Os desafios da retratação: passar a literatura a limpo pode ser difícil

Fonte: The American Heritage® Dictionary of the English Language, Fourth Edition copyright ©2000 by Houghton Mifflin Company. Updated in 2009. Published by Houghton Mifflin Company. All rights reserved.

Fonte: The American Heritage® Dictionary of the English Language4.

Publicou-se recentemente neste blog um post¹ da autoria de Ernesto Spinak que trata da retratação de diversos tipos de plágio em publicações científicas, com base em artigo publicado na Nature². O texto analisa os diferentes tipos de plágio que ocorrem mais comumente e conclui que nem todos os plágios devem ser retratados, porém apenas aqueles que configuram apropriação de ideias, metodologias inovadoras ou conceitos. Na opinião de Praveen Chaddah, autor do artigo e que já foi vítima de dois plágios, recusar um artigo por copiar partes da introdução pode impedir que resultados consistentes e relevantes sejam publicados. O que deve ser feito nestes casos é uma retratação ou correção, dependendo do grau de infração que representam.

Em editorial da Nature³ nesta semana, o tema da retratação novamente vem à tona. Trata-se de consenso que a má conduta na publicação científica deve ser corrigida tão logo quanto possível. Porém, há uma série de implicações éticas, morais, legais e relacionadas à reputação de periódicos e pesquisadores no processo de retratação.

Quando um autor ou grupo de autores se dá conta de um erro nos resultados ou na sua interpretação em um artigo já publicado, é de sua responsabilidade procurar o editor do periódico em questão e submeter uma retratação. Tal ato evidencia um forte senso de rigor e ética, uma vez que as consequências de uma retratação para o pesquisador, sua instituição e para o próprio periódico não são de todo positivas. De fato, por temer tais consequências muitos preferem abster-se e deixar o artigo cair no esquecimento. Contudo, quando se trata de admitir um erro honesto, o ato de retratar-se deveria dar crédito ao autor.

É por este motivo que os casos de retratação em periódicos de alto impacto referem-se principalmente a casos de má conduta científica intencional, detectada por meio de investigação. É nestes casos que a retratação torna-se complicada, pois as instituições temem por sua reputação. Os periódicos, por sua vez, podem enfrentar longos processos legais movidos pelo autor da retratação, no caso das conclusões serem contestadas.

Mesmo em situações onde instituição e periódico concordam em publicar uma retratação, pode haver conflitos entre os interesses das partes envolvidas. Por exemplo, como mencionado na Nature (2014), “uma instituição pode estar restrita, devido a acordos de confidencialidade, de revelar os resultados de sua investigação, deixando os editores desinformados sobre as circunstancias do erro cometido” (tradução livre).Por este motivo, ou para evitar longas ações legais, muitas vezes os periódicos preferem evitar publicar retratações.

Mesmo assim houve um aumento no número de retratações na Nature em 2013 e 2014. Por décadas, o número das retratações neste periódico tem se mantido em uma ou duas por ano, principalmente em virtude de erros honestos, e não de fraude. Como, então, pode ser explicado este fato? Há, segundo o editorial, apenas especulações. Atualmente os dispositivos eletrônicos que detectam plágio estão sendo largamente utilizados, e o aumento no número de retratações pode, em parte, ser justificado por seu uso. Entretanto, as datas de publicação dos artigos retratados nos últimos dois anos variam de 1994 a 2014. Outra interpretação é que os erros derivem da falta de reprodutibilidade em laboratórios submetidos à alta pressão por gerar resultados e publicações.

Um aspecto a ser considerado, é, sem dúvida, o desperdiço de recursos em pesquisa que acabam produzindo resultados falsos, quer intencionalmente ou não. Entretanto, os recursos envolvidos nas disputas judiciais pelas partes interessadas em zelar por suas reputações – instituições, autores e periódicos – também não são desprezíveis.

De qualquer forma, considerando todas as variáveis, é de suma importância retratar as publicações falsas.

Notas

¹ Ética editorial – os plágios devem ser retratados? – não todos. SciELO em Perspectiva. [viewed 05 October 2014]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/08/13/etica-editorial-os-plagios-devem-ser-retratados-nao-todos/

² CHADDAH, P. Not all plagiarism requires a retraction. Nature. 2013, vol. 511, nº. 7508. Available from: http://www.nature.com/news/not-all-plagiarism-requires-a-retraction-1.15517

³ Retraction challenges. Cleaning up the literature can be difficult. Nature 514, 5 (02 October 2014) doi:10.1038/514005a. Available from: http://www.nature.com/news/retraction-challenges-1.16023?WT.ec_id=NATURE-20141002

4 The American Heritage® Dictionary of the English Language, Fourth Edition copyright ©2000 by Houghton Mifflin Company. Updated in 2009. Published by Houghton Mifflin Company. All rights reserved.

 

lilianSobre Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.

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Lilian Nassi-Calò

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NASSI-CALÒ, L. Os desafios da retratação: passar a literatura a limpo pode ser difícil [online]. SciELO em Perspectiva, 2014 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2014/10/10/os-desafios-da-retratacao-passar-a-literatura-a-limpo-pode-ser-dificil/

 

2 Thoughts on “Os desafios da retratação: passar a literatura a limpo pode ser difícil

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