Por Jan Velterop
Phil Campbell, Editor da Nature, disse uma vez1: “Se a via dourada de acesso aberto se tornasse a norma para a literatura primária, o custo por artigo para publicar em periódicos altamente seletivos, como Nature, Cell ou Science poderia ser superior a US$ 10.000”
Eu não sei exatamente qual foi seu raciocínio, porém, se foi o que eu penso que foi, o valor US$ 10.000 é provavelmente muito baixo. Deixe-me explicar. Publishers de periódicos científicos geralmente cobram – dos autores, no caso da via dourada de acesso aberto; das bibliotecas, no caso de periódicos por assinatura – apenas o conteúdo que foi publicado. Isso significa que o custo de suas operações (independente da forma como eles a calculam) é totalmente arcado pelos artigos publicados. No entanto, os custos de suas operações também incluem a totalidade dos custos associados com ser seletivo, ou seja, o trabalho realizado para rejeitar manuscritos para publicação. O resultado é que periódicos mais seletivos têm que prover maior quantidade de receita por artigo que publicam do que periódicos menos seletivos.
Não se vê isso facilmente nas taxas de assinaturas, pois as receitas provenientes das assinaturas são, naturalmente, dependentes da combinação de taxas de assinatura e número de assinantes, portanto, um periódico muito seletivo que precisa obter um elevado valor por artigo publicado a fim de cobrir os seus custos, também pode ter um grande número de assinantes, e pode fazer isso – cobrir os seus custos – com taxas de assinaturas relativamente baixas. Taxas de processamento de artigo (Article processing charges, APCs), por outro lado, devem refletir os montantes necessários para cobrir os custos de um publisher. Assim, em geral, pode-se esperar APCs mais altas para periódicos mais seletivos, e vice-versa.
Se ao menos fosse simples assim. A realidade é que o caso parece ser feito por publishers que APCs devem ser maiores para periódicos seletivos que para os menos seletivos – exemplo de Phil Campbell acima – mas eu tenho ouvido ou visto muito pouco raciocínio explícito no sentido oposto, ou seja, que APCs devem ser menores para periódicos menos seletivos.
Para publishers maiores, as APCs para acesso aberto, especialmente nos chamados periódicos ‘híbridos’, que combinam artigos em acesso aberto com aqueles acessíveis por assinatura, normalmente variam entre US$ 3.000 e US$ 5.000 por artigo publicado. Isso é para toda a linha, para todos os periódicos em seus portfolios, independentemente da sua seletividade. Exceto, talvez, para um ou dois periódicos verdadeiramente excepcionais, com taxas de rejeição superiores a 90%, para os quais as APCs são definidas – se for o caso de oferecem acesso aberto – em níveis mais elevados, tais como o montante mencionado por Phil Campbell. Por falar nisso, se a Nature (ou Science ou Cell) tiver que cobrir todos os seus custos e níveis de lucro atuais com APCs, acho que os montantes deveriam ser sensivelmente superiores a US$ 10.000. Rumores sugerem que a estimativa do periódico Science está na faixa de US$ 20.000.
Assim, parece que não é possível ter periódicos seletivos com APCs razoáveis e acessíveis.
Uma solução poderia ser, talvez, cobrar taxas de submissão ao invés de – ou além de – taxas de publicação que poderiam ser substancialmente menores. Seria possível considerar a submissão como semelhante a prestar um exame para o qual você paga uma taxa de inscrição, caso passe ou não. Como o teste que é preciso prestar para obter uma carteira de motorista, por exemplo. Isso, no entanto, é pouco provável que obtenha sucesso se todos os publishers não introduzirem simultaneamente tais taxas de submissão. Mas é improvável que isso aconteça por outra razão, talvez mais fundamental. A barreira referente à taxa de submissão obrigaria os publishers a garantir a realização de revisão por pares adequada e justificando verdadeiramente qualquer rejeição. Isso é algo que eles provavelmente não podem fazer, ou sentem-se mais desconfortáveis fazendo.
Mas temos que nos perguntar por que a seletividade dos periódicos é realmente necessária, além de filtrar artigos absurdos ou falsificados, especialmente desde que as restrições de espaço presentes na época da impressão não são mais relevantes no mundo da Internet, em que qualquer periódico sério é publicado eletronicamente. A resposta habitual é: ‘Qualidade!’ E a revisão por pares é quase universalmente vista como a forma de avaliar ‘qualidade’. Isso é interessante, uma vez que a revisão por pares tem muitas características, porém nenhuma delas pode, com certa credibilidade, ser descrita como um indicador confiável de qualidade. Algumas das suas características são mais desanimadoras: lenta, ineficiente, não confiável, altamente variável, ineficaz, arbitrária, subverte o ceticismo científico, de confirmação tendenciosa, coloca carreirismo antes da ciência, e cara, para citar apenas alguns. Tenho abordado estas características uma por uma em um artigo publicado recentemente2.
