e 183 que não cobram taxas (AA gratuito). Não foram, entretanto, considerados os periódicos híbridos. A pesquisa incluiu 156.104 artigos (apenas artigos originais e artigos de revisão foram selecionados) de periódicos AA APC e 80.256 artigos AA gratuito. Ademais, os autores coletaram informação sobre os valores de APC praticadas pelos periódicos (que variaram entre US$ 40 e 5.000), e identificaram, entre os artigos, aqueles financiados por projetos de auxílio à pesquisa e aqueles sem fonte de financiamento. Por último, buscaram uma possível correlação entre os valores das APC e o Fator de Impacto (FI, Journal Citation Reports de 2012) dos periódicos.

Os resultados do estudo mostraram que os valores médios de APC aumentam com os intervalos de FI, mas com ampla variação dentro de cada intervalo de FI. Por exemplo, as faixas de FI com maior número de periódicos AA APC, entre 1 e 2 e entre 2 e 3 cobram APC entre US$ 105 e US$ 3.300 e entre US$ 320 e US$ 3.975, respectivamente. Os intervalos superiores de FI como 7-8 e maior que 8, entretanto, tem variações menores, entre US$ 1.204 e US$ 3.900 e entre US$ 2.250 e US$ 3.900, respectivamente. Os autores chamam atenção para o fato de que 80% dos periódicos AA APC tem FI igual ou menor a 4, e que a despeito da tendência de maior FI observada em periódicos com maior APC, há exceções.

Os autores encontraram uma correlação entre APC e a percentagem de artigos financiados por projetos de auxílio à pesquisa. Quanto maior o valor APC, maior é a percentagem de artigos originados de pesquisa financiada por auxílios de agências de fomento. Na faixa de APC com maior número de artigos, entre US$ 2.000 e US$ 2.500, os autores encontraram 102 periódicos, e 76.273 artigos, dos quais 79,4% eram decorrentes de projetos de pesquisa financiados. Esta percentagem sobe para 92,9% quando se considera a faixa de APC maior ou igual a US$ 2.500. Para comparação, 80.256 artigos foram publicados em periódicos AA gratuitos, e apenas 31% dos estudos contavam com financiamento. Entre os quase 3 milhões de artigos publicados em periódicos por assinatura, 57% deles eram resultado de projetos de pesquisa financiados.

Quanto ao país de publicação, dos 255 periódicos AA APC, 164 (64%) estão baseados na Europa, dos quais 76% do Reino Unido. Estes periódicos cobram os maiores valores de APC em todo o mundo (média de US$ 2.071), seguidos pelas 40 publicações da América do Norte (média de US$ 2.000), nove da Oceania (média de US$ 1.589) e 10 periódicos da América Latina (média de US$ 838). A seguir estão três periódicos da África (média de US$ 600) e 29 da Ásia (média de US$ 545). Os autores ressaltam a elevada percentagem de periódicos AA gratuitos do Brasil, veículo utilizado por grande parte dos pesquisadores do país, mesmo quando têm projetos de pesquisa financiados por agências de fomento. Sabemos que este fato se deve à predominância do AA entre os periódicos de qualidade do Brasil que são publicados pelo SciELO.

Considerando os dez países com maior número de artigos publicados em AA, de maneira geral, os resultados de pesquisa financiada são publicados mais em periódicos AA APC do que em periódicos AA gratuitos – com exceção do Brasil. Um fato digno de nota é que em seis países da Europa e da América do Norte, a percentagem de artigos resultantes de projetos financiados que se publica em periódicos AA APC é maior do que em periódicos por assinatura. Os demais quatro países entre os dez que mais publicam em AA se encontram na Ásia (China, Japão e Coréia do Sul) e na América do Sul (Brasil), regiões que se destacam pelo elevado número de periódicos AA gratuitos ou com baixo APC. A despeito deste fato, entretanto, nestes países, artigos resultantes de projetos de pesquisa se publicam mais em periódicos por assinatura do que em AA APC. Os dados também mostram que o Brasil publica mais artigos em AA (APC e gratuito) do que Reino Unido, Alemanha, Canadá, França ou Itália individualmente. Este fato se deve, em grande parte, ao Programa SciELO, que abriga seus periódicos de acesso aberto “em uma plataforma a nível nacional reduzindo custos, aumentando a eficiência” e facilitando a interoperabilidade de metadados entre repositórios, como destacado pelos autores da Índia em seu artigo1.

