Faz “15 anos” que o bioquímico Rogério Meneghini criou com Abel Packer a Scielo – Scientific Electronic Library Online. Rogério Meneghini é Professor Titular aposentado do Instituto de Química da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências. Como coordenador científico da SciELO, Meneghini vem promovendo um trabalho que visa, não somente, à indexação com avaliação das revistas científicas na Coleção Scielo Brasil, mas também à ampliação de um debate a respeito da qualidade dessas publicações diante de novos mecanismos de avaliação, e, sobretudo, das mudanças no âmbito da edição científica, tendo como foco o Acesso Aberto e, com ele, a internacionalização da pesquisa feita no país, tanto em suporte impresso quanto eletrônico.
1. O objetivo do SciELO de aumentar o impacto internacional de periódicos brasileiros não contradiz o preceito de que pesquisas de maior qualidade devam ser publicadas em periódicos de alto impacto? O que levaria um cientista, como no seu caso, a publicar em um periódico nacional?
Concordo que não é contraditório ter o objetivo do aumento de impacto internacional de periódicos brasileiros com o preceito de que pesquisas de maior qualidade devam ser publicadas em periódicos de alto impacto. A quase totalidade de meus artigos em bioquímica/biologia molecular foi publicada em periódicos internacionais. Em muitas áreas os conhecimentos são de interesse global. No entanto, na área de ciências da informação 9 artigos são em periódicos internacionais e 13 em periódicos nacionais. A decisão quanto a estes 13 foi por eu achar que eles interessariam mais aos investigadores brasileiros e pouco aos investigadores estrangeiros.
2. Em suas apresentações é frequente a referência que faz a cientistas brasileiros que dominam o ciclo da pesquisa científica, exceto a edição de periódicos de alto impacto. O que falta, em sua opinião, para que a pesquisa brasileira seja capaz de publicar periódicos de referência internacional? O que o SciELO pode fazer nesse sentido?
Acho que o que falta é que os periódicos SciELO adquiriram um padrão internacional: editores profissionais e internacionais e revisores de padrão internacional. Nossos revisores, mesmo sendo bons pesquisadores, valorizam pouco o trabalho de revisão, quando se trata de periódicos nacionais.
3. A publicação em língua portuguesa é uma barreira para a comunicação internacional da pesquisa brasileira. Quando se deveria publicar em português?
Sem dúvida é uma barreira. Pode-se ter uma situação em que publicar em português seja uma vantagem, o que nem sempre é fácil decidir. Certamente em ciências naturais as pesquisas de valor são de interesse internacional, em inglês, portanto. Na área de humanidades pode-se aceitar que certos assuntos sejam de interesse apenas local, portanto, pode-se publicar em português, mas esta conclusão é certamente difícil de ser alcançada.
4. O acesso aberto a periódicos científicos integra fundamentalmente o Programa SciELO, desde o princípio. E, na atualidade, o acesso aberto se firma não apenas no Brasil, mas também internacionalmente. O que poderia comentar a respeito do pioneirismo do SciELO sobre o acesso aberto e dos benefícios proporcionados, a partir daí, aos periódicos científicos?
Não sei se foi pioneirismo no contexto do que se entende hoje por acesso aberto. SciELO nasceu acesso aberto num momento em que a questão de ser ou não acesso aberto não estava na agenda internacional. Eu entendo que alguma reticência de alguns periódicos em participarem do SciELO em seus primórdios não se deveu à questão de acesso aberto e sim dos editores dos periódicos nacionais serem, ao mesmo tempo, os seus publishers e temerem que, com o SciELO, perderiam o prestígio que detinham, o que obviamente não foi o caso. Quanto aos benefícios do acesso aberto as discussões continuam. O que creio ser o problema central é que os publishers internacionais têm, comprovadamente, lucros excessivos e que o governo, principal agente financeiro de pesquisa científica, deverá ser o interlocutor direto destes publishers para alcançar negociações mais razoáveis. Em assim sendo, os autores serão meros intermediários, que receberão os recursos governamentais e repassarão aos publishers para adquirirem o direito ao acesso aberto. Certamente os maiores beneficiários desta mudança não serão os pesquisadores, mas a sociedade como um todo. Isto porque cada vez mais os resultados científicos serão de interesse de todos e não apenas dos cientistas.
