Ética em pesquisa: como melhorar a integridade dos cientistas em seu trabalho

Por Ernesto Spinak

Ética

O paradigma clássico da atividade científica ensina que este é um empreendimento cooperativo a nível global onde os cientistas, de forma desinteressada e honesta, apresentam seus resultados de forma aberta à crítica e correção pelos colegas. Estas tem sido, ao menos por muitas décadas, as ideias promovidas por Robert Merton em seu The Sociology of Science1 e Karl Popper em Conjeturas y Refutaciones2.

Isso está certo? A atividade científica está sujeita a um controle rigoroso que permita depurar  eventuais vieses e erros? Os mecanismos protetores que assegurem a transparência estão funcionando de maneira eficiente? Os leitores deste blog sabem a resposta.

É possível instaurar um sistema que melhore a credibilidade e validade dos resultados de pesquisa publicados nos periódicos científicos? Um método eficiente seria assegurar a reprodutibilidade dos experimentos por laboratórios independentes, tanto do ponto de vista técnico como estatístico. Ainda assim, seria importante divulgar as fontes de financiamento, e incorporar aos periódicos inovações como o CrossMark®, de modo a facilitar a informação sobre retratações por quaisquer motivos.

Este é o tema abordado pela Science em seu último número de 26 de junho, ao qual dedica duas notas centrais a cargo de duas equipes lideradas por Bruce Alberts3 e B. A. Nosek4, respectivamente, e que comentamos a seguir.

Nosek e seus colegas destacam que os incentivos para obter qualidade e rigor estão em relação contraditória com a pressão por publicar resultados originais e positivos, onde resultados negativos não são publicados. Ademais, o sistema de recompensas em financiamento a pesquisa ou promoção na carreira acadêmica se mede em quantidade de publicações e não em qualidade. Uma das conclusões que recomenda é que as universidades e agências de fomento deveriam insistir na ética da pesquisa por parte dos acadêmicos e  estudantes.

Alberts assinala em sua nota que se a ciência serve para melhorar nossa compreensão do mundo e preservar seu papel como motor de nossa economia e autoestima, os cientistas deveriam salvaguardar seu rigor e confiabilidade frente aos desafios de um ecossistema de pesquisa que  está se desenvolvendo de maneira dramática e inquietante. A comunidade científica deveria participar de um diálogo permanente…

… OK, até aqui tudo bem, já sabíamos disso, não se agrega nada de novo.

Então onde está a iniciativa inovadora?

Ao final da nota Alberts nos informa que em setembro deste ano será apresentado um informe sobre a integridade da ciência que servirá como catalizador deste diálogo, e então nos apresenta algumas guias para que os periódicos possam ajudar a promover a transparência, abertura e reprodutibilidade, em uma cultura de pesquisa aberta (Open Research, também conhecida como Research 2.0).

Estes guias de Promoção da Transparência e Abertura foram publicados pelo Center for Open Science5, recentemente criado em 2014 e que é integrado por mais de 100 periódicos main stream e dezenas de instituições de pesquisa. Os guias dividem as normas em oito categorias e três níveis de exigências para sua aplicação. Serão os periódicos que irão decidir se um artigo será ou não publicado, dependendo do nível de cumprimento de alguns destes padrões.

Em resumo, as oito normas do TOP Guidelines são:

Requisitos de transparência Comentário
Normas de citação Se aplica à bibliografia, aos dados e materiais de pesquisa
Nos dados Suficientes para permitir a replicação
Nos métodos analíticos ou códigos Evitar informes vagos ou incompletos sobre a metodologia
Nos materiais de pesquisa Incentiva o uso de repositórios de referência
Desenho e análise Incentiva o uso de repositórios de referência
Pré-registro de estudos Permite descobrir pesquisa não publicada e distinguir entre ensaios confirmatórios e exploratórios (hypothes-testing vs. hypothesis-generating)
Pré-registro de planos de análise
Replicação Uso de Informes Registrados com arbitragem de resultados para decidir sobre a publicação do manuscrito

 

Para o êxito desta iniciativa, serão os periódicos que terão um papel chave no processo de comunicação científica. Os autores científicos reconhecem o valor da transparência, abertura e reprodutibilidade. Na medida em que estas normas sejam implementadas nos periódicos científicos de nível profissional, os autores entenderão as regras e as aplicarão com maior rigor.

Notas

1. MERTON, R. K. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. University of Chicago Press: Chicago, 1973. Available from: http://scholar.google.com/scholar_lookup?title=The%20Sociologe%20of%20Science%3A%20Theoretical%20and%20Empirical%20 Investigations&author=R.%20Merton&publication_eear=1973

2. POPPER, K. Conjeturas e Refutaciones: El desarrollo del conocimiento científico. Ediciones Paidós: Buenos Aires, 1983.

3. ALBERTS, B., et al. Self-correction in science at work: Improve incentives to support research integrity. Science. 2015, vol. 348, nº 624, pp. 1420-1422. DOI: 10.1126/science.aab3847

4. NOSEK, B. A., et al. Promoting an open research culture. Science. 2015, vol. 348, nº 6242, pp. 1422-1425. DOI: 10.1126/science.aab2374

5. Transparence and Openness Promotion (TOP) Guidelines. Center for Open Science (COS). Available from: http://centerforopenscience.org/top/

Referências

ALBERTS, B., et al. Self-correction in science at work: Improve incentives to support research integrity. Science. 2015, vol. 348, nº 624, pp. 1420-1422. DOI: 10.1126/science.aab3847

MERTON, R. K. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. University of Chicago Press: Chicago, 1973. Available from: http://scholar.google.com/scholar_lookup?title=The%20Sociologe%20of%20Science%3A%20Theoretical%20and%20Empirical%20 Investigations&author=R.%20Merton&publication_eear=1973

NOSEK, B. A., et al. Promoting an open research culture. Science. 2015, vol. 348, nº 6242, pp. 1422-1425. DOI: 10.1126/science.aab2374

POPPER, K. Conjeturas e Refutaciones: El desarrollo del conocimiento científico. Ediciones Paidós: Buenos Aires, 1983.

Responsible Science: Ensuring the Integrity of the Research Process. Committee on Science, Engineering, and Public Police of the National Academy of Sciences, Engineering and Institute of Medicine. (National Academies Press, forthcoming) Available from: http://www8.nationalacademies.org/cp/projectview.aspx?key=49387.

Transparence and Openness Promotion (TOP) Guidelines. Center for Open Science (COS). Available from: http://centerforopenscience.org/top/

Links externos

CrossMark® – <http://www.crossref.org/crossmark/>

Retraction Watch – <http://retractionwatch.com/>

 

spinakSobre Ernesto Spinak

Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado em Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SPINAK, E. Ética em pesquisa: como melhorar a integridade dos cientistas em seu trabalho [online]. SciELO em Perspectiva, 2015 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/07/01/etica-em-pesquisa-como-melhorar-a-integridade-dos-cientistas-em-seu-trabalho/

 

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