Por Lilian Nassi-Calò
São inúmeros os fatores que influenciam a prática de citações na comunicação científica. Se bem que extremamente subjetivos, os motivos que levam um autor a citar um e não outro artigo podem ser classificados em poucas categorias, independentemente da área do conhecimento. Basicamente, os autores privilegiam em suas citações a relevância, argumentação, o veículo (periódico), as relações profissionais e/ou pessoais com colegas, concorrentes ou colaboradores, as relações de troca, a consistência metodológica e ainda decisões psicossociais.
O idioma da publicação pode ser classificado dentro da categoria ‘relações de troca’. Trata-se de um aspecto crucial na escolha da literatura a ser citada por um autor. Portanto, comunicar a ciência em um idioma compreendido pela maioria certamente aumenta sua probabilidade de ser citado. O inglês é indubitavelmente a língua franca da ciência mundial e mesmo que possa soar de certa forma injusto a autores e leitores de países cujo idioma nativo não é o inglês, é extremamente conveniente, pois permite que pesquisadores de todo o mundo se comuniquem, cooperem entre si e compartilhem o conhecimento. Um autor certamente não cita – e não deveria citar – um artigo escrito em outro idioma do qual tenha lido apenas o resumo em inglês. Assim, observa-se uma tendência mundial em estabelecer o inglês como a língua internacional da ciência. Cada vez mais autores de todos os países se esforçam para publicar em inglês e publicam periódicos inteiramente neste idioma, a despeito de ter que redobrar os esforços em escrever em um idioma que pouco dominam.
Um estudo publicado recentemente por pesquisadores argentinos1 analisou o efeito da publicação em inglês e no idioma nativo nas taxas de citação de artigos publicados em um mesmo periódico de seis países de língua nativa não inglesa (LNNI). Os pesquisadores concluíram que os artigos em inglês receberam mais citações do que aqueles publicados em outros idiomas. Este resultado era de certa forma esperado e confirma que o esforço por publicar em inglês é altamente recompensado considerando a maior probabilidade de receber citações. Não passa despercebido a ninguém o fato de que citações se traduzem em mais visibilidade, credibilidade e prestígio.
O artigo de Mario de Bitetti e Julián Ferreras publicado no periódico sueco Ambio em setembro traz um estudo pormenorizado com 1.328 artigos de três periódicos SciELO da América Latina – Mastozoologia Neotropical e Revista Argentina de Microbiologia (Argentina) e Revista Mexicana de Biodiversidad (México) e outros três periódicos – Acta Botanica Gallica (França), Journal of Japanese Botany (Japão), e Journal of the Korean Chemical Society (Coreia do Sul). Estes periódicos têm índices similares de impacto como Scimago Journal Rank (SJR) e índice h. Os autores utilizaram a base Scopus (Elsevier) para apurar as citações recebidas entre janeiro e fevereiro de 2016 por artigos publicados entre 2009 e 2014. Os artigos foram selecionados para compor uma amostra semelhante de publicações em inglês e no idioma nacional dos países que os editam. Foram computados, além do idioma, o ano das publicações e o tamanho do artigo (número de páginas).
Dos 1.328 artigos, 728 foram publicados em inglês (54,8%) e destes, 33,7% não receberam nenhuma citação, ao passo que 46,3% dos artigos em outros idiomas não foram citados. Esta diferença estatisticamente significativa também se manteve considerando apenas os três periódicos da América Latina, indicando que artigos publicados em outros idiomas que não o inglês tem menor probabilidade de ser citados do que aqueles publicados em inglês. Esta probabilidade diminui ainda mais com o ano de publicação (menos citações em artigos mais recentes), aumenta com o logaritmo natural do número de páginas dos artigos, e é independente da área do conhecimento.
Os resultados apresentados indicam que periódicos de países de LNNI que publicam artigos no idioma nacional além do inglês são de certa forma penalizados em termos de citação. Como já mencionado, há inúmeros fatores que influenciam a prática de citações. A afiliação dos autores – que pode ser traduzida como o prestígio da instituição a que pertencem – afeta as taxas de citação, como o estudo de Meneghini, et al2., que mostrou que artigos de pesquisadores latino-americanos receberam menos citações que autores europeus publicados nos mesmos periódicos de prestígio em várias disciplinas. Outro estudo3 encontrou evidências de que artigos com títulos curtos atraem mais citações do que aqueles com títulos longos. Há, entretanto, que considerar um possível viés no fato de que autores de maior impacto em suas áreas, e portanto mais citados, têm uma tendência natural a publicar seus resultados em inglês. Ademais, pesquisadores podem preferir citar artigos que possam ser compreendidos por um maior número de leitores, favorecendo, assim, a maior citação a trabalhos em inglês.