5. Existe uma grande demanda de indexação de periódicos das ciências humanas, mas que é atendida apenas parcialmente pelo SciELO. No seu modo de ver, o que poderia ser feito para superar essa situação?
É uma questão difícil de ser respondida. A área de ciências humanas está sofrendo uma mudança internacional no contexto de comunicação. É bem conhecido o episódio do físico Alan Sokal que em 1996 submeteu um artigo “nonsense” a um prestigioso periódico de ciências sociais que o aceitou para publicação. O Brasil está ainda na rabeira desta mudança, ao mesmo tempo em que os cientistas da área são pressionados a adquirir o hábito de publicar artigos, pressão que vem principalmente da CAPES. Acho que a posição do SciELO deve ser de forte rigor na avaliação dos periódicos. Há pesquisadores brasileiros nesta área que têm projeção internacional e publicam internacionalmente. Seria bom se o SciELO contasse com a suas contribuições no processo de avaliação destes periódicos. Ceder à pressão de ingressar na base SciELO é ruim para o SciELO e para a própria comunidade de humanidades.
6. Quais são os próximos desafios para a SciELO, com base nos 15 anos de existência?
Acho que em grande parte a resposta é a mesma dada à questão 2. Porém, para que os periódicos SciELO adquiram um padrão internacional (editores profissionais e internacionais e revisores de padrão internacional) SciELO terá que se tornar um efetivo publisher, isto é, deverá ter uma influência vigorosa na estruturação do sistema editorial dos periódicos.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Por “editores profissionais” você quer dizer remunerados ou apenas com maior comprometimento? Pergunto-me que recompensas não-monetárias, além de prestígio, poderiam ser oferecidas a editores-chefes e pareceristas em geral.
Profissionalização dos editores significa remuneração dos mesmos por um trabalho de alta responsabilidade e de significativo dispêndio de tempo. Esta profissionalização é considerada apenas para o(s) Editor(es)- chefe (s) e é praticada internacionalmente. No Brasil a posição de editor-chefe não é usualmente remunerada (se houver exceção eu desconheço), e o reconhecimento se traduz em prestígio e pontos no currículo. Porém é grande o número de pesquisadores brasileiros de altíssimo nível e de prestígio internacional que declinam em assumir esta posição em periódicos nacionais. Creio também que será praticamente impossível ter a participação de um editor-chefe internacional num corpo editorial de periódico nacional sem um reconhecimento pecuniário.
Agora entendo melhor, obrigado. Aproveito o esclarecimento para perguntar se esses profissionais seriam contratados com dedicação exclusiva ou seriam remunerados com uma “bolsa editor-chefe”, concedida a docentes e pesquisadores lotados em outras instituições. Com relação às compensações não-financeiras, uma idéia seria introduzir no Lattes um campo “editor-chefe de periódico”, complementando os atuais “membro de comitê editorial” e “revisor de periódico”. Além disso, talvez seria necessário emitir uma recomendação para que haja ponderação diferenciada desses campos na análise de currículo para avaliação docente, pois normalmente eles recebem o mesmo peso (veja p.ex. em ). Grato.
Os editores não seriam contratados com dedicação exclusiva. E estariam junto ao periódico duas ou três vezes ao ano, por periódicos de 1-2 semanas. Estariam porém em contato por internet. Quanto à questão do Lattes, é o CNPq quem toma as decisões.
Como o senhor vê a parte operacional da revista ser realizada por um profissional da área de Produção Editoral? Esse profissional, com formação em editoração em meios físicos e digitais, além em marketing, distribuição etc não seria uma boa alternativa para alavancar a qualidade formal (e não de conteúdo, é claro) de uma revista científica?
A parte operacional de um periódico é muito importante. Já temos profissionais competentes para isso. O que não temos é profissionais com as qualificações para exercer de forma plena o trabalho de editoração científica.