Publicação Científica: A transição para o Acesso Aberto passa pela Holanda

Por Jan Velterop

vsnu

Quando eu ainda estava na Springer – o que é já faz algum tempo agora – lembro-me de propor que a empresa não apenas oferecesse às universidades da Holanda, assim como à Sociedade Max Planck, na Alemanha, o então usual “BigDeal“. Em vez disso, argumentei, deveria ser um acordo abrangente, com acesso a todos os periódicos publicados pela Springer, e acesso aberto a todos os autores de universidades holandesas ou institutos Max Planck em periódicos de propriedade da Springer sem custos adicionais, tais como as Taxas de Processamento de Artigos (Article Processing Charges, APCs). Pouco depois, eu saí da Springer (não como resultado disso, devo acrescentar), mas acredito que um protótipo de tal acordo foi oferecido e aceito. Eu digo protótipo, porque claramente foram feitas modificações à minha proposta inicial para chegar ao acordo coletivo com as universidades holandesas que se uniram através da VSNU (Associação de Universidades Holandesas), e que foi assinado no final do ano passado. O acordo pode ter sido modificado, mas a ideia central de um acordo nacional que abrangesse o acesso, bem como a publicação de acesso aberto para os autores das universidades holandesas continua de pé. A principal diferença, como eu a entendo, é que o acesso aberto, sem APCs para os autores não é oferecido para periódicos publicados pela Springer que não de propriedade da editora, e para os periódicos do BMC (que não faziam parte do catálogo da Springer quando eu saí). Isso é uma pena, mas vamos celebrar o progresso e não nos debruçar sobre as falhas nesta fase.

Com outras grandes editoras foram feitos acordos semelhantes – embora não idênticos -todos apresentando um progresso significativo em direção ao acesso aberto. O acordo mais recente foi com a Sage, e poucos meses antes, um contrato com a Wiley foi assinado.

Em vista disso, é perfeitamente compreensível que as universidades holandesas estejam muito decepcionadas, para dizer o mínimo, com o fato das negociações com a Elsevier estarem estacionadas. Afinal, se as outras grandes editoras podem participar de tais acordos, o que é que os torna impossíveis para a Elsevier? No final deste ano, o acordo plurianual denominado BigDeal com a Elsevier irá expirar, mas até agora nenhum progresso foi feito com as negociações para o sucesso deste acordo. Na verdade, o VSNU fala em impasse.

Em sua frustração, os membros da VNSU pediram um boicote aos periódicos Elsevier, e apelaram aos editores, membros do comitê editorial, pareceristas e, finalmente, aos autores, a não prestar seus serviços ou contribuir para periódicos Elsevier5. Isso representa problemas para os pesquisadores, é claro, pois a Elsevier publica um grande número de periódicos que gozam, merecidamente ou não, de prestígio em suas comunidades, e os editores e membros de comitê editorial estão compreensivelmente relutantes em desistir de sua associação com estes periódicos.

Eu não sou um grande apreciador de boicotes, simplesmente porque eles raramente funcionam. Como boicotes, pelo menos. O que eles farão, porém, é chamar a atenção para um problema urgente. Mais como um meio psicológico para exercer pressão do que como uma forma real para infligir danos. Além disso, causar dano – embora possa ser um efeito colateral – não pode ser o objetivo neste caso. O objetivo é chegar a um acordo com uma editora grande e importante que garanta mais acesso aberto e melhor custo-benefício. O dinheiro dos contribuintes, afinal de contas, está em jogo, no caso da grande maioria dos artigos científicos que reportam resultados de pesquisa pagos através de financiamento público.

Falta ver o que acontecerá. Tradicionalmente, eram apenas bibliotecários que negociavam com as editoras. Mas bibliotecários tinham muito pouca influência. Se eles tentassem jogar pesado, o que poderia eventualmente resultar em suspensão temporária de assinaturas, eles enfrentariam pesadas crítica de pesquisadores, professores, estudantes, e seus superiores, além é claro, das editoras. Operando em conjunto, unindo forças através da Associação de Universidades da Holanda, e levando as negociações ao nível de vice-reitores ao invés de deixá-las com os bibliotecários, o poder de negociação das universidades aumenta sobremaneira. Espero que o VNSU mantenha o curso e alcance um acordo abrangente que faça justiça à necessidade de acesso aberto na pesquisa científica e acadêmica, mesmo que seja uma abordagem escalonada nesta fase. Afinal, se a Springer, Wiley e Sage podem concordar com passos significativos em direção ao acesso aberto, a posição cada vez mais isolada da Elsevier, que é realmente uma tentativa de travar o fluxo de acesso aberto, é muito mais fraca do que eles agora a consideram.

E se as universidades holandesas tiverem sucesso, a mensagem que enviam para os outros países será, de fato, muito poderosa.

Referências

Dutch Universities and SAGE reach agreement on open access. Association of universities in the Netherlands (VSNU). 2015. Available from: http://www.vsnu.nl/en_GB/news-items.html/nieuwsbericht/218

Dutch universities start their Elsevier boycott plan. Univers. 2015. Available from: http://universonline.nl/2015/07/02/dutch-universities-start-their-elsevier-boycott-plan

Elsevier open access negotiations in deadlock. Association of universities in the Netherlands (VSNU). 2015. Available from: http://www.vsnu.nl/files/documents/Publications/Factsheets/33_Elsevieropenaccessnegotioationsindeadlock.pdf

Springer and universities take key step towards open access. Association of universities in the Netherlands (VSNU). 2014. Available from: http://www.vsnu.nl/en_GB/news-items.html/nieuwsbericht/175

Wiley and Dutch universities take step towards open access. Association of universities in the Netherlands (VSNU). 2015. Available from: http://www.vsnu.nl/en_GB/news-items.html/nieuwsbericht/217

 

Sobre Jan Velterop

Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

VELTEROP, J. Publicação Científica: A transição para o Acesso Aberto passa pela Holanda [online]. SciELO em Perspectiva, 2015 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/07/13/publicacao-cientifica-a-transicao-para-o-acesso-aberto-passa-pela-holanda/

 

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