A área cercada da ‘boa’ vizinhança da publicação de Jeffrey Beall

Por Jan Velterop

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Jeffrey Beall, bibliotecário na Biblioteca Auraria da Universidade do Colorado, em Denver, EUA, publicou recentemente em seu blog um post intitulado “Seria o SciELO a favela das publicações?”1 Em seu blog, ele contrasta a ‘favela das publicações’ com a ‘boa vizinhança ​​para publicações acadêmicas’, correspondendo esta última às plataformas de editoras comerciais e a primeira, plataformas como as do SciELO.

Conhecemos Beall principalmente por sua lista de publicações de periódicos e editoras predatórios2,3. Esta lista mostra não apenas um forte viés contra o acesso aberto, mas também contra qualquer periódico ou editora que seja de propriedade ou administrada por não-anglo-americanos ou não-ocidentais. Sua lista contém editoras e periódicos que contém a palavra ‘americano’ ou ‘europeu’ em seus títulos, porém Beall parece associar qualidade principalmente com editoras de propriedade americanas e europeias. Cameron Neylon, uma pessoa muito mais diplomática do que eu, se expressou sobre isso no Twitter: “Há [uma] tendência definitiva de viés cultural/imperialismo, às vezes se aproximando do racismo, em torno de ideias de qualidade em comunicação científica.”4 E não é apenas sobre qualidade: chamando os editores em sua lista de ‘predadores’ ele os acusa de comportamento antiético. Estou certo de que existem editoras antiéticas em sua lista, mas a definição de ‘predatório’ de Beall é peculiar, para dizer o mínimo. Os editores e periódicos em sua lista são exclusivamente os de acesso aberto, como se comportamento antiético, demandando pagamento – ou exigindo a transferência de direitos autorais – de autores sem oferecer muita coisa de valor em troca, fosse prática exclusiva do acesso aberto. Todavia, editoras que operam com subscrição comercial e seus periódicos que fazem isso não estão na lista de Beall.

Pesquisadores que precisam publicar (“publicar-ou-perecer“, lembre-se) são, em muitos aspectos uma população vulnerável e levá-los a submeter seus artigos, atraindo-os para a armadilha chamada ‘periódicos de prestígio’ para periódicos que são tudo menos isso, e são simplesmente publicados por uma editora amplamente conhecida – despindo-os de seus direitos autorais no processo – é comportamento predatório tanto quanto periódicos de acesso aberto que cobram taxas de processamento de artigo (Article Processing Charges).

A ‘boa’ vizinhança​​’ e as ‘favelas’ do mundo de Beall diferem, sim, em um aspecto importante: a atribuição exagerada e até mesmo falsa de ‘prestígio’ são inexistentes na plataforma SciELO, ou na pior das hipóteses, muito rara; por outro lado, elas são abundantes na ‘boa vizinhança’ das plataformas comerciais.

Uma das principais críticas no post de Bell é a ideia de que a plataforma SciELO está fazendo um mau trabalho de distribuição de conteúdo dos periódicos, ou em aumentar sua visibilidade. Ele está totalmente errado em ambos os aspectos, mas provavelmente quer dizer que eles não gastam muito promovendo ativamente os periódicos e seu conteúdo. Se é isso o que ele quer dizer, ele pode ter certa razão. No entanto, também não o fazem ou fazem muito pouco seus periódicos comerciais de ‘boa vizinhança’. Ele também pode estar certo em que “muitos acadêmicos norte-americanos nunca ouviram falar destes meta-publishers ou dos periódicos que eles agregam.” Mais uma vez, isso também é verdade para a maioria dos periódicos publicados comercialmente. Estou convencido de que a maioria dos diligentes e profissionais bibliotecários acadêmicos na América do Norte – e em outros lugares neste aspecto – estão a par sobre o SciELO. Alguns – embora muito poucos, espera-se – podem optar por não compartilhar este conhecimento com seus usuários. Isso, evidentemente, não é culpa do SciELO.

Acadêmicos de valor vão encarar criticamente as declarações de Beall, como fazem com qualquer informação com que se deparam, e em seguida vão ignorar suas opiniões. Aqueles que o levam a sério e ignoram o SciELO são livres para fazê-lo. É seu direito. E sua perda.

Notas

1. BEALL, J. Is SciELO a Publication Favela? Scholarly Open Access. 2015. Available from: http://scholarlyoa.com/2015/07/30/is-scielo-a-publication-favela/

2. BEALL, J. List of publishers. Scholarly Open Access. 2015. Available from: http://scholarlyoa.com/publishers/

3. BEALL, J. List of standalone journals. Scholarly Open Access. 2015. Available from: http://scholarlyoa.com/individual-journals/

4. NEYLON, C. Twitter post. Available from: http://twitter.com/cameronneylon/status/627125354570846209

 

Sobre Jan Velterop

Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.

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Jan Velterop

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

VELTEROP, J. A área cercada da ‘boa’ vizinhança da publicação de Jeffrey Beall [online]. SciELO em Perspectiva, 2015 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/08/01/a-area-cercada-da-boa-vizinhanca-da-publicacao-de-jeffrey-beall/

 

4 Thoughts on “A área cercada da ‘boa’ vizinhança da publicação de Jeffrey Beall

  1. Pingback: E a grita contra Jeffrey Beall continua. Os editores predatórios agradecem! | Blog do Pedlowski

  2. Pingback: Fast-food? Não, obrigado. | Circuito Acadêmico

  3. Pingback: Se não é o leitor … Parte 4: Brasil | Linguística-UFRJ M.Carlota Rosa

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