Por Jan Velterop
Recentemente ao conversar com meu amigo Abel Packer sobre os 350 anos da publicação científica, o nome Elsevier emergiu. Não é nenhuma surpresa, é claro. Mas Abel mencionou que muitas pessoas parecem pensar que a Elsevier de hoje é a mesma que àquela antiga, venerável e respeitada casa editorial que publicou as obras de grandes cientistas e pensadores como Galileu, Snellius, Stevin, Grócio, Pascal, Erasmo, e muitos outros.
Não é bem assim. Os velhos, veneráveis e respeitados editores eram membros da família Elsevier (grafias alternativas: Elzevier, Elzevir – ainda era uma época de ortografia não padronizada), que começou a publicar nos anos de 1580 e cessou a sua atividade no final do século 18, em algum momento entre o início da Revolução Francesa e a ascensão de Napoleão ao poder. Estas circunstâncias provavelmente não tinham nenhuma relação, mas, de qualquer maneira, seus negócios foram interrompidos.
Em 1565 o nome Lodewijk (Louis) Elsevier pode ser encontrado na folha de pagamento da grande publicadora-publisher Plantin na Antuérpia. A família claramente tinha algumas raízes no mundo da publicação. Diz-se que a família veio de Leuven, que hoje situa-se na Bélgica, e fugiram para o norte, para Leiden na Holanda, por causa da relativa liberdade religiosa lá. Algumas fontes dizem que eles eram protestantes, mas o fato é que muitos judeus fizeram a mesma viagem neste período. Particularmente a partir da Antuérpia. E eles poderiam facilmente ter se mudado de Leuven para a Antuérpia, antes de se mudar mais ao norte.
O nome Elsevier não significa nada em holandês ou flamengo. Isso aponta para raízes estrangeiras e é possível encontrar sua origem na comunidade judaica sefardita no norte da África e na Península Ibérica, impulsionada para o norte por sucessivos pogroms1. O fato de que eles eram publicadores e editores nos dá algumas pistas. ‘Hal Safir’ (הל ספר) em hebraico antigo, aparentemente, significa “o livro”. Isso faz com que a etimologia do nome seja verossímil. A partir do hebraico ‘Hal Safir’ para o som mais árabe ‘El Safir’ do Norte da África, para ‘Elsevier’ na Europa Ocidental, é uma sequência etimológica crível. E não são os judeus conhecidos como o “povo dos livros”?
Uma etimologia alternativa para o nome é que ele se origina de Helsche Vier (Os Quatro do Inferno). Eu acho esta menos plausível, embora Helschevier possa ter sido uma das variantes ortográficas de Elsevier. Vizinhos podem tê-los chamado Os Quatro do Inferno (em flamengo Helschevier e Elsevier soam quase da mesma forma), mas não sei se foi seu comportamento, ou mesmo o seu número, que teriam justificado esta alcunha.
De qualquer forma, deixando a etimologia de lado, a casa editorial atual com este nome não tem nenhuma conexão com os Elseviers originais. Em 1880, cerca de um século depois dos Elseviers cessarem suas publicações, um homem de Roterdã de nome Robbers (não, eu sei o que você está pensando, mas em holandês esta palavra apenas significa ‘Filho de Robber’; nada tem a ver com roubar – no inglês) e alguns parceiros iniciaram uma editora e usaram o antigo e respeitado nome – e logotipo – dos Elseviers. Não havia nenhuma proteção de marca ou marca registrada naqueles tempos e mesmo assim, a Elsevier não estava no mercado editorial há mais de cem anos.
Manteve-se como uma pequena companhia até a segunda guerra mundial, quando ainda não possuía mais de 10 empregados. Após a guerra, começou a publicar revistas científicas diligentemente, mas o que promoveu a arrancada da companhia foi a aquisição, em 1970, da North Holland, uma editora científica, o que aumentou substancialmente seu tamanho. Aquisições subsequentes, como da Excerpta Medica e da Pergamon Press impulsionaram o tamanho da Elsevier para se tornar a maior editora científica. Fundiu-se em 1993 com a empresa britânica Reed para formar a Reed-Elsevier. O conselho mudou recentemente seu nome de Reed-Elsevier para RELX Group.
Elsevier é provavelmente a editora científica mais rentável do mundo, e em uma época de mudanças na comunicação científica viabilizada pela internet e impulsionada por demandas para acesso mais democratizado a descobertas científicas, a companhia enfrenta um número crescente de críticas. É uma das mais lentas entre as grandes editoras científicas a responder ao pedido por acesso aberto. Além disso, seus lucros líquidos de cerca de 40% são vistos como um sinal de que a publicação dentro de um modelo de negócio por assinatura tem demasiadas características em comum com o monopólio.
Só para esclarecer minha posição: Sou um defensor do acesso aberto e acho que o momento é propício para algumas mudanças drásticas na comunicação científica.
Nota do tradutor
1 Pogrom (em iídiche, פּאָגראָם, do russo погром) é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos).
Fonte: Pogrom. Wikipédia. Available from: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pogrom
Referências
350 anos de publicação científica: desde o “Journal des Sçavans” e “Philosophical Transactions” até o SciELO. SciELO em Perspectiva. [viewed 06 April 2015]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/03/05/350-anos-de-publicacao-cientifica-desde-o-journal-des-scavans-e-philosophical-transactions-ate-o-scielo/
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Willebrord Snel van Royen. Wikipédia. [viewed 06 April 2015]. Available from: http://pt.wikipedia.org/wiki/Willebrord_Snel_van_Royen
Sobre Jan Velterop
Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Leia o comentário em inglês, pelo Prof. Ross Barnard:
https://blog.scielo.org/en/2015/04/09/the-elsevier-you-know-is-not-the-only-elsevier/#comment-145592