Quando se empreende uma viagem longa, chegar à metade do percurso tem antes de mais nada, um profundo impacto psicológico, é um marco importante no caminho; internamente sente-se que a partir desse momento não mais “estamos apenas indo”, porém “chegando”.
Na década de 1990, começa em várias universidades prestigiosas do mundo um movimento para que suas publicações sejam de acesso livre, como forma de democratizar os resultados da pesquisa. Em 1998, surge o SciELO como um projeto piloto e pioneiro nesta linha de ação, com apenas dez periódicos que nem sequer eram de “primeiro mundo” (Packer, 2009). Isso foi alguns anos antes da famosa declaração da Open Society de Budapeste, das conferências de Berlim e de outras iniciativas nesse sentido. Dez periódicos pareciam nada, quando o mercado das empresas editoriais comerciais publicavam dezenas de milhares de periódicos por assinatura.
Passaram-se 15 anos desde então, e é lógico perguntar quanto progresso ocorreu ao longo do caminho. A questão que temos é se ainda estamos indo ou já começamos a chegar a algum ponto importante.
Em recente publicação dirigida por Éric Archambault da empresa Science-Metrix, patrocinada pela Comissão Europeia1, informou-se que, em abril de 2013, 50% dos artigos científicos publicados entre 2004 e 2011 em todo o mundo estavam disponíveis em acesso aberto.
Esse número foi contestado por outros pesquisadores no campo, como Fred Dylla, diretor do American Institute of Physics, em College Park, Maryland, e Stevan Harnad, um promotor do acesso aberto desde o início, na Universidade de Quebec em Montreal, segundo os artigos publicados nos periódicos Science 2 e Nature 3 . A equipe de pesquisadores liderada por Stevan Harnad estima que o número disponível para artigos em acesso aberto no ano de 2011 era equivalente a 32%. E as diferenças nos resultados poderiam ser explicadas por várias razões.
Em primeiro lugar, a equipe de Harnad utilizou uma amostra de vinte mil artigos publicados em 2008, retirada da Web of Science (WoS), Thomson Reuters; no entanto, a equipe de Archambault utilizou a base Scopus, com maior cobertura, complementando-a com Google Search e outros motores de busca. Eventualmente, a Science-Metrix expandiu a amostra para 320 mil artigos no período 2004-2011.
Em segundo lugar, há várias maneiras de disponibilizar trabalhos de pesquisa em acesso aberto, não apenas em periódicos selecionados na WoS, mas também em repositórios, como arXiv e PubMed Central, e os sites de auto-arquivo por autores e redes acadêmicas, como ResearchGate.
Considere-se também que há pelo menos cinco variantes que são consideradas de acesso aberto.
- Via dourada: periódicos que são financiadas por instituições, e oferecem os conteúdos de forma gratuita aos leitores desde o início, como os periódicos SciELO;
- Via verde: artigos que são arquivados pelo autor em seu próprio site, mas artigos que foram aceitos para publicação mediante processo de revisão por periódicos acadêmicos;
- Híbrido: autores pagam para que seus artigos sejam disponibilizados em acesso aberto em um periódico comercial. O periódico, portanto, fica disponibilizado pela Via dourada apenas nos artigos pagos pelo autor;
- Embargo: periódicos por assinatura que, após um período de tempo (de 1 a 2 anos) liberam os artigos, tornando-se esses também de acesso aberto pela Via dourada;
- Por tempo limitado: periódicos oferecem alguns artigos em acesso aberto por um tempo limitado, como uma promoção, mas em seguida são removidos.
Apesar das diferenças metodológicas das análises e resultados, poderiam ser destacados alguns aspectos do relatório da Comissão Europeia:
- O número de artigos disponibilizados pela Via dourada aumentou de 4% em 2004 para 12% em 2011;
- O crescimento do número de artigos pela Via dourada é exponencial, com uma taxa atual de duplicação a cada três anos, aproximadamente. No entanto, esses valores exigem uma interpretação cuidadosa, uma vez que esse tipo de periódico é mais recente, e ainda tem níveis mais baixos de citação;
- Os artigos publicados pela Via verde e no sistema Híbrido mantiveram-se estáveis, em torno de 33%;
- De todos os trabalhos publicados, depois de 18 meses, um terço já está disponível em acesso livre (esse cálculo leva em conta o tempo de embargo);
- Toda a pesquisa financiada pela União Europeia deverá ser publicada em acesso aberto a partir de 2014;
- A partir de fevereiro de 2013, a pesquisa financiada pelo governo dos Estados Unidos deve estar em acesso aberto em no máximo doze meses após sua publicação. Para que se cumpra tal determinação, as Agências Federais deverão comunicar ao US Office of Science and Technology, antes de 22 de agosto, um plano de implementação;
- Das 22 áreas do conhecimento analisadas nos 27 países da União Europeia, as áreas de ciência e tecnologia, medicina e biologia ultrapassaram 50% de acesso aberto, sendo muito mais limitado o percentual nas ciências sociais e humanas.
- Considerando os 27 países da União Europeia, cerca de vinte deles chegaram a 50% das publicações em acesso aberto.
- Fora da União Europeia, destacam-se os Estados Unidos, que superaram 50%, e o Canadá está próximo de alcançar a metade do caminho.
- Como nota destacada no informe da União Europeia, o Brasil está com 63%. Nesse sentido, há um importante reconhecimento do papel do SciELO, por considerarem fundamental o seu papel no desenvolvimento científico de todo o hemisfério Sul .
O panorama editorial mudou muito desde 1998, quando o SciELO começou com dez periódicos. Se ainda não tivermos chegado ao meio do caminho, com certeza estamos perto deste marco e não há como voltar atrás.
Notas
1 ARCHAMBAULT, E. et al. Proportion of Open Access Peer-Reviewed Papers at the European and World Levels — 2004–2011. Science-Metrix, 2013. [cited 27 August 2013]. Available from: http://www.science-metrix.com/pdf/SM_EC_OA_Availability_2004-2011.pdf
2 KAISER, J. Half of All Papers Now Free in Some Form, Study Claims. Science, 23 August 2013, vol. 341 [cited 27 August 2013]. Available from: www.sciencemag.org
3 Half of 2011 papers now free to read: Boost for advocates of open-access research articles. Nature. [cited 27 August 2013]. Available from: http://www.nature.com/news/half-of-2011-papers-now-free-to-read-1.13577
Referências
PACKER, A. The SciELO Open Access: a gold way from the South. Canadian Journal of Higher Education, 2009, Vol. 39, N. 3, p. 111-126. [cited 27 August 2013]. Available from: http://ojs.library.ubc.ca/index.php/cjhe/article/view/479/504
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