Por Lilian Nassi-Calò
O Workshop on Alternative Open Access Publishing Models organizado pela Comissão Europeia em outubro de 2015 reuniu especialistas em comunicação científica em sua sede em Bruxelas para discutir o futuro do acesso aberto (AA). Posts anteriormente publicados neste blog relataram os objetivos do encontro bem como as abordagens institucionais e modelos de negócios potencialmente sustentáveis, tendo em vista o crescente número de mandatos de acesso aberto na União Europeia e no mundo, especialmente para resultados de pesquisa financiada com recursos públicos.
As formas de viabilizar modelos de negócio de acesso aberto e ideias veiculadas no workshop são enumeradas a seguir. Comuns a mais de uma proposta, indicam que os modelos têm boa probabilidade de ser sustentáveis e bem-sucedidas, segundo o informe de autoria de Adam Smith1.
Parceria
A cooperação entre diferentes atores da publicação de acesso aberto, tais como acadêmicos, editores, bibliotecários e publishers, fortalece este modelo de negócios e contribui para debilitar os tradicionais sistemas de assinatura.
Por exemplo, é comum às bibliotecas obterem melhores preços de assinaturas por meio de pacotes de vários periódicos de um determinado publisher. Entretanto, acordos de não divulgação que são obrigadas a assinar, proíbem as bibliotecas de compartilharem esta informação. Gerard Meijer, presidente da Radboud University (Holanda), conclama as instituições acadêmicas a se recusarem a assinar tais acordos daqui por diante, uma vez que favorecem apenas os publishers.
A Open Library of Humanities (OLH) e a Open Access Network constituem modelos que enfrentam a obrigatoriedade de confidencialidade entre publishers e instituições. A OLH, como plataforma de publicação, incentiva a livre troca de informação e a colaboração entre bibliotecas. A Open Access Network também advoga o compartilhamento de informação, recursos e objetivos comuns.
O SciELO é o mais estabelecido entre os modelos discutidos no evento, segundo Adam Smith. Trata-se de uma parceria de 17 anos que aumenta a visibilidade dos resultados de pesquisa em acesso aberto por meio de sistemas compartilhados de publicação, indexação e disseminação. O informe ainda menciona que o SciELO está em vias de se tornar um publisher em larga escala e assim estimular a parceria entre os periódicos, fazendo frente ao modelo tradicional de publicação.
Abertura vertical
O acesso aberto na publicação científica tem como objetivo primordial a visibilidade dos resultados de pesquisa e sua ampla disponibilização a qualquer pessoa interessada, o que pode ser caracterizado como uma forma de ‘abertura horizontal’, termo usado por Adam Smith no relatório do workshop AlterOA.
Em contrapartida, ‘abertura vertical’ se refere a compartilhamento de dados. A disponibilização de dados de pesquisa em repositórios ou periódicos de acesso aberto (open data) vem ganhando força na comunidade acadêmica e outros setores da sociedade. Inúmeras iniciativas criadas nos últimos anos buscam incentivar esta prática, bem como resolver questões éticas e tecnológicas inerentes ao compartilhamento de dados. A utilização, reutilização, revisão, discussão e citação de dados de pesquisa levou a mudanças significativas na prática da publicação científica. Os dados de pesquisa complementam o artigo tradicional, porém não o substitui. No entanto, o periódico perde a exclusividade de relatar os resultados, o que ao longo do tempo, pode diminuir sua relevância. O compartilhamento de dados é particularmente interessante para agências de fomento, pois aumentam a transparência da pesquisa e informa como os recursos estão sendo empregados. Repositórios de preprints como arXiv e BioRxiv podem ser considerados um exemplo de abertura vertical, uma vez que dividem com os periódicos a exclusividade da descoberta.
A iniciativa em desenvolvimento Open Research Network, ao criar alternativas não comerciais para a publicação e disseminação de resultados de pesquisa e preservação dos dados, é mais um exemplo de abertura vertical.
A questão dos lucros no acesso aberto
Apesar da maioria das iniciativas em acesso aberto não ter fins lucrativos, AA é compatível com lucro. Publishers comerciais de acesso aberto, como o PLoS e BioMed Central, no entanto, procuram favorecer parte dos autores com taxas de publicação de artigo (article processing charges, APCs) reduzidas e operar com margens de lucro bem menores do que a de grandes publishers multinacionais como Elsevier, Springer e Wiley, da ordem de 30-40%. Para se opor a estes e seus lucros desmedidos surgiram vários modelos de AA que preconizam lucro zero ou muito baixo, e por este motivo, tem maior probabilidade de contar com o apoio da comunidade acadêmica.
Um representante deste modelo de negócio é a Open Library of Humanities, que acredita que não é necessário ter lucro para ser bem-sucedido no mercado editorial. Para a OLH e muitas outras, resultados de pesquisa são encarados como bem público e devem ser livremente acessíveis. A University College London Press compartilha esta ideia e emprega recursos públicos da instituição para financiar a publicação em AA sem o pagamento de APCs para autores da UCL e por meio de uma pequena taxa para autores de outras instituições. Na mesma linha estão o projeto SCOAP3 liderado pelo CERN e o modelo Pay-what-you-want da Universidade de Munique.
