Da lista aos rankings

The list is the origin of culture. It’s part of the history of art and literature. What does culture want? To make infinity comprehensible. It also wants to create order — not always, but often. And how, as a human being, does one face infinity? How does one attempt to grasp the incomprehensible? Through lists, through catalogs, through collections in museums and through encyclopedias and dictionaries”.

Umberto Eco (Beyers and Gorris 2009)

No excerto acima, Umberto Eco defende que a “lista” é a origem da cultura, sendo parte da história da arte e da literatura, como instrumento para tornar o infinito compreensível. Para o semiólogo e medievalista italiano, essa tentativa de “compreender o incompreensível” opera através das listas, através de catálogos, através de coleções em museus e através de enciclopédias e dicionários – entendidos como realizações culturais. Em seu livro “A Vertigem das Listas”¹, Eco explora de forma exaustiva a compilação de vasto repertório de listas ao longo dos séculos, organizando-as em diferentes tipologias: listas visuais, listas de coisas, listas de lugares, listas de maravilhas, listas por propriedade e por essência, listas caóticas, e listas de vertigens, entre outras – refletindo infinitas possibilidades de sistematização de elementos culturais da Humanidade e aludindo à estrutura fundante do pensamento ocidental, condicionada, ao longo do tempo, pela razão e pela ordem: “Se o ser humano sempre procurou padrões que unem ou diferenciam tudo o que existe, é porque essa tem sido sua ferramenta para lidar com uma inquietação atávica: a necessidade de dar ordem ao caos” (Marthe 2010).

Nesse livro, além de dar uma visão de como os usos e costumes enumerativos evoluíram ao longo da história, Eco também deixa entrever que essa compulsão por listar funcionava como elemento de distinção e interesse econômico: “A presença de uma relíquia constituía, na Idade Média, um motivo de atração para uma cidade ou para uma igreja e, portanto, representava, além de um objeto sagrado, também uma preciosa ‘mercadoria’ turística” (2010), com as antigas coleções de relíquias religiosas provocando competição entre cidades e igrejas europeias medievais na disputa por romeiros.

Da “lista” de Umberto Eco aos sofisticados artefatos tecnológicos de organização da informação na era da globalização, verifica-se profundas modificações nesses registros de ordenação e distinção, culminando com o surgimento das listagens ordinais hierárquicas mundiais de universidades, também conhecidas como rankings. Os atuais rankings de universidades representam a maximização das listas e outras formas de elenco verificadas em diferentes períodos históricos, com o intuito não apenas de organização da informação, mas sua distinção pela sociedade. As antigas listas evoluíram até a emergência das League Tables – os rankings mundiais de universidades – num contexto que culmina na era globalizada atual, onde os ativos baseados no conhecimento se tornaram o principal alicerce do poder econômico, social e político, determinando o locus histórico privilegiado para o surgimento dessas listagens. A crescente internacionalização da educação superior faz crescer também o interesse pela atração de estudantes, que se baseiam nos rankings para a escolha da instituição superior em que vão estudar, levando a uma analogia com as listas de coleções de relíquias que atraíam romeiros na Idade Média.

Mudam-se as formas, mas a essência permanece?

Nota

¹ ECO, U. A Vertigem das Listas. Rio de Janeiro: Record, 2010. 408 p.

Referências

BEYERS, S. and GORRIS, L. Spiegel Interview with Umberto Eco. Der Spiegel, 11 nov. 2009. Available from: http://www.spiegel.de/international/zeitgeist/spiegel-interview-with-umberto-eco-we-like-lists-because-we-don-t-want-to-die-a-659577.html

ECO, U. A Vertigem das Listas. Rio de Janeiro: Record, 2010. 408 p.

MARTHE, M. A lista das listas. Revista Veja, 22 dez 2010, 2196th ed., vol. 43, nº 51.

 

Sibele FaustoSobre Sibele Fausto

Colaboradora do SciELO, pós-graduanda em Ciência da Informação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCI-ECA-USP), especialista em Informação em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo em parceria com o Centro Latino-Americano de Informação em Ciências da Saúde (UNIFESP-BIREME-OPAS-OMS), é bibliotecária do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (DT-SIBi-USP).

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FAUSTO, S. Da lista aos rankings [online]. SciELO em Perspectiva, 2013 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/09/24/da-lista-aos-rankings/

 

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