Apesar de não haver evidências empíricas, existe uma percepção entre pesquisadores e editores de que artigos em idiomas que não o inglês se referem a estudos de interesse local, de baixa qualidade ou relevância. Uma justificativa comum entre periódicos que não publicam em inglês é atingir pesquisadores locais, profissionais da área e tomadores de decisão que não necessariamente estão familiarizados com este idioma. O dilema entre atingir a comunidade científica mais ampla e atender às necessidades locais muitas vezes é solucionado com publicações bilíngues ou multilíngues, modalidade que o SciELO oferece há anos. No caso do SciELO Brasil, mais de 30% dos artigos dos periódicos de ciências da saúde são publicados simultaneamente em português e inglês.
Na tentativa de verificar se os artigos em idioma não inglês eram, de fato, de qualidade ou relevância inferiores, Bitetti e Ferreras avaliaram dois dos periódicos da América Latina (Revista Argentina de Microbiologıa e Revista Mexicana de Biodiversidad). Eles realizaram um estudo no qual 149 pares de resumos em espanhol de artigos neste idioma e em inglês foram avaliados cegamente por pesquisadores das respectivas áreas quanto a interesse geral, qualidade, originalidade e orientação (teórica e básica). Os pesquisadores concluíram que os pares de artigos não apresentavam diferenças evidentes quanto aos parâmetros analisados e, assim, não foi possível afirmar que artigos escritos em espanhol eram de qualidade inferior àqueles em inglês, como havia sido sugerido.
Os resultados apresentados, segundo seus autores, têm por objetivo orientar políticas de publicação de periódicos em países LNNI, especialmente naqueles cujos periódicos editados por sociedades científicas e acadêmicas contam com o apoio de órgãos nacionais de fomento, como o Programa SciELO. As linhas de internacionalização, profissionalização e sustentabilidade financeira preconizadas pelo SciELO têm na publicação em inglês um de seus principais objetivos. Aumentar a visibilidade e impacto da ciência produzida na Ibero América e África do Sul e equipará-la a níveis internacionais é do interesse de acadêmicos, governos e da sociedade. Formar estudantes de graduação e pós-graduação aptos a compreender e escrever – bem – em inglês constitui a base deste empreendimento.
Notas
1. DI BITETTI, M.S. and FERRERAS, J.A. Publish (in English) or perish: The effect on citation rate of using languages other than English in scientific publications. Ambio. 2016, pp. 1-7. DOI: 10.1007/s13280-016-0820-7
2. MENEGHINI, R., PACKER, A.L. and NASSI-CALO, L. Articles by Latin American authors in prestigious journals have fewer citations. PLoS ONE. 2008, vol. 3, nº 11, e3804. DOI: 10.1371/journal.pone.0003804
3. LETCHFORD, A., MOAT, H.S. and PREIS, T. The advantage of short paper titles. Royal Society Open Science. 2015, vol. 2, nº 8, 150266. DOI: 10.1098/rsos.150266
Referências
DI BITETTI, M.S. and FERRERAS, J.A. Publish (in English) or perish: The effect on citation rate of using languages other than English in scientific publications. Ambio. 2016, pp. 1-7. DOI: 10.1007/s13280-016-0820-7
LETCHFORD, A., MOAT, H.S. and PREIS, T. The advantage of short paper titles. Royal Society Open Science. 2015, vol. 2, nº 8, 150266. DOI: 10.1098/rsos.150266
MENEGHINI, R., and PACKER, A.L. Is there science beyond English? EMBO Reports. 2007, vol. 8, nº 3, pp. 112–116. DOI: 10.1038/sj.embor.7400906
MENEGHINI, R., PACKER, A.L. and NASSI-CALO, L. Articles by Latin American authors in prestigious journals have fewer citations. PLoS ONE. 2008, vol. 3, nº 11, e3804. DOI: 10.1371/journal.pone.0003804
NASSI-CALÒ, L. Autores cujo idioma nativo não é o inglês e editores, avaliam dificuldades e desafios para publicar em periódicos internacionais. SciELO em Perspectiva. [viewed 24 October 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/05/19/autores-cujo-idioma-nativo-nao-e-o-ingles-e-editores-avaliam-dificuldades-e-desafios-para-publicar-em-periodicos-internacionais/
NASSI-CALÒ, L. Estudo propõe uma taxonomia de razões para citar artigos em publicações científicas. SciELO em Perspectiva. [viewed 23 October 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/11/07/estudo-propoe-uma-taxonomia-de-razoes-para-citar-artigos-em-publicacoes-cientificas/
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Leia o comentário em espanhol, por Javier Santovenia Diaz:
http://blog.scielo.org/es/2016/11/04/estudio-muestra-que-los-articulos-publicados-en-ingles-atraen-mas-citas/#comment-40371
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