O papel ambíguo do estado
Os mandatos de certas agências de fomento, principalmente públicas, determinam a publicação em AA dos resultados da pesquisa que financiam. Se por um lado os governos têm de estimular a inovação, os negócios e o crescimento econômico através de iniciativas que visam lucro, ao financiar a pesquisa, os financiadores, que buscam maximizar a visibilidade e o impacto dos recursos empregados, tendem a apoiar modelos de negócio de AA sem fins lucrativos. Por conseguinte, agências públicas de fomento em vários países tiveram um forte impacto no crescimento e fortalecimento do acesso aberto.
Os conselhos de pesquisa do Reino Unido e o Conselho de Financiamento do Ensino Superior da Inglaterra provocaram uma mudança radical na conduta da publicação acadêmica por meio de políticas que demandam o acesso aberto. Da mesma forma, a Comissão Europeia (CE), mesmo antes de estabelecer as normas para o programa Horizon 2020, já reportava que a proporção de artigos de AA em 2011 passava dos 50%. O informe ainda destaca o SciELO como iniciativa que utiliza os recursos públicos para subsidiar a publicação em AA e caminha para se tornar um publisher regional bem estabelecido, eficiente e influente.
A aparente contradição mencionada acima, de fato, não é um conflito. Ao tornar os resultados da pesquisa abertos, há um estímulo à inovação, para o benefício de todos. O monopólio dos publishers comerciais, entretanto, tende a diminuir com o avanço das tecnologias e a mudança de políticas em favor do acesso aberto.
A relevância das bibliotecas
Na medida em que o AA se fortalece, o papel de bibliotecas de instituições de pesquisa deixa de se limitar à decisão sobre assinatura de periódicos e provedores de informação, e passa a ter maior participação e importância. A OLH é uma das iniciativas que empodera os bibliotecários a atuar como publishers colaboradores e a encontrar soluções alternativas frente ao aumento de preços de assinaturas e outras questões.
Conclusões
O AlterOA mostrou que a inovação em ideias e tecnologias é o driving force que move o acesso aberto como modelo de negócios na publicação científica. A CE considera que ainda há muito a ser feito e enumera três etapas a seguir:
- Continuar a reunir pontos de vista e ideias de pesquisadores, financiadores, bibliotecários e usuários da pesquisa científica a serem discutidos em um próximo evento, possivelmente em 2016.
- Obter financiamento inicial para fomentar modelos alternativos de acesso aberto até que se tornem estabelecidos e sustentáveis.
- Aperfeiçoar o mandato de acesso aberto para Horizon 2020 para fomentar determinados modelos de negócio de AA e desencorajar outros que não sejam favoráveis.
A CE pretende o máximo de transparência e participação e incentiva as partes interessadas a expressar suas opiniões e ideias através da plataforma Digital4Science.
Nota
1. Report of the Workshop on Alternative Open Access Publishing Models. European Commission. 2015. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/report-workshop-alternative-open-access-publishing-models
Referências
NASSI-CALÒ, L. Comissão Europeia debate abordagens alternativas para o acesso aberto. SciELO em Perspectiva. [viewed 09 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/01/06/comissao-europeia-debate-abordagens-alternativas-para-o-acesso-aberto/
NASSI-CALÒ, L. O Acesso Aberto como alternativa de sustentabilidade na comunicação científica. SciELO em Perspectiva. [viewed 09 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2016/01/14/o-acesso-aberto-como-alternativa-de-sustentabilidade-na-comunicacao-cientifica/
NASSI-CALÒ, L. Projeto Making Data Count incentiva compartilhamento de dados de pesquisa. SciELO em Perspectiva. [viewed 10 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/10/01/projeto-making-data-count-incentiva-compartilhamento-de-dados-de-pesquisa/
PATTERSON, M. Reunião considera como o acesso aberto poderia abordar as iniquidades – Publicado originalmente na Research Information em 19 de Outubro de 2014. SciELO em Perspectiva. [viewed 10 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/10/19/reuniao-considera-como-o-acesso-aberto-poderia-abordar-as-iniquidades/
Report of the Workshop on Alternative Open Access Publishing Models. European Commission. 2015. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/report-workshop-alternative-open-access-publishing-models
SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE. Movimento Open Data se consolida internacionalmente. SciELO em Perspectiva. [viewed 10 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/07/14/movimento-open-data-se-consolida-internacionalmente/
SPINAK, E. and PACKER, A. Scientific Data: Nature Publishing Group avança a comunicação de dados científicos com nova publicação online em acesso aberto. SciELO em Perspectiva. [viewed 10 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/02/04/scientific-data-nature-publishing-group-avanca-a-comunicacao-de-dados-cientificos-com-nova-publicacao-online-em-acesso-aberto/
SPINAK, E. Semana Internacional dos Dados Abertos – o que há de novo?. SciELO em Perspectiva. [viewed 10 January 2016]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/01/07/semana-internacional-dos-dados-abertos-o-que-ha-de-novo/
Links externos
arXiv – <http://arxiv.org/>
BioMed Central – <http://www.biomedcentral.com/>
BioRxiv – <http://biorxiv.org/>
Digital4Science – <http://ec.europa.eu/futurium/en/content/what-future-open access-publishing>
Horion 2020 – <http://ec.europa.eu/programmes/horizon2020/>
OLH – <http://www.openlibhums.org/>
Open access Network – <http://openaccessnetwork.org/>
Pay What You Whant – <http://www.en.uni-muenchen.de/news/spotlight/2015_articles/spann_paywhatyouwant.html>
PLoS – <http://www.plos.org/>
SciELO – <http://www.scielo.org/>
SCOPA3 – <http://scoap3.org/>
UCL Press – <http://www.ucl.ac.uk/ucl-press>
Sobre Lilian Nassi-Calò
Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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