O estudo conclui que autores da área de ciências da saúde, biologia e ciências da vida que não contam com auxílio à pesquisa preferem publicar seus resultados em periódicos por assinatura ou periódicos AA gratuitos, e que estudos financiados tem maior probabilidade de serem publicados em periódicos AA APC, mesmo aqueles cujas taxas são consideravelmente elevadas. Vale lembrar que foi encontrada, neste estudo, uma correlação positiva entre valor de APC e o FI do periódico.  É sabido que os periódicos de mais alto impacto pertencem à publishers comerciais e não são de acesso aberto. Há ainda que considerar, na opção dos autores, os mandatos de acesso aberto de agências de fomento, instituições e governos ao redor do mundo, que demandam que os resultados da pesquisa financiada com recursos públicos sejam disponibilizados em AA, seja por meio de periódicos ou auto arquivamento em repositórios de acesso aberto, respeitando os períodos de embargo dos publishers.

Como salientado no estudo sobre o cenário da publicação de AA na Índia1, os valores elevados de APC praticados principalmente por periódicos da Europa e EUA representam um risco à sustentabilidade deste modelo de negócios, mesmo que sejam pagas pelos auxílios à pesquisa ou pelas instituições de afiliação dos autores. Há que se optar por soluções inovadoras e coletivas, como o Programa SciELO, ou ainda aquelas discutidas no recente workshop AlterOA, para reduzir custos e aumentar a eficiência do processo editorial.

Notas

1 MADHAN, M., et al. Should Indian researchers pay to get their work published?. ePrints@IISc  [online]. 2016. No prelo. Available from: http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Post-print_APC_paper.pdf

2 NASSI-CALÒ, L. Taxas de publicação em Acesso Aberto: nova crise das publicações seriadas? [online]. SciELO em Perspectiva [viewed 12 January 2017]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/11/29/taxas-de-publicacao-em-acesso-aberto-nova-crise-das-publicacoes-seriadas/

3 WANG, L.L., LIU, X.Z. and FANG, H. Investigation of the degree to which articles supported by research grants are published in open access health and life sciences journals. Scientometrics [online]. 2015, vol. 104, no. 2, pp 511-528. DOI: 10.1007/s11192-015-1624-4

Referências

EUROPEAN COMMISSION. Report of the Workshop on Alternative Open Access Publishing Models [online]. 2015 [viewed 12 January 2017]. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/report-workshop-alternative-open-access-publishing-models

MADHAN, M., et al. Should Indian researchers pay to get their work published?. ePrints@IISc  [online]. 2016. Preprint. Available from: http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Post-print_APC_paper.pdf

NASSI-CALÒ, L. Taxas de publicação em Acesso Aberto: nova crise das publicações seriadas? [online]. SciELO em Perspectiva [viewed 12 January 2017]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/11/29/taxas-de-publicacao-em-acesso-aberto-nova-crise-das-publicacoes-seriadas/

WANG, L. L., LIU, X. Z. and FANG, H., Investigation of the degree to which papers supported by research grants are published in open access health and life sciences journals. Scientometrics [online]. 2015, vol. 104 no.2, pp. 511-528 [viewed 24 January 2017]. DOI:10.1007/s11192-015-1624-4

 

lilianSobre Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NASSI-CALÒ, L. Estudo avalia fontes de financiamento para pagamento de taxas de processamento de artigos em acesso aberto [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2017/01/24/estudo-avalia-fontes-de-financiamento-para-pagamento-de-taxas-de-processamento-de-artigos-em-acesso-aberto/

 

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