Pode muito bem haver uma necessidade de algum tipo de avaliação da qualidade dos artigos, mas isso não deve ficar no caminho da comunicação científica, como certamente ocorre nos dias de hoje. A comunicação científica (isto é, a publicação), por um lado, e a avaliação de qualidade subjetiva, por outro lado, devem ser vistos como processos separados. Uma maneira de fazer isso é a publicação prévia de artigos em uma das chamadas plataformas de ‘pré-publicação’, tais como ArXiv e BioRxiv, e, a seguir, a submissão do artigo a um periódico para a avaliação de ‘qualidade’ (seja lá o que isso signifique) e ‘ importância ‘ou’ significado’ (seja lá o que isso signifique). Estou escrevendo este post literalmente um dia depois de conversar com Harry Kroto (famoso por ter sintetizado a molécula C60 – buckminsterfullereno3), que me disse que provavelmente não teria exercido sua pesquisa no ambiente atual de financiamento e publicação científica, uma vez que ele ganhou o Prêmio Nobel com base no que ele chama de ‘pesquisa lúdica’. Ele disse que nunca acreditou que qualidade real e importância possam ser avaliadas no momento da publicação. Elas sempre vêm depois, ao longo do tempo. É por isso que quase sempre leva décadas antes de uma descoberta levar a atribuição de um Prémio Nobel.
Uma vez que a revisão por pares não permite estabelecer a qualidade e importância, parece que a seletividade do periódico é menos importante para o progresso científico do que se acredita. Dito isto, a avaliação por pares pode ser de grande ajuda para autores na prevenção de erros desnecessários ou ambiguidades em seus artigos. Em minha opinião, este é o valor mais importante da revisão por pares. Imaginem a revisão por pares centrada principalmente, quase exclusivamente, no aspecto de clareza e evitando erros desnecessários. Neste caso, a avaliação por pares pode muito bem ser organizada pelos autores. Eles estão, de qualquer forma, mais propensos a conhecer os verdadeiros especialistas em seu subdomínio específico do que qualquer publisher. E se os revisores (sujeitos a alguns critérios para garantir integridade4), depois de alguma discussão e interação, concluírem que todos os erros e ambiguidades foram removidos (ou que eles nunca estiveram lá), endossarem abertamente sua publicação (ou seja, a adição do artigo em questão para o discurso científico), então todo o processo poderá ser feito mais rápido, e, não menos importante, ordens de magnitude mais barato, pois rejeições e o seu custo seriam história. O publisher só teria de recuperar o custo técnico da publicação dos artigos publicados e não teria quaisquer custos associados à revisão por pares e à rejeição.
Tenho o prazer de anunciar que o primeiro artigo publicado por meio de ‘revisão por pares mediante endosso’ acaba de ser publicado5.
Este método de publicação com ‘revisão por pares mediante endosso’ garante que os artigos passaram por algum escrutínio antes da publicação. Se eles pudessem posteriormente também ser criticados e submetidos à ‘revisão pós-publicação’, chegaríamos à situação em que a comunicação dos resultados científicos foi assegurada, e que, num processo subsequente e separado o ‘valor’ do artigo em termos de importância, qualidade e tudo isso, pode ser avaliado, potencialmente ao longo de um período tão extenso quanto o de anos. A verdadeira qualidade irá surgir; a possibilidade de falsos positivos – denominação prematura um artigo como significativo – terá sido diminuída. E carreiras poderão, então, ser construídas com base em verdadeiras realizações, em vez de pontuações falsas de fator de impacto.
Notas
1. Open access to research is inevitable, says Nature editor-in-chief. The Guardian. 2012. Available from: http://www.theguardian.com/science/2012/jun/08/open-access-research-inevitable-nature-editor
2. VELTEROP, J. Peer review – issues, limitations, and future development. ScienceOpen Research. 2015. DOI: 10.14293/S2199-1006.1.SOR-EDU.AYXIPS.v1 Available from: http://www.scienceopen.com/document/vid/1dcfbe69-c30c-4eaa-a003-948c9700da40
3. Harry Kroto. Wikipedia. Available from: http://en.wikipedia.org/wiki/Harry_Kroto
4. Competing Interests. ScienceOpen.com. Available from: http://about.scienceopen.com/competing-interests/
5. ZHDANOV, R.; et al. A subset of cellular lipids may provide a new dimension of epigenetic regulation through control over the structure and functions of chromatin. ScienceOpen Research. 2015. DOI: 10.14293/S2199-1006.1.SOR-LIFE.AUXYTR.v1 Available from: http://www.scienceopen.com/document/vid/8feb0edb-4724-4f85-9bd4-fd3b0eee2868
Referências
Competing Interests. ScienceOpen.com. Available from: http://about.scienceopen.com/competing-interests/
Harry Kroto. Wikipedia. Available from: http://en.wikipedia.org/wiki/Harry_Kroto
Open access to research is inevitable, says Nature editor-in-chief. The Guardian. 2012. Available from: http://www.theguardian.com/science/2012/jun/08/open-access-research-inevitable-nature-editor
VELTEROP, J. Peer review – issues, limitations, and future development. ScienceOpen Research. 2015. DOI: 10.14293/S2199-1006.1.SOR-EDU.AYXIPS.v1 Available from: http://www.scienceopen.com/document/vid/1dcfbe69-c30c-4eaa-a003-948c9700da40
ZHDANOV, R.; et al. A subset of cellular lipids may provide a new dimension of epigenetic regulation through control over the structure and functions of chromatin. ScienceOpen Research. 2015. DOI: 10.14293/S2199-1006.1.SOR-LIFE.AUXYTR.v1 Available from: http://www.scienceopen.com/document/vid/8feb0edb-4724-4f85-9bd4-fd3b0eee2868
Sobre Jan Velterop
Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.
Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Pessoal, parabéns pela publicação, o texto faz ponderações urgentes para todos os envolvidos com a editoração de periódicos.
Muito obrigado pelo post.