Lidando com a sobrecarga de informação

Por Jan Velterop

Estamos sobrecarregados com a quantidade de informação científica que está sendo publicada? O PubMed adiciona uma média de mais de dois resumos por minuto em sua base de dados e isso apenas em ciências médicas e da vida. Se isso não equivale à sobrecarga de informação, então o que seria?

Em 2010, em um artigo intitulado “Sobre a impossibilidade de ser expert”, Alan Fraser e Frank Dunstan1 afirmam que, mesmo em um campo relativamente pequeno, o interessado deveria dedicar todas as suas horas de trabalho na leitura da literatura relevante, a partir do início de sua carreira até a aposentadoria, a fim de ser chamado de expert. Obviamente, isso não é possível nem desejável, pois ninguém teria tempo para aplicar o conhecimento adquirido. Nenhum cientista pesquisador seria capaz de fazer seus próprios experimentos. Não haveria médicos especialistas para tratar de pacientes.

O que fazer? Temos de encontrar formas de lidar com a quantidade crescente de informação científica e simplesmente a leitura de tudo está fora de questão. Temos de capturar e internalizar o conhecimento que está sendo descoberto e criado pela ciência de maneiras diferentes.

Estratégias têm sido propostas para lidar com o problema, que vão desde a simples criação de menos dados e informação, até simplesmente aceitar que não podemos ler tudo, a recorrer a desenvolvimento de reconhecimento de padrões para decidir qual é a fração da literatura para a qual podemos gastar de forma mais eficiente nossos esforços de leitura a fim de se manter a par do conhecimento em desenvolvimento.

A criação de menos dados e informação é uma ideia absurda, apesar de que publicar esta informação de forma mais concisa, em menor número de artigos, pode fornecer algum alívio. Por outro lado, há um grande benefício na publicação dos chamados artigos de ‘confirmação’, que informam sobre a replicabilidade e reprodutibilidade dos experimentos.

Aceitar apenas que não podemos ler tudo o que é relevante em nossa área escolhida é uma abordagem pragmática muitas vezes adotada, mas que carrega o grande perigo do que eu chamo de ‘pesquisa poste de luz’. A analogia refere-se à uma piada sobre um bêbado, que está procurando sob a luz de um poste, as chaves que perdeu e ao ser perguntado se ele se lembra onde as perdeu, responde “lá está escuro, não posso enxergar nada, então é inútil que eu procure lá.” Contando apenas com informação a que temos acesso ou a qual temos tempo para ler, potencialmente leva a uma situação muito semelhante. Hipóteses completas podem ser construídas sobre informações que faltam elementos-chave, simplesmente por causa do desconhecimento sobre sua existência.

Francamente, não temos escolha a não ser desenvolver maneiras de criar sínteses do conhecimento que tenha sido publicado, e, em seguida, concentrar em áreas de maior relevância para o nosso interesse específico. Arqueólogos de campo não começam a cavar aleatoriamente. Eles fazem levantamentos aéreos em primeiro lugar e os analisam para determinar se existem estruturas subsuperficiais e onde eles têm a melhor chance de encontrar algo significativo se lá cavarem.

Mas como podemos criar estas visões gerais de conhecimento? Não é fácil, mas um bom começo está sendo feito com uma iniciativa chamada Lazarus. Trata-se de uma iniciativa que tem como objetivo reunir conceitos e afirmações significativas da literatura através de crowd-sourcing, usando um plug-in para o leitor gratuito de documentos científicos em PDF Utopia Documents. Embora esta seja uma iniciativa crowd-sourcing, não há nada que impeça os publishers de adicionar estes conceitos e afirmações aos resumos dos artigos que publicam. (Como alguns artigos podem ter muitos desses conceitos e afirmações, eles podem até mesmo ser adicionados ‘cegamente’, ou seja, invisível ao leitor humano, mas que pode ser apenas lido pelo computador.) Deixe-me ilustrar a ideia com o seguinte exemplo.

Imagine que você tinha um artigo que conclui:

“Em dias quentes, verifica-se que a aspirina diminui as chances de coágulos sanguíneos, mas aumenta as chances de ataque cardíaco em humanos; o efeito não foi observado em ratos de forma alguma; simulações em cães parecem sugerir que o efeito está presente, mas é independente da temperatura, a menos que o cão esteja acompanhado por um ser humano

Lazarus iria reconhecer conceitos e afirmações significativos neste texto (indicado em itálico para substantivos e sublinhado para verbos). E transforma-os da seguinte forma, adequado para leitura por máquina:

Conceitos significativos:

[CHEMBL25] (aspirina)

[EFO_0001702] (‘temperatura’ da ontologia dos parâmetros experimentais)

[Canis lupus familiaris]

[Homo sapiens]

[Mus musculus]

Interações de Títulos (na forma de Triplica):

[ASPIRINA] [DIMINUI] [TROMBOSE]

[ASPIRINA] [AUMENTA] [ENFARTE DO MIOCARDIO]

Estes conceitos e afirmações carregam metadados (transformando afirmações nas chamadas nanopublications) para indicar o artigo de origem do conceito ou afirmação, com base no Digital Object Identifier (DOI). Com a ajuda de computadores, eles seriam combinados, de milhares, até mesmo milhões, de artigos, para criar um “mapa do conhecimento”, permitindo aos pesquisadores ‘navegar’ no conhecimento existente com mais facilidade a apontar em uma direção em áreas de interesse, a fim de fazer escolhas bem informadas sobre quais artigos realmente ler em meio a enorme quantidade disponível.

O plug-in Lazarus é esperado para ser lançado ainda este ano. Publishers que desejam adicionar estes conceitos e afirmações nos resumos dos trabalhos publicados são aconselhados a entrar em contato.

Nota

1 FRASER, A.G., and DUNSTAN F.D. On the impossibility of being expert. BMJ. 2010, vol. 341:c6815. DOI: 10.1136/bmj.c6815.

Referências

FRASER, A.G., and DUNSTAN F.D. On the impossibility of being expert. BMJ. 2010, vol. 341:c6815. DOI: 10.1136/bmj.c6815.

GROTH, P., GIBSON, A., and VELTEROP, J. The anatomy of a nanopublication. Information Services and Use. 2010, vol. 30, nº 1-2. DOI: 10.3233/ISU-2010-0613.

Lazarus. The university of Manchester. [viewed 10 May 2015] Available from: http://www.cs.manchester.ac.uk/our-research/activities/lazarus/.

VELTEROP, J. Nanopublications: the future of coping with information overload. Logos. 2010, vol. 21, nº3, pp. 119–122. DOI: 10.1163/095796511X560006.

Link externo

Utopiadocs – <http://utopiadocs.com>

Veja também

http://www.semantico.com/2014/08/beginning-to-see-the-light-jan-velterop-takes-a-gradualist -approach-to-transforming-scholarly-publishing/?utm_medium=email&utm_campaign=May+2015+ enewsletter+from+Semantico&utm_content=May+2015+enewsletter+from+Semantico+CID_ d335e8e0f23417567adb637fd62c91a7&utm_source=Email%20marketing%20software&utm_term=Jan%20Velterop

 

Sobre Jan Velterop

Jan Velterop (1949), geofísico marinho, tornou-se editor científico em meados dos anos 1970. Ele iniciou sua carreira como editor na Elsevier em Amsterdã. Em 1990 tornou-se diretor de um jornal holandês, mas retornou à publicação científica internacional em 1993 na Academic Press em Londres, onde desenvolveu o primeiro acordo nacional que permitiu acesso eletrônico a todos os periódicos AP por todas as instituições de ensino superior do Reino Unido (o que mais tarde foi denominado BigDeal). Ele foi Diretor na Nature, mas logo se dedicou para ajudar a fazer decolar o BioMed Central. Ele participou da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto. Em 2005 foi para a Springer, baseado no Reino Unido como Diretor de Acesso Aberto. Em 2008 ele deixa a Springer para apoiar o desenvolvimento de abordagens semânticas para acelerar descobertas científicas. Velterop é um ativo defensor do acesso aberto em conformidade com a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI) e do uso de microatribuições, a referência das denominadas “nanopublicações”. Ele publicou vários artigos sobre ambos os temas.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

VELTEROP, J. Lidando com a sobrecarga de informação [online]. SciELO em Perspectiva, 2015 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2015/05/18/lidando-com-a-sobrecarga-de-informacao/